Descrição de chapéu Governo Biden

Biden completa 1 ano no cargo após 'parar a loucura', mas sem vencer Covid e inflação

Presidente faz balanço do começo do mandato, no qual enfrenta dificuldades para obter consensos

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Washington

Quando chegou ao Salão Oval como presidente pela primeira vez, há um ano, Joe Biden tinha como desafios vencer a Covid, recuperar a economia e tentar pacificar a sociedade e a política dos EUA. Um ano depois, a lista continua praticamente a mesma, agravada inclusive pela tensão entre os democratas.

Um lembrete claro da polarização foi dado no último dia 6 de janeiro, quando congressistas republicanos não foram às cerimônias que lembraram as cinco mortes ocorridas na invasão do Congresso por apoiadores de Donald Trump. Alguns chegaram a acusar a Casa Branca de politizar a data.

O presidente dos EUA, Joe Biden, em entrevista na Casa Branca para marcar seu primeiro ano no cargo - Kevin Lamarque - 19.jan.22/Reuters

Biden aproveitou aquele discurso para deixar de lado o tom conciliador e fez ataques diretos a Trump, chamando-o de "ex-presidente derrotado" —antes, buscava agir como se o antecessor não existisse.

"O presidente disse que iria tentar unir o país. Seus comentários [recentes] não sugerem que esteja tentando nos unir de novo", disse o senador republicano Mitt Romney. "Ele tem que reconhecer que, quando foi eleito, as pessoas não esperavam que ele transformasse a América. Elas queriam voltar ao normal, parar a loucura."

A posse do democrata de fato devolveu à Casa Branca uma rotina de normalidade. Trump atacava adversários ("Hillary devia ser presa"), mentia ("foi a maior posse da história"), criticava a imprensa ("inimigos do povo") e lançava propostas absurdas ("e se comprarmos a Groenlândia?") com frequência. Muitas dessas mensagens vinham pelas redes sociais, às vezes de madrugada.

Já o governo Biden é marcado por certa previsibilidade, com ações anunciadas quase sempre de forma antecipada para a imprensa e espaços para perguntas de jornalistas. O presidente busca um trato polido em público e defende em suas falas os direitos de minorias.

Previsibilidade, porém, não implica vencer sempre. Biden não conseguiu unir o país em torno do combate à Covid, por exemplo. Ele fez inúmeros discursos para convencer os americanos a se vacinar, mas a taxa da população plenamente imunizada estagnou em 63%, enquanto governadores republicanos tomam medidas contra a obrigatoriedade do uso de máscaras.

As altas de contágio geram efeitos também na economia, com falta de trabalhadores em várias áreas e falhas na cadeia de suprimentos. A inflação de 7% ao ano, percentual não visto no país desde os anos 1980, corrói o poder de compra dos americanos.

Em entrevista coletiva para marcar um ano de mandato nesta quarta (19), Biden disse que seu governo teve um ano de desafios, mas de enormes progressos —ele citou a vacinação de 210 milhões de americanos, a redução da pobreza infantil em 40% e a criação de 6 milhões de empregos em 2021, um recorde. Afirmou estar satisfeito com a gestão da pandemia, mas reconheceu que ela ainda é um desafio.

"A Covid não vai embora imediatamente. Mas estamos indo para um tempo em que ela não vai mais dificultar nossa rotina diária, será algo do qual podemos nos proteger. Estamos em um lugar muito melhor do que há um ano. Não vamos recuar para lockdowns e fechar escolas."

O presidente ainda disse que sabe que o país não está unido como deveria e admitiu que não se comunicou tão bem com segmentos como a população negra. Sobre política externa, reforçou que acha que Vladimir Putin vai invadir a Ucrânia e, mais do que isso, "testar o Ocidente, os EUA e a Otan, tanto quanto puder" —mas que o preço por isso será alto, a ponto de o russo se arrepender.

Para melhorar a economia, Biden defende mais investimentos em infraestrutura e benefícios sociais para famílias pobres e de classe média. Mas um amplo pacote social, de quase US$ 2 trilhões, está travado há meses no Congresso, por falta de acordo entre os democratas.

Biden disse que aceita dividir o pacote em várias partes para tentar a aprovação, mas que não considera desistir. "Não estou pedindo por castelos no céu, mas por coisas factíveis, pelas quais os americanos esperam há muito tempo."

Em meio a cenas de hospitais cheios e prateleiras de mercado vazias, sua aprovação estagnou em torno de 43% —ao tomar posse, era de 55%. Nos primeiros meses de governo, a vacinação contra a Covid avançou rapidamente, a economia mostrava sinais de recuperação e as atividades presenciais eram retomadas. Em março, Biden aprovou um pacote de resgate econômico e de combate à pandemia, de US$ 1,9 trilhão, que resultou em mais dinheiro enviado diretamente para famílias americanas.

Um efeito indireto desse auxílio, ainda em estudo, é que mais pessoas decidiram deixar empregos em que ganhavam pouco, em um movimento apelidado de "great resignation" (grande renúncia). O número de pedidos de demissão superou 4 milhões por mês.

Biden também esperava que o feriado de 4 de Julho fosse marcar a independência da pandemia, mas não foi bem assim. Já em junho, o ritmo da vacinação estagnou, antes que metade dos americanos estivesse plenamente imunizada. Ao mesmo tempo, o número de casos de Covid voltava a subir. O país não fechou as atividades, mas milhares de pessoas morreram.

Em agosto, o democrata teve de lidar com sua maior crise até agora: a saída caótica das tropas americanas do Afeganistão, que terminou com o Talibã retomando o controle do país. A cena de moradores locais tentando se agarrar a aviões em movimento chocaram. A experiência de Biden, que passou anos lidando com questões internacionais como senador e vice-presidente, tampouco o salvou.

Ele veio a público muitas vezes tentar explicar os erros no Afeganistão, mas sem admiti-los, e a aprovação despencou. A partir de setembro, buscou se concentrar na aprovação de dois pacotes de investimentos. Um deles, de infraestrutura, foi aprovado em novembro e prevê quase US$ 2 trilhões de gastos.

Para Sérgio Amaral, conselheiro do Cebri e ex-embaixador do Brasil nos EUA, a aprovação do programa com apoio republicano foi um sinal de que Biden conseguiu romper algumas resistências. "Existe um grande número de republicanos que ainda defendem as posições de Trump. Mas, pelos números, o ex-presidente não teve aumento de apoios: dois terços do eleitorado republicano ainda o defendem, mas eles são só cerca de 30% dos americanos", pondera.

O texto do pacote de infra só alcançou um acordo após a derrota democrata na eleição estadual da Virgínia, em novembro. Biden se engajou pessoalmente na campanha, mas não evitou a vitória republicana, embalada por questões de comportamento e pelas chamadas guerras culturais. Ao tomar posse como governador, Glenn Youngkin determinou o fim da exigência de máscaras em salas de aula.

Outras propostas do presidente seguem travadas no Congresso. Após semanas de impasse, Biden começou 2022 defendendo mudanças nas regras do Senado, para evitar que a minoria republicana possa obstruir projetos importantes, e alterações nas leis eleitorais do país, para ampliar o acesso ao voto.

A proposta quer unificar regras eleitorais em todo o país —hoje cada estado define as suas. Republicanos dizem que essa é uma tentativa de cercear a autonomia dos entes subnacionais, um dos pilares da fundação do país. "Biden e [Kamala] Harris fizeram campanha falando em resolver a desigualdade, especialmente racial. Mas vimos que o dinheiro que deveria ir para fazendeiros negros não chegou a eles. E questões sobre a reforma da polícia não chegaram ao Senado", avalia Rashwan Ray, professor de sociologia da Universidade de Maryland e associado do Instituto Brookings. "Essas expectativas frustradas devem preocupar os democratas nas próximas eleições."

Nesta quarta, ao reconhecer suas frustrações, o presidente negou ter prometido mais do que podia cumprir. Em 2022, ele terá como grande desafio interno o pleito legislativo de meio de mandato, em novembro, quando seu partido poderá perder as estreitas maiorias que possui no Congresso —o que levaria a uma reta final de mandato com pouco poder de ação.

Biden diz que quer sair mais da Casa Branca neste ano e se envolver na campanha. O resultado da eleição pode definir com que cara ele entrará no Salão Oval em 20 de janeiro de 2023.

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