Descrição de chapéu Coronavírus

Boris Johnson se desculpa e admite festa durante confinamento em meio a pedidos de renúncia

Crise de imagem do premiê britânico, decorrente de uma série de escândalos, chega a ponto mais grave

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

BAURU (SP)

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, pediu "desculpas sinceras" nesta quarta-feira (12) ao admitir pela primeira vez que furou as regras de confinamento ao participar de uma festa em Downing Street, sua residência oficial, enquanto o país era exortado a se isolar para a contenção da pandemia.

O caso veio à tona quando os jornais britânicos The Guardian e The Independent fizeram uma investigação apontando que cerca de 20 funcionários do governo fizeram uma festa em maio de 2020.

No mês passado, uma foto do evento regado a queijo e vinho mostrava o premiê no jardim da residência oficial, o que contrariava sua versão inicial de que não havia ocorrido celebração alguma.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, durante caminhada em Downing Street, em Londres - Henry Nicholls - 12.jan.22/Reuters

Na segunda (10), a crise de imagem se agravou quando a rede ITV divulgou um email enviado pelo secretário particular do premiê convidando ao menos cem funcionários do governo para a ocasião.

"Após um período incrivelmente movimentado, seria bom aproveitar ao máximo o clima agradável e tomar, com distanciamento social, algumas bebidas, nos jardins do número 10 [referência ao endereço de Downing Street], nesta noite", afirmava a mensagem de Martin Reynolds. "Por favor, junte-se a nós a partir das 18h e traga sua bebida!"

À época, vigoravam restrições severas impostas pelo governo para tentar frear a disseminação do coronavírus. Elas incluíam o veto ao funcionamento de bares e restaurantes e proibiam reuniões de mais de duas pessoas residentes em casas diferentes.

Diante do Parlamento, nesta quarta Boris disse que a indignação que as revelações causaram é compreensível. "Entendo a raiva que eles sentem de mim, pelo governo que lidero, quando pensam que em Downing Street as regras não estão sendo seguidas adequadamente pelas pessoas que fazem as regras."

Na versão do premiê, ele pensou que o evento era uma reunião de trabalho, já que o jardim da residência oficial funciona, segundo ele, como uma extensão do escritório. Boris disse que lá permaneceu por 25 minutos para agradecer aos funcionários e, depois, voltou a seu gabinete.

"Olhando em retrospecto, eu deveria ter mandado todos de volta para dentro, encontrado outra forma de agradecê-los e reconhecido que, ainda que aquilo tecnicamente estivesse dentro das orientações [por ser um ambiente aberto], haveria milhões e milhões de pessoas que não veriam as coisas assim."

"Pessoas que sofreram terrivelmente", seguiu o premiê, "e foram proibidas de encontrar entes queridos, em ambientes internos ou externos; e a eles e a esta Casa eu ofereço minhas sinceras desculpas."

A admissão e o pedido de desculpas, no entanto, não acalmaram os ânimos dos parlamentares, que já vinham submetendo o premiê a um processo de fritura nos últimos meses. A fala de Boris provocou vaias e risadas no Parlamento, em especial dos legisladores da oposição.

"A festa acabou, primeiro-ministro", disse Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista, acrescentando que Boris é "um homem sem vergonha" e que o público o considera um mentiroso. Para ele, a questão pendente é se o premiê será deposto pelo Partido Conservador, pela opinião pública ou se agirá com decência e renunciará.

"Após meses escondendo a verdade, o espetáculo patético de um homem que ficou sem rumo. Sua defesa de que não percebeu que estava numa festa é tão ridícula que chega a ser ofensiva para a população."

Mesmo entre os parlamentares conservadores houve novas manifestações de descontentamento. Um deles disse em anonimato à agência de notícias Reuters que o navio está inclinando, mas ainda não afundou. O correligionário Christopher Chope descreveu a declaração de Boris como "o mais abjeto pedido de desculpas que já ouviu", e Roger Gale, outro colega de legenda, afirmou que, politicamente, o premiê é um "morto-vivo".

O primeiro-ministro já foi o astro do Partido Conservador. Ele costuma ser creditado como o principal responsável pela ampla vitória nas eleições de 2019 e porta-voz da campanha pelo brexit, o divórcio entre Reino Unido e União Europeia. Agora, é acusado de estar desperdiçando o capital político conquistado.

A série recente de escândalos começou quando veio à tona outra festa que teria sido realizada em Downing Street durante a época de Natal de 2020, quando celebrações presenciais estavam proibidas em razão de restrições sanitárias. O episódio levou à renúncia de uma assessora de Boris.

No mês passado, a derrota eleitoral do Partido Conservador em uma região que era seu reduto político há 200 anos também foi um símbolo da imagem em queda do premiê. Na mesma semana, o governo sofreu outra baixa: David Frost, ministro do brexit, renunciou alegando preocupação com os rumos da gestão.

Duas pesquisas de opinião pública divulgadas nesta terça apontam que mais da metade dos entrevistados defendem que o premiê deve deixar o cargo. Analistas consideram, porém, que a renúncia é improvável, em parte devido à habilidade de Boris de escapar de crises, mas também devido à ausência de um nome entre os conservadores que reúna apoio suficiente para formar maioria no Parlamento.


BORIS JOHNSON PODE SER DEPOSTO?

Sim, mas o processo é burocrático e demanda articulação política além dos bastidores. Para isso acontecer, ao menos 15% da bancada do Partido Conservador (55 dos 361 correligionários de Boris) no Parlamento precisa escrever cartas ao órgão conhecido como Comitê de 1922. Se houver esse quórum, é convocado o que o sistema parlamentarista chama de "voto de confiança".

COMO FUNCIONA O VOTO DE CONFIANÇA?

As cartas ao Comitê de 1922 são confidenciais, então a única pessoa que sabe informar quantos pedidos de voto de confiança foram enviados é o presidente do órgão, Graham Brady. É ele também quem decide a data da possível votação, em consulta com o líder do Partido Conservador.

Em 2018, quando a então primeira-ministra Theresa May enfrentou o processo, a votação foi realizada no dia em que o presidente do Comitê anunciou ter recebido cartas suficientes. Aberta a consulta, todos os parlamentares conservadores podem votar a favor ou contra Boris. Se o premiê vencer, permanece no cargo e não pode ser contestado novamente pelos próximos 12 meses. Se perder, é forçado a renunciar e impedido de concorrer na escolha do próximo líder.

Com AFP e Reuters

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.