Boris volta a pedir desculpas por festas, mas partido já pensa em nomes para substituí-lo

Ex-assessor acusa premiê de mentir ao Parlamento, e conservadores devem assinar moção de desconfiança em meio à crise de imagem

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BAURU (SP) e São Paulo

A novela sobre os escândalos envolvendo o primeiro-ministro do Reino Unido teve novos capítulos nesta terça (18), com declarações de ministros, ex-conselheiros e colegas do Partido Conservador defendendo o fim da era Boris Johnson. Enquanto o britânico luta para permanecer no cargo, correligionários já estudam quem pode ocupar a residência oficial em Downing Street.

Boris foi ao Parlamento na semana passada para pedir "desculpas sinceras" pela participação num evento de sua equipe que furou as regras de confinamento no país. Depois, dirigiu as mesmas palavras à rainha por festas no gabinete na véspera do funeral do príncipe Philip, quando o Reino Unido estava em luto.

Nesta terça, o premiê mais uma vez pediu perdão pelos acontecimentos que podem lhe custar o cargo. "Lamento profunda e amargamente o que aconteceu, e só posso renovar minhas desculpas à Sua Majestade e ao país", disse ele em entrevista a jornalistas.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em visita a hospital comunitário em Londres
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em visita a hospital comunitário em Londres - Ian Vogler/Pool/Reuters

Além do novo lamento, Boris aproveitou a oportunidade para tentar desmentir declarações de Dominic Cummings, que já foi seu principal conselheiro e deixou o cargo em novembro de 2020, em meio a uma série de disputas internas. Cummings publicou um texto em seu blog nesta segunda (17) no qual afirma que o premiê não apenas sabia da festa em Downing Street, para a qual os convidados foram instruídos a levar bebidas, como deu aval para o prosseguimento do evento. Ele também diz ter alertado o chefe da segurança do premiê, por email, que o evento quebrava as regras contra a Covid e não deveria acontecer.

A alegação contraria o que Boris disse ao Parlamento. Na versão dele, o encontro seria uma reunião de trabalho, já que o jardim da residência oficial funciona, segundo ele, como uma extensão do escritório. O premiê disse que lá permaneceu por 25 minutos para agradecer aos funcionários e voltou a seu gabinete.

Questionado por repórteres nesta terça sobre se de fato mentiu à população e ao Parlamento, Boris, como esperado, negou e repetiu sua versão da história. "Não. Ninguém me disse que o que estávamos fazendo era, como vocês dizem, contra as regras. Achei que estava participando de um evento de trabalho."

Os jornalistas perguntaram ainda se o conservador renunciaria ao cargo de premiê caso ficasse comprovado que mentiu. Ele tergiversou e se limitou a dizer que está esperando o fim de uma investigação interna que apura mais de 15 acusações de festas que teriam sido promovidas em discordância com as regras vigentes para o controle da pandemia.

Boris pode ter silenciado sobre uma eventual renúncia, mas ao menos dois de seus ministros falaram a respeito desse cenário. O titular da Justiça, Dominic Raab, tentou defender o chefe dizendo que acusar o premiê de mentir ao Parlamento é um absurdo. Mas à rádio BBC acrescentou: "Se ele estiver mentindo deliberadamente, da maneira que se descreve, se isso não for corrigido de imediato, normalmente, sob o código ministerial, seria uma questão de renúncia".

O ministro das Finanças, Rishi Sunak, cotado como possível sucessor, disse que acredita na versão do premiê. Questionado sobre uma hipótese em que fique comprovado que Boris mentiu, afirmou: "O código ministerial é claro sobre esses assuntos. Mas, como vocês sabem, Sue Gray está conduzindo uma investigação sobre essa situação. Acho que o certo é permitirmos que ela conclua esse trabalho".

Gray é a segunda-secretária de gabinete e assumiu a condução do inquérito depois que Simon Case, a quem a responsabilidade fora atribuída, deixou o cargo quando a imprensa apontou que um dos eventos irregulares teria acontecido em seu escritório. A conclusão do inquérito deve ser o incentivo final para parlamentares questionarem a liderança do primeiro-ministro, na avaliação de membros do próprio partido de Boris, que já discutem abertamente quem pode substituí-lo. Há dúvidas, porém, sobre o nome capaz de ocupar o cargo. Entre os principais nomes discutidos pelos conservadores estão, além de Sunak, ministro das Finanças, Liz Truss, secretária das Relações Exteriores do país.

Cofundador de uma corretora de investimentos, Sunak entrou para o governo em 2018, como sub-secretário parlamentar para Habitação, Comunidades e Governo Local. Antes de ocupar o cargo atual, foi secretário-chefe do Tesouro. Truss, formada em filosofia, política e economia pela Universidade de Oxford, foi eleita pelo Partido Conservador para o Parlamento em 2010. Em 2019, recebeu o cargo de ministra para Mulheres e Igualdades, assumindo sua posição atual em setembro do ano passado.

A avaliação dos correligionários é que os ventos mudaram de forma dramática e que mesmo lideranças antigas do partido têm dúvidas de que ele vai superar essa crise. "A imagem do primeiro-ministro e do partido está gravemente danificada aos olhos do eleitorado. A ver se é possível se recuperar dessa situação", escreveu Charles Walker, tradicional líder dos conservadores.

Os parlamentares não querem, afinal, perder apoio da população. Pesquisa do jornal The Independent aponta que 65% dos eleitores afirmam não acreditar na desculpa do primeiro-ministro de que a festa em Downing Street era um "evento de trabalho" —o número se mantém alto mesmo quando o levantamento considera apenas os eleitores conservadores, com 54%.

Até agora, sete membros da legenda já afirmaram em público que enviaram cartas expressando falta de confiança na liderança de Boris. Ele enfrenta rejeição principalmente entre jovens conservadores eleitos em 2019, e ao menos 20 parlamentares desse grupo devem aderir às manifestações, segundo noticiou o jornal Daily Telegraph. São necessárias 54 cartas do tipo para iniciar um processo de deposição.

Os nomes hoje aventados como sucessores de Boris Johnson, no Reino Unido: a secretária de Relações Exteriores Liz Truss e o ministro das Finanças Rishi Sunak - Olivier Douliery e Tolga Akmen/Reuters

A oposição, claro, tem se aproveitado da situação. Angela Rayner, do Partido Trabalhista, afirmou que, se Boris "tivesse algum respeito pela população britânica, faria a coisa decente a se fazer e renunciaria". "Ele é o premiê, ele faz as regras, ele não precisa que ninguém lhe diga que a festa quebrou regras."

Em meio à fritura, a imprensa local diz que Boris deve se reunir com seus ministros para estudar o relaxamento de medidas de contenção da pandemia impostas em novembro —no chamado "Plano B". Ele também pode falar ao Parlamento nesta quarta (19). O governo planeja autorizar a volta do trabalho presencial e, de forma gradual, deixar de apresentar o passaporte vacinal para entrar em certos lugares.

A tentativa de gerar uma novidade política para aliviar críticas da população, porém, se daria em meio a uma alta nas mortes por Covid, ligada ao avanço da variante ômicron. Nesta terça, o Reino Unido registrou o maior número de óbitos em um dia em quase um ano —438.


BORIS JOHNSON PODE SER DEPOSTO?

Sim, mas o processo é burocrático e demanda articulação política além dos bastidores. Para isso acontecer, ao menos 15% da bancada do Partido Conservador (54 dos 361 correligionários de Boris) no Parlamento precisa escrever cartas ao órgão conhecido como Comitê de 1922. Se houver esse quórum, é convocado o que o sistema parlamentarista chama de "voto de confiança".

COMO FUNCIONA O VOTO DE CONFIANÇA?

As cartas ao Comitê de 1922 são confidenciais, então a única pessoa que sabe informar quantos pedidos de voto de confiança foram enviados é o presidente do órgão, Graham Brady. É ele também quem decide a data da possível votação, em consulta com o líder do Partido Conservador.

Em 2018, quando a então primeira-ministra Theresa May enfrentou o processo, a votação foi realizada no dia em que o presidente do Comitê anunciou ter recebido cartas suficientes. Aberta a consulta, todos os parlamentares conservadores podem votar a favor ou contra Boris. Se o premiê vencer, permanece no cargo e não pode ser contestado novamente pelos próximos 12 meses. Se perder, é forçado a renunciar e impedido de concorrer na escolha do próximo líder.

Com Reuters

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