Brasileiro condenado por invadir Capitólio quer reconstruir EUA com religião

Eliel Rosa vive no Texas e recebeu pena de 12 meses de condicional; filho de brasileiros ainda não foi julgado

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Washington

Eliel Rosa costumava defender que os EUA estavam em perigo e que só uma volta aos valores tradicionais evitaria uma decadência capaz de transformar o país num lugar "condenado à destruição", como seu Brasil natal.

O religioso foi uma das pessoas presas por invadir o Capitólio há um ano, em 6 de janeiro de 2021. Desde o ataque à democracia perpetrado por apoiadores do então presidente Donald Trump, o governo americano já identificou e puniu mais de 700 pessoas.

Rosa declarou à Justiça dos EUA que nasceu em uma cidade pequena do Brasil, não nomeada, filho de um pastor evangélico. Nos anos 2000, ele se mudou para Curitiba e foi trabalhar para a prefeitura. Na década seguinte emigrou, alegando ser alvo de perseguição política, e obteve asilo em 2018.

Homem de terno ergue as mãos em oração
Eliel Rosa, brasileiro condenado por invadir o Capitólio, em imagem publicada em 2018 - Nehemiah220 no Facebook

Dois anos antes, Rosa e a família haviam se instalado em Midland, cidade de 140 mil moradores no oeste do Texas, onde tinha amigos pastores de uma pequena igreja. Lá, fundou o ministério Nehemiah220, que diz ter como missão "motivar e facilitar a reconstrução da identidade judaico-cristã americana".

No vídeo que anuncia a criação do projeto, em 2017, o brasileiro faz um alerta de que os EUA estão em risco e "podem se destruir ao perderem sua origem e não acordarem". Ele diz que nomes como o ex-presidente Barack Obama, a ex-candidata à Presidência Hillary Clinton, ambos do Partido Democrata, o cineasta Michael Moore e o linguista Noam Chomsky "não são a história verdadeira da América".

Também critica o Brasil. "Conheço um país muito bem. Um país sem os valores da América. País bonito, com pessoas bonitas. Mas uma nação nascida na vergonha e condenada à destruição", diz, em inglês.

O projeto Nehemiah220 inclui uma "escola de governo", que busca relacionar ensinamentos cristãos à gestão pública. A aula inaugural, em 2018, teve como tema "o cidadão cristão e os fundamentos bíblicos do governo civil". Em fevereiro de 2018, o próprio Rosa deu uma aula, em uma igreja próxima, com o tema "um olhar sobre o problema da imigração pelo caminho de Deus".

Em outubro de 2020, um debate sobre "colonização comunista na pós-modernidade" ocorreu em um jardim com cartazes da campanha de Trump à reeleição. Pouco depois, a página da Nehemiah220 postou um desenho segundo o qual apoiar o islã significaria favorecer a própria extinção.

Rosa disse às autoridades que foi a Washington em 6 de janeiro, junto com a amiga Jenny Cudd, para ver o comício de Trump. O republicano convocou um ato para reafirmar alegações —falsa e que nunca foram comprovadas— de que houve fraude no pleito de 2020. No discurso, estimulou seus apoiadores "a lutar".

Segundo a defesa do brasileiro, ao fim do discurso ele decidiu voltar ao hotel para comer algo e depois se juntou à multidão que ia em direção ao Congresso. Ao chegar lá, ele e Cudd disseram que encontraram uma porta aberta e entraram no prédio, às 14h35. Ouviram o que pareceu um tiro, afastaram-se para que equipes de socorro atendessem o ocorrido e deixaram o local após receber ordem para tal, às 14h43.

Rosa se apresentou ao FBI poucos dias após a invasão, ao saber que participantes da invasão estavam sendo procurados. Ele foi preso e passou a ser atendido por defensores públicos. No processo, disse estar arrependido, mas pronto para encarar as consequências.

"Fui contra um dos princípios fundadores da América: não ceder às paixões originadas nas partes mais baixas da natureza humana. Já expressei minha profunda vergonha a todos os nossos amigos e apoiadores. Estou perto de perder minha família por causa disso, mas não posso mudar as coisas", disse.

"Só o que posso fazer é dar minha palavra de que, se eu for autorizado a ficar neste país e realizar meu sonho americano, nunca mais cometerei uma estupidez assim de novo. Eu amo essa nação. A América é onde quero que meu corpo descanse quando minha hora chegar." Além de gerar uma crise no casamento, a prisão fez com que amigos se afastassem da família e apoiadores deixassem de doar para o projeto religioso dele. Contatado pela Folha por email, Rosa não quis dar entrevista.

Ele e a amiga foram indiciados por obstruir procedimento oficial, entrar e permanecer em prédio restrito, conduta desordeira em prédio restrito, conduta desordeira em um prédio do Congresso e piquete dentro do Capitólio. Rosa se declarou culpado da última acusação, cuja pena máxima é de seis meses de prisão.

Ele acabou condenado a 12 meses de pena condicional: precisa seguir uma série de regras, mas não fica detido em uma penitenciária. A punição foi considerada mais branda do que a de muitos outros invasores —o fato de ele ter se entregado e admitido a culpa contaram pontos.

A promotora do caso, Amanda Fretto, reconheceu o arrependimento do réu, mas ressaltou haver sinais claros de que Rosa entrou de forma violenta no Congresso, já que ele viu as cenas de caos ao redor e decidiu continuar mesmo assim, de acordo com relato do site Law and Crime.

No julgamento, o brasileiro buscou mostrar erudição e citou James Madison, um dos pais fundadores dos EUA: "Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário. Definitivamente não sou um anjo".

Outro invasor de origem brasileira, Samuel Camargo, também foi preso e indiciado por participar da invasão. O caso ainda não foi julgado, e ele aguarda a sentença em liberdade. Camargo, que alegou ser inocente, nasceu em Boston, filho de brasileiros, e morava em Fort Myers, na Flórida, quando foi detido.

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