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China apoia ação de Putin no Cazaquistão e quer união contra o Ocidente

Pequim elogia aliança militar russa e sugere ação conjunta contra revoltas e separatismo

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São Paulo

Em mais um sinal de aproximação com a Rússia contra o Ocidente, a China expressou apoio à ação de Vladimir Putin para ajudar a controlar a crise no Cazaquistão e sugeriu que ambas as potências devem trabalhar juntas contra "revoluções coloridas e os três males".

A expressão foi usada pelo chanceler Wang Yi em telefonema a seu colega russo, Serguei Lavrov, e une os dois terrores geopolíticos de Moscou e Pequim numa só frase.

"Revolução colorida" é o termo para revoltas em países da antiga União Soviética contra governos aliados do Kremlin, tendo ocorrido em locais como a Ucrânia e a Geórgia, com sucessos iniciais tornados fracassos até pela reação russa, que as trata como golpes apoiados pelo Ocidente.

Soldado belarusso da aliança OTSC em posição no aeroporto de Almati, maior cidade do Cazaquistão
Soldado belarusso da aliança OTSC, liderada pela Rússia, em posição no aeroporto de Almati, maior cidade do Cazaquistão - Ministério da Defesa da Rússia/AFP

Já os "três males" são a definição chinesa para o trio terrorismo, separatismo e extremismo religioso. A partir de 2017, o termo passou a ocupar o noticiário oficial chinês para se referir às turbulências na região muçulmana de Xinjiang.

Wang elogiou o "papel positivo da OTSC [Organização do Tratado de Segurança Coletiva, aliança militar liderada pela Rússia] para restaurar a estabilidade no Cazaquistão". Na véspera, Putin havia dito aos colegas do clube que um novo padrão de intervenção estava estabelecido.

Cabe lembrar que a China tem laços econômicos fortes com os cazaques, e que seu equilíbrio interno interessa a Pequim não menos porque o país faz fronteira com Xinjiang.

Na semana passada, protestos contra o aumento de preço de combustíveis evoluíram em poucos dias para uma revolta em diversas cidades, que chacoalhou aquela que era uma das ilhas de estabilidade na Ásia Central pós-soviética.

O autocrata que governa o país, Kasim-Jomart Tokaiev, depois de hesitação inicial, baixou uma repressão dura, que deixou 164 mortos e 8.000 presos. Houve queima de prédios públicos, tomada de aeroporto, tiroteios, como num golpe clássico —que foi o que ele disse ter havido, com apoio estrangeiro.

Ato contínuo, o cazaque pediu a Putin as tropas da OTSC, um ente zumbi formado nos escombros da dissolução da União Soviética, que nunca havia operado na prática. Em dois dias, o Kremlin desembarcou talvez 3.000 soldados russos, armênios, belarussos e outros no vizinho.

Eles foram postados para garantir os ativos do país, como campos de petróleo e minas de urânio. No fim de semana, os EUA protestaram, questionando o motivo de as tropas estarem por lá. Nesta terça (11), a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, respondeu. Afirmou que os americanos não estão felizes pelo sucesso percebido na missão liderada pelos russos.

O que ela não disse é que isso ocorreu justamente quando Putin se envolve em negociações tensas com o Ocidente acerca do status das áreas separatistas da Ucrânia. O russo chegou a elas numa posição estratégica mais forte, agora secundado pela China, que já o havia apoiado na disputa ucraniana.

As tropas da OTSC deverão começar a deixar o Cazaquistão em dois dias, disse nesta terça Tokaiev. O processo de retirada deve durar dez dias, e até setembro o presidente promete apresentar um pacote de reformas políticas e econômicas, a resposta de manual para aplacar as insatisfações genuínas na origem da crise.

Desde que passou a ser alvo de Washington na Guerra Fria 2.0, em 2017, a China tem se aproximado da Rússia. A pandemia acelerou ainda mais o processo, com ambos os países cumprindo o papel de defensores do multilateralismo ante as ações ocidentais e Pequim falando abertamente em defesa conjunta contra os rivais.

É autodefesa contra sanções como as que a Rússia sofre por ter anexado a Crimeia em 2014 e expansões militares como a operada pelos EUA no Indo-Pacífico, por sua vez uma reação à assertividade crescente do regime sob Xi Jinping.

Que tal papel caiba a uma ditadura (China) e a um estado crescentemente autocrático (Rússia) é das ironias do século 21. Ao encontrar um denominador comum, o Ocidente hostil, é de se especular o quão mais próximos os países ficarão.

Wang, por exemplo, defendeu que os parâmetros contra interferência estrangeira deveriam ser ampliados no escopo da Organização de Cooperação de Xangai, um clube de oito membros que já inclui China e Rússia.

Ele não é só militar, como a OTSC ou a Otan (aliança ocidental), tendo mais um caráter econômico —até porque inclui países como a Índia, hoje uma adversária dos chineses mais alinhada aos EUA, apesar de ter fortes laços de defesa com Moscou.

Em outra sinalização, o líder Xi ligou na segunda (10) para o ditador Aleksandr Lukachenko, protegido de Putin na Belarus. Ele disse apoiar o incremento nas relações com o país, que serve como um tampão estratégico para a Rússia ante a Europa, papel que Putin quer ver consolidado na Ucrânia.

Xi falou especificamente em evitar interferência estrangeira na Belarus, música para os ouvidos de Lukachenko, envolvido numa crise na qual países da União Europeia o acusaram de usar migrantes ilegais para pressionar fronteiras na Polônia e Lituânia.

Há limites para esse jogo conjunto de Pequim e Moscou. Historicamente, os países são adversários geopolíticos no Extremo Oriente russo, área desabitada que Putin sempre quis defender da influência chinesa.

Além disso, na diplomacia russa há a percepção de que os interesses de longo prazo de ambos são díspares, dado o tamanho econômico da China ante à raquítica economia russa. Na área militar, contudo, a integração entre ambos tem tido avanços consideráveis nos dois últimos anos, gerando temores no Ocidente sobre o grau de apoio que ambos podem angariar em caso de uma crise global.

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