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Como a geração Z da Alemanha vê o nazismo e o Holocausto

Apesar do distanciamento histórico, jovens discutem o período e traçam paralelos com temas como racismo e populismo

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Rayna Breuer
DW

"A época nazista foi tão absurda e cruel que às vezes tenho dificuldade de realmente acreditar que essas coisas aconteceram", comenta uma participante de um novo estudo sobre a visão que a juventude atual tem sobre esse período da história alemã e europeia.

Trata-se de um projeto dos Arolsen Archives, o maior arquivo do mundo sobre vítimas e sobreviventes do nacional-socialismo. Ele preserva e disponibiliza online documentos originais sobre prisioneiros de campos de concentração, deportações, trabalhos forçados e depoimentos de sobreviventes.

Pessoas em frente ao prédio do Parlamento alemão, onde mensagem com a frase 'we remember' (nós lembramos) é projetada dias antes do Dia Internacional da Lembrança do Holocausto - Hannibal Hanschke - 24.jan.2022/Reuters

O acervo com dados relativos a cerca de 17,5 milhões de indivíduos está incluído no Registro da Memória do Mundo da Unesco. Agora, a instituição publicou uma pesquisa sobre a postura da assim chamada "geração Z" da Alemanha –ou seja, entre 16 e 25 anos de idade– em relação ao nacional-socialismo.

A diretora dos Arolsen Archives, Floriane Azoulay, diz perceber entre os jovens "uma grande abertura, curiosidade e liberdade de pensamento": "Hoje, essa geração vê que democracias podem correr perigo. Parece-me bem compreensível que, para eles, essa lembrança esteja relacionada à visão de seu próprio mundo, em que se escutam, cada vez mais alto, vozes populistas, autoritárias e intolerantes".

Choque com uma realidade contrastante

Em duas fases, mais de 1.100 jovens de ambos os sexos foram consultados para o estudo, e suas declarações, comparadas com as da geração anterior. O resultado foi surpreendente: a geração Z parece se interessar bem mais pelo nazismo do que seus pais (75% contra 66%) e associa o envolvimento na temática também com problemas atuais, como racismo e discriminação.

Para os responsáveis pelo estudo, haveria diversos motivos para esse interesse reforçado, sendo um dos mais importantes a sensação de não ser corresponsável, de não arcar com qualquer culpa pessoal pelo período nazista. "Isso permite um acesso mais despreocupado a esse tempo", comenta o psicólogo Stephan Grünewald, fundador do Instituto Rheingold, encarregado da realização do estudo.

Para a geração Z, o nazismo representa um contraste extremo da própria realidade. Seus representantes vivem num mundo democrático, em que as possibilidades de escolha são numerosas; eles têm liberdade para tomar suas decisões e os caminhos de autorrealização são múltiplos.

"Essa cultura multiopcional da disponibilidade é o contrário da cultura de dominância da era nazista, com suas categorias, concepções e convicções bem definidas. O culto ao Führer, o dever de obediência incondicional e pensamento populista, diante do qual o individual e o diverso tinham que se curvar, transformam a época nazista numa contraimagem tão fascinante quanto apavorante", explica o estudo.

O poder sedutor do totalitarismo

No entanto, o poder dessa fascinação tem um outro lado, ressalta Grünewald. É nítido no estudo o temor de se deixar inebriar pela linearidade e pela potência expansiva do nazismo, ou de ser seduzido pelas fantasias daquele tempo. "Tenho realmente medo de pensar que, na época, eu também ficaria do lado dos nazistas, só para para me dar melhor", revela uma das consultadas.

"Assim, há uma certa reserva em se envolver com o tema, advinda de não se saber de que lado a pessoa teria ficado. É um olhar para dentro do próprio abismo." Será que eu seria vítima, perpetrador, colaborador ou até combatente da resistência, como eu teria reagido? São perguntas que aparentemente ocupam intensamente a geração Z alemã.

Por outro lado, os participantes expressaram a necessidade de entender como um ser humano pode agir de modo tão desumano, como os perpetradores funcionavam, como se estabelece a banalidade do mal e se uma coisa dessas poderia voltar a acontecer.

"Eu também quero ver as motivações dos oficiais da SS, dos diretores de campos de concentração ou dos que traíram seus vizinhos judeus. Se os motivos forem transparentes, eu certamente constataria que algo assim também pode acontecer comigo", admite uma participante. "Os inícios do nacional-socialismo mostram como mudanças podem se insinuar, quão perigosas são as manipulações", observa outra.

Embalagem atraente para uma temática difícil

A receptividade a ideologias de direita, as fake news, a cisão da sociedade, a ascensão de teorias de conspiração, todos esses são temas atuais que os habitantes da Alemanha entre 16 e 25 anos associam a um exame da era nazista. "O ponto crucial é conectar a história aos desdobramentos de hoje em dia. Contextualizar é a grande tarefa a que devemos nos dispor", explica Oliver Figge, dos Arolsen Archives.

Os resultados do estudo indicam inequivocamente: se a transmissão na escola alemã se concentra demais no conhecimento factual, em geral os jovens não encontram uma conexão com a temática, a qual lhes parece demasiado abstrata, complexa e distante.

O que os aproxima muito mais do assunto é um exame de destinos e histórias pessoais, como as de Anne Frank ou de Oskar Schindler, em plataformas que a juventude utiliza e que seja elaborado dentro da linguagem e identidade de grupo a que estão habituados.

Como exemplo positivo, os coordenadores do estudo citam a conta do Instagram @ichbinsophiescholl (eu sou Sophie Scholl), em que é narrada a vida da ativista executada aos 21 anos. "Eles observam como Sophie Scholl dança, escuta música, encontra-se com os amigos, e ao mesmo tempo compreendem a evolução dessa jovem naquele tempo", relata Stephan Grünewald.

Analisar o passado para definir o futuro

Portanto, a apresentação dos conteúdos relacionados ao tema é extremamente importante para levá-lo até a juventude. Os consultados pelo arquivo reivindicaram decididamente uma discussão mais aberta.

"Nas aulas sobre o nazismo, sempre tive a sensação: 'Cuidado! Não vai haver espaço para nenhuma conversa nem discussão. Não é para ninguém ter opinião própria. Existe um consenso sobre como se deve pensar e aprender'", queixa-se um dos participantes.

"Muitas vezes, opiniões pré-determinadas e uma moral decretada transmitem a impressão de um discurso fechado, que não pode mais ser questionado", analisam os autores do estudo.

A conclusão é clara: a geração Z da Alemanha está sensibilizada para a temática do nacional-socialismo e do Holocausto. Mais ainda: ela tira lições do passado e procura aplicá-las na realidade presente. "Ocupar-se com o tempo imuniza", resume o psicólogo Stephan Grünewald. Ou, como formulou ainda outra participante do estudo: "Não posso responder por aquela época, mas tenho muito a ver com hoje".

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