Denúncias de abuso sexual abalam comunidade judaica ultraortodoxa de Israel

Ícones religiosos e culturais haredim foram acusados de violentar mulheres e crianças; número de relatos cresce

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jerusalém | AFP

Casos de abuso sexual envolvendo lideranças da comunidade judaica ultraortodoxa de Israel começaram a soar um alerta e a provocar duras críticas em meio a uma sociedade profundamente devota.

A frase "lo tishtok", que em hebraico significa "não se cale", ganhou força entre os ultraortodoxos, conhecidos em Israel como "haredim", levando-os a encarar denúncias de crimes, entre os quais o de abuso sexual de menores, contra várias referências religiosas e culturais.

Membro da comunidade judaica ortodoxa acende velas durante o último dia do Hanukkah, em Jerusalém - Ammar Awad - 5.dez.2021/Reuters

O escritor e rabino Chaim Walder, autor de livros infantis e conhecido por ter revolucionado a literatura ultraortodoxa para crianças, foi encontrado morto em dezembro, após o jornal israelense Haaretz publicar denúncias de crimes sexuais, inclusive contra menores. Suspeita-se que Walder tenha se suicidado.

O Haaretz também divulgou, meses antes, denúncias de que Yehuda Meshi-Zahav, 62, fundador da organização humanitária Zaka e ganhador do Prêmio Israel —maior distinção pública do país—, abusou sexualmente de crianças e de mulheres. O ativista social negou as acusações e tentou se suicidar em abril, antes de uma nova denúncia, desta vez por meio do canal televisivo N12, vir à tona.

À agência de notícias AFP um porta-voz da polícia de Israel afirmou que há uma investigação aberta sobre as denúncias contra Zahav, mas não deu informações sobre a apuração que envolve Walder.

Avigayil Heilbronn, 33, fundadora da ONG Lo Tishtok, que presta apoio às vítimas de abuso sexual cometidos por ultraortodoxos, diz que a comunidade está tensa. As denúncias contra o escritor de livros infantis, um ícone cultural, representaram um golpe e levaram os haredim a questionarem se podem, de fato, confiar em alguém, afirma a ativista, que se define como uma ortodoxa moderna.

A comunidade ultraortodoxa representa cerca de 12% dos 9,3 milhões de habitantes de Israel. Os haredim não são um grupo homogêneo, assim como os demais judeus, mas dizem viver em rígida concordância com a lei judaica. O caso mais recente envolvendo violência sexual foi tornado público neste mês, quando o jornal Yediot Ahronot publicou que um radical ultraortodoxo abusou de três mulheres.

Adiel Bar Shaul, 43, um ultraortodoxo que vive na cidade de Bnei Brak, perto de Tel Aviv, também compartilhou com a agência AFP que foi abusado na infância. Ele disse ter sofrido abuso diversas vezes quando tinha 10 anos de idade por um amigo da família.

O primeiro caso ocorreu quando a família de Shaul recebeu o agressor para o shabat, dia sagrado para os praticantes do judaísmo. "Ele começou me dando adesivos e, logo depois, em troca, colocava minha mão em sua calça. Eu era uma criança, não entendia. Estava sozinho, extremamente envergonhado e me sentia culpado", disse Shaul, que guardava o assunto em segredo e hoje trabalha com vítimas de abuso.

Josiane Paris, voluntária do Centro de Crise Tahel, em Jerusalém, que presta apoio a crianças e mulheres em comunidades judaicas, disse que as vítimas geralmente não denunciam a violência. "Têm medo do que os conhecidos da vizinhança ou da sinagoga dirão", afirma a ativista.

Quando o centro abriu um canal de denúncias, há 30 anos, para ajudar vítimas de violência doméstica e de abuso sexual, as ligações não eram muito frequentes. Hoje em dia, passam de 500 por mês, conta Paris.

Para Yair Ettinger, especialista em comunidade ultraortodoxa do Instituto de Democracia de Israel e jornalista da rede pública Kan, os rabinos permanecem negando o assunto. "Os haredim são parte de uma sociedade idealista que reluta em se olhar no espelho", afirma. "Mas agora, especialmente depois que várias celebridades desse grupo caíram em desgraça, há maior atenção real ao problema."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.