EUA atuam para que Bolsonaro cancele viagem à Rússia por crise na Ucrânia

Presidente pretende manter agenda em Moscou, mas Brasil vota com americanos no Conselho de Segurança na ONU

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Brasília

Os Estados Unidos têm pressionado o governo de Jair Bolsonaro (PL) a cancelar a viagem do presidente brasileiro a Moscou, programada para ocorrer em meados de fevereiro, em mais uma ação para tentar isolar o líder russo, Vladimir Putin, em meio à escalada de tensões na fronteira com a Ucrânia.

Diplomatas americanos expressaram preocupação com o timing da visita. Na avaliação da Casa Branca, a recepção de Bolsonaro por Putin passaria a mensagem de que o Brasil apoia as ações do Kremlin no Leste Europeu, dando legitimidade a algo que os EUA consideram uma violação do direito internacional.

O presidente Jair Bolsonaro recebe o líder da Rússia, Vladimir Putin, no Palácio do Itamaraty, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro recebe o líder da Rússia, Vladimir Putin, no Palácio do Itamaraty, em Brasília - Pedro Ladeira - 14.nov.19/Folhapress

Para o governo de Joe Biden, o cancelamento seria mais uma forma de mostrar a Putin que ele enfrentará isolamento diplomático caso não reduza a presença militar nas fronteiras ucranianas. O mesmo recado foi transmitido à Argentina, cujo presidente, Alberto Fernández, visita a Rússia nesta semana.

A crise foi desencadeada depois de o Kremlin mobilizar de 100 mil a 175 mil soldados em zonas próximas às fronteiras com a Ucrânia. Os EUA e aliados da Otan, a aliança militar ocidental, acusam Putin de preparar uma invasão do país vizinho, como fez em 2014, quando anexou a Crimeia.

Moscou, por sua vez, rejeita a expansão da Otan sobre territórios próximos à Rússia e quer a garantia de que a Ucrânia jamais fará parte do grupo. Putin nega qualquer intenção de promover uma invasão militar.

Segundo interlocutores, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, durante telefonema neste domingo (30) ao chanceler Carlos França, levantou novamente preocupações de que a viagem de Bolsonaro à Rússia seja interpretada como sinal de que o Brasil está tomando um lado no conflito.

Embora nas conversas não exista um pedido explícito de cancelamento da agenda, os argumentos americanos deixam claro que Washington atua para que a viagem não vá adiante e seja ao menos adiada.

Ainda de acordo com pessoas que acompanham o tema, o Itamaraty tem destacado aos interlocutores americanos que a passagem por Moscou não representará um respaldo de Bolsonaro a qualquer um dos lados. Afirmam ainda que as reuniões do presidente serão centradas na extensa pauta das relações bilaterais do Brasil com a Rússia —um parceiro do Brics (bloco também formado por Índia, China e África do Sul)—, que nada têm a ver com a situação geopolítica no leste da Europa.

Diplomatas brasileiros dizem que, até agora, não há qualquer disposição em cancelar a ida a Moscou.

Nesta segunda-feira (31), em entrevista à TV Record, Bolsonaro adotou o discurso da chancelaria e afirmou que não pretende tratar da crise ucraniana com Putin. "A gente espera que tudo se resolva no maior clima de tranquilidade e harmonia, o Brasil é um país pacífico. Obviamente, se esse assunto [crise na Ucrânia] vier à pauta, será por parte do presidente Putin. Não da nossa parte", disse o líder brasileiro.

O convite a Bolsonaro para ir a Moscou e o recém-iniciado mandato do Brasil no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) colocaram o Itamaraty no radar de Washington no esforço para isolar Putin. Blinken, por exemplo, tratou do tema com França em telefonema anterior, em 10 de janeiro.

Além de manifestar receio em relação à viagem, o responsável pela diplomacia americana pediu na conversa deste domingo que o Brasil se aliasse aos EUA nas Nações Unidas e votasse pela realização, nesta segunda, de uma reunião no órgão sobre paz e segurança na Ucrânia. A Rússia, com o apoio da China, foi contra o encontro. No entanto, dez membros do colegiado (incluindo EUA, França, Reino Unido e Brasil) votaram a favor da convocação. Índia, Quênia e Gabão se abstiveram.

Como eram necessários ao menos nove votos para garantir a realização da reunião, os americanos conseguiram a convocação que desejavam.

Durante a sessão, o embaixador do Brasil junto à ONU, Ronaldo Costa Filho, fez um discurso em que tentou se equilibrar entre os dois lados da disputa, sem se alinhar com um ou outro. O país é contra intervenção em assuntos internos e ameaças de agressão contra uma nação, mas também se opõe a sanções unilaterais —como americanos e aliados sinalizam que podem adotar contra a Rússia.

"A proibição do uso da força e a resolução pacífica de disputas e o princípio de soberania e integridade territorial e a proteção de direitos humanos são pilares do nosso sistema coletivo de segurança. O Brasil também ressalta a necessidade de boa-fé com o objetivo de abordar as preocupações de segurança legítimas de todas as partes, inclusive as da Rússia e da Ucrânia", afirmou o diplomata brasileiro.

Procurada, a embaixada americana em Brasília afirmou que os EUA e diversos outros países estão preocupados "com o papel desestabilizador que a Rússia está desempenhando na região [Leste Europeu]". "EUA, Brasil e outras nações democráticas têm a responsabilidade de defender os princípios democráticos e proteger a ordem baseada em regras, além de reforçar essa mensagem à Rússia em toda oportunidade."

As tensões entre os dois países ficaram claras também em altercações nas falas dos seus representantes na ONU durante a votação no Conselho de Segurança. A embaixadora americana, Linda Thomas-Greenfield, classificou ameaças russas como provocativas. "Nosso reconhecimento dos fatos no local não é provocativo", defendeu. "A provocação é da Rússia, não de nós e de outros membros desse Conselho."

A diplomata acusou ainda Moscou de preparar uma ofensiva contra a Ucrânia por posicionar mais de 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia e a Belarus —para onde os russos pretendem deslocar mais 30 mil homens no início de fevereiro.

O embaixador russo, Vassili Nebenzia, por sua vez, respondeu que não há prova de que o país planeje uma ação militar contra Kiev. "Nossos colegas ocidentais estão falando sobre a necessidade de desescalada. No entanto, antes de tudo, eles mesmos estão provocando tensões", afirmou o diplomata.

Segundo ele, seu país não está com medo de discutir a questão ucraniana, mas não entende a razão para o encontro, já que Moscou nunca confirmou quantas tropas deslocou para a fronteira.

A China, que nega ter tentado interferir nas decisões geopolíticas e militares da Rússia, embora os dois países tenham fortalecido laços, defendeu a necessidade urgente "de uma diplomacia silenciosa, não de megafones", segundo definiu o embaixador Zhang Jun. Ao lado de Rússia, França, Reino Unido e EUA, o país tem poder de veto no Conselho.

Ainda nesta segunda, Washington confirmou ter recebido uma tréplica a mensagens que enviou por escrito, a pedido de Moscou, com as respostas às demandas de Vladimir Putin. Ao comentar o telegrama, um porta-voz do Departamento de Estado se limitou a dizer à agência Reuters que o país continua comprometido com o diálogo e que seria improdutivo negociar esse assunto em público.

Com Reuters

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