Descrição de chapéu Governo Biden

Stephen Breyer se aposentará da Suprema Corte dos EUA, e Biden fará sua 1ª indicação

Juiz integra a ala considerada mais progressista do tribunal, hoje em minoria

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Washington | Reuters

O juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Stephen Breyer, da ala mais progressista da corte, deve se aposentar em junho, ao fim do atual mandato de trabalhos do tribunal, oferecendo ao presidente Joe Biden a chance de cumprir uma promessa de campanha, a de nomear uma mulher negra para a posição.

A informação foi antecipada pelas redes NBC e CNN nesta quarta-feira (26).

Hoje com 83 anos, o mais velho da Suprema Corte, o magistrado foi indicado pelo democrata Bill Clinton, em 1994. Só Clarence Thomas, nomeado por George H. W. Bush três anos antes, tem mais tempo na corte.

O juiz da Suprema Corte dos EUA Stephen Breyer na cerimônia de posse do colega Neil Gorsuch, em 2017
O juiz da Suprema Corte dos EUA Stephen Breyer na cerimônia de posse do colega Neil Gorsuch, em 2017 - Joshua Roberts - 10.abr.17/Reuters

A saída de Breyer dá a Biden a possibilidade de fazer seu primeiro apontamento para a Suprema Corte. Qualquer que seja o escolhido, porém, a configuração de maioria conservadora do tribunal será mantida. Com as três nomeações feitas pelo ex-presidente Donald Trump, a mais alta instância da Justiça americana tem hoje 6 juízes dessa vertente e 3 que costumam adotar decisões mais progressistas.

Na campanha presidencial de 2020, Biden disse que gostaria de indicar uma mulher negra para o posto, um gesto inédito —a intenção foi ratificada nesta quarta pela secretária de imprensa da Casa Branca.

Entre os nomes especulados pela imprensa americana estão Ketanji Brown, que serviu como juíza auxiliar do próprio Breyer e hoje atua em uma corte de apelações, e Leondra Kruger, da Suprema Corte da Califórnia. Corre por fora a juíza federal pela Carolina do Sul Julianna Michelle Childs. Além de Thomas, só mais uma pessoa negra teve um assento na Suprema Corte dos EUA: Thurgood Marshall, de 1967 a 1991.

Na Suprema Corte, Breyer é considerado um progressista moderado e, em diversas ocasiões, foi o responsável por intermediar acordos entre as alas ideologicamente opostas do tribunal. Ele próprio reforçou que seu objetivo com isso era reforçar a democracia e fornecer princípios legais viáveis a uma nação extensa e diversa.

O magistrado costuma votar mais pela condenação de réus do que outros juízes da ala progressista, ainda que tenha se tornado cada vez mais hostil à pena de morte. No último mandato do tribunal, teve papel de destaque na defesa do Obamacare, programa de saúde criado durante o governo de Barack Obama.

Em agosto, em uma entrevista, Breyer disse estar pensando sobre a aposentadoria e lembrou que o colega Antonin Scalia, morto em 2016, dissera-lhe que não queria "alguém nomeado que vá reverter tudo o que ele fez nos últimos 25 anos". "Acho que não vou ficar lá [na Suprema Corte] até morrer."

O nomeado de Biden precisa ser aprovado pelo Senado antes de efetivamente tomar posse no tribunal. Hoje, o governo tem uma maioria frágil na Casa, com 50 parlamentares, além do voto de desempate da vice-presidente, Kamala Harris —são cem senadores ao todo. Essa configuração estimulou certas alas do Partido Democrata a tentar convencer Breyer a pedir aposentadoria, com a esperança de que a indicação de um novo magistrado progressista por Biden, ainda na primeira metade do seu mandato, tivesse a aprovação facilitada. Juízes da Suprema Corte dos EUA têm cargo vitalício.

Em novembro serão realizadas as eleições legislativas de meio de mandato, e Biden enfrenta um momento ruim em termos de popularidade, com problemas ligados à pandemia de coronavírus (a exemplo da alta de casos devido à variante ômicron e das taxas de vacinação empacadas) e à economia (a inflação está em seu nível mais alto em quase quatro décadas). Por isso, são esperadas dificuldades para os democratas no pleito, com a maioria ameaçada nas duas Casas do Congresso.

A indicação de Biden não mudará o viés da balança ideológica da corte, mas, se as bolsas de apostas estiverem certas, permitirá que a pessoa nomeada fique por muitos anos no tribunal. Brown tem 51 anos, Kruger, 45, e Childs, 55. A mesma estratégia foi utilizada por Trump —sua última indicada, a ultraconservadora Amy Coney Barrett, chegou à Suprema Corte com 48 anos.

A nomeação, a terceira do mandato do republicano, só foi possível devido à morte, aos 87 anos, de Ruth Bader Ginsburg, ícone progressista da Justiça americana. Assim como ocorreu com Breyer, ela chegou a ser pressionada para se aposentar entre 2013 e 2015, quando o Senado tinha maioria democrata.

A confirmação de Barrett deu-se apenas oito dias antes das eleições presidenciais de 2020, quando Trump foi derrotado por Biden. O trâmite à época foi alvo de questionamento, e membros do Partido Democrata tentaram impedi-lo por diversas vias. Eles trouxeram à tona a aparente hipocrisia dos republicanos, que se opuseram à nomeação do juiz Merrick Garland pelo então presidente Barack Obama em 2016, após a morte do conservador Scalia, a oito meses da eleição que escolheria o sucessor do democrata.

Na ocasião, correligionários de Trump alegavam que a nomeação não poderia ser feita próxima do pleito e que caberia ao novo presidente indicar algum magistrado para a vaga. Com a vitória republicana no caso Barrett, o tribunal passou a ter 6 juízes conservadores, ampliando a vantagem sobre os progressistas. Antes, Trump já havia indicado Neil Gorsuch, em 2017, e Brett Kavanaugh, em 2018.

Desde essa guinada, a mais alta instância judicial do país passou a impor obstáculos a temas caros aos progressistas. No ano passado, Biden tentou suspender leis estaduais que criam obstáculos para mulheres que queiram realizar abortos, mas a corte não aceitou os argumentos da administração federal.

A lei mais restritiva do país é a do Texas, onde desde setembro mulheres estão proibidas de recorrer ao procedimento a partir da sexta semana de gestação, quando muitas ainda nem descobriram a gravidez.

A legislação não cria exceções a gestações resultantes de estupro ou incesto, assim como no Mississippi, onde a prática é proibida após a 15ª semana de gravidez, exceto em emergências médicas ou má-formação do feto. No início de dezembro, a Suprema Corte indicou que julgará processos que contestam a constitucionalidade da legislação do Mississipi, mas quatro magistrados já indicaram que devem votar a favor da continuidade da lei. Na prática, se mais um juiz optar pela validação, outros estados poderão adotar regras do tipo, sem que sejam acionados judicialmente.

O aborto foi liberado nos EUA em 1973, a partir do caso conhecido como Roe vs. Wade, quando a corte entendeu que não caberia ao governo interferir na decisão da mulher de manter ou não uma gravidez.

Após 19 anos, o tribunal atualizou sua posição e passou a considerar o conceito de viabilidade fetal: as mulheres podem abortar sem restrições até o momento em que o feto fosse capaz de sobreviver fora do útero, o que tende a acontecer geralmente após 22 semanas —o período é contestado por conservadores.

Na última segunda-feira (24), o tribunal também aceitou discutir uma causa que propõe o fim de ações afirmativas baseadas na cor da pele para o ingresso em cursos de graduação das universidades Harvard e da Carolina do Norte. Caso a maioria conservadora concorde com os argumentos dos autores do processo, a decisão poderia ter um efeito cascata, com medidas sendo revogadas em outras instituições.

O caso deve entrar na pauta da Suprema Corte entre outubro deste ano e junho de 2023, quando o indicado de Biden provavelmente já terá sido confirmado pelo Senado.

Ainda em recentes veredictos que contrariam o governo Biden, o tribunal determinou em agosto a volta de uma política imigratória dos tempos de Trump, conhecida como Permaneça no México, que estabelece que imigrantes sem documentos —exceto mexicanos— que chegam aos EUA por terra devem ser mandados de volta enquanto esperam a tramitação de seus pedidos de asilo na Justiça americana.

Além disso, no último dia 13, a Suprema Corte impediu a Casa Branca de obrigar trabalhadores de grandes empresas a se vacinarem contra a Covid. Por outro lado, o tribunal manteve a obrigatoriedade da imunização para profissionais de saúde de locais que recebem verba federal.


QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE

Ala conservadora

Jonh Roberts, 66
Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada

Clarence Thomas, 73
Indicado por George Bush pai em 1991

Samuel Alito, 71
Indicado por George W. Bush em 2006

Neil Gorsuch, 54
Indicado por Donald Trump em 2017

Brett Kavanaugh, 56
Indicado por Trump em 2018

Amy Coney Barrett, 49
Indicada por Trump em 2020

Ala progressista

Stephen Breyer, 83
Indicado por Bill Clinton em 1994

Sonia Sotomayor, 67
Indicada por Barack Obama em 2009

Elena Kagan, 61
Indicada por Obama em 2010

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