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'Não moderamos Boric, exaltamos quem ele era no momento certo', diz marqueteiro

Para sociólogo que fez campanha de esquerdista no Chile, Kast perdeu por causa do voto feminino

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Buenos Aires

A estratégia para a vitória do esquerdista Gabriel Boric no Chile foi ter várias estratégias, "cada uma apropriada a um momento da campanha". Assim Sebastián Kraljevich, 41, conta à Folha sobre como sua equipe pensou a comunicação política do mandatário recém-eleito do país.

O sociólogo chileno, especialista em marketing político e radicado em Washington, já trabalhou para outros candidatos presidenciais de esquerda e centro-esquerda na América Latina, como os equatorianos Rafael Correa e Lenín Moreno, além da chilena Beatriz Sánchez, derrotada na corrida de 2017. Também atuou com candidatos regionais no México, no Peru e na Argentina.

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, durante discurso em encontro de empresários em Santiago - Javier Torres - 13.jan.22/AFP

Com Boric, já havia trabalhado em 2013, quando dirigiu sua campanha vitoriosa para deputado.

Em entrevista realizada por videoconferência, Kraljevich diz que não acredita em "vender imagens" de candidatos, mas sim em "ressaltar suas características positivas nos momentos certos".

Acompanhando a campanha eleitoral, parece que houve vários momentos de mudança na estratégia sobre como vender o candidato, em termos de marketing. Mais do que vender, costumo trabalhar sempre no reforço dos pontos importantes a cada momento. Nas características do candidato que são as essenciais de destacar em cada fase da eleição. Gabriel Boric é uma só pessoa. Portanto, a maneira como íamos ressaltando suas características era o jogo da campanha, jogo que tínhamos de vencer com as características próprias dele.

Não penso como um processo de venda, mas de observação de como a sociedade e os eleitores se comportam e vão reagindo. Não se pode transformar um candidato em uma pessoa que ele não é.

Sim, mas fala-se de um processo de "moderação" de seu discurso, do primeiro ao segundo turno, em busca dos eleitores de centro, que teve sucesso. O sr. não vê assim? Antes de começar a campanha, nas pesquisas de imagem que encomendamos, Boric era classificado como "amarelo", que em linguagem política chilena é como se define alguém que está entre o esquerdismo moderado e o direitismo mais moderno. Essa era sua imagem antes da eleição, embora isso pareça esquecido hoje.

É preciso lembrar, por exemplo, que na época dos protestos de 2019, quando ele defendeu a via do diálogo com o governo, foi chamado de traidor pelos ditos "extremos", que não o viam como suficientemente radical. Ou seja, quando começaram a repetir, dentro do Chile e mesmo entre a opinião pública internacional, que Boric era um "radical", um "chavista", nossa estratégia foi recuperar e reforçar como ele era visto antes da eleição e das campanhas de desinformação da oposição.

Boric é "dialoguista", é um esquerdista moderado, e era visto assim pelos chilenos desde sua atuação como deputado e defensor do movimento estudantil. O que acontece é que há muito ruído midiático nas campanhas e muita opinião simplificadora, especialmente nas redes, que se repetem e se consolidam sem que as pessoas tenham informação suficiente para processá-las. Não tivemos que moderar Boric, mas sim ressaltar como ele já era.

Mas no embate que ele teve com Sebastián Sichel [candidato governista], por exemplo, nos debates, vimos uma faceta mais radical, não? Não diria radical, mas mais agressiva. Aí entra o que eu dizia sobre as estratégias necessárias para cada momento da campanha. Se Sichel passasse ao segundo turno com Boric, o resultado poderia ser outro, negativo para nós. Portanto, em agosto, nosso foco foi colocar esforços em desinflar Sichel. Era preciso ser vocalmente crítico ao [atual presidente, Sebastián] Piñera, que o apoiava. Mas isso tampouco era diferente do que Boric já fazia ou de como pensava. Ele sempre foi muito crítico da gestão de Piñera, apenas aumentamos o volume das críticas.

A estratégia aí foi apontar as contradições de Sichel, jogar luz ao fato de ele ter retirado verba dos fundos de pensão quando seu partido votou contra isso. E ele acusou o recebimento das críticas. Acabou caindo 15 pontos percentuais [nas pesquisas] em apenas duas semanas. Era o momento de atuar para evitar um segundo turno entre Boric e Sichel, e foi o que fizemos. Mas usando recursos que são de Boric, jamais colocamos palavras em sua boca, algo que ele nem mesmo permitiria.

O cientista político e marqueteiro chileno Sebastián Kraljevich, responsável pela campanha de Gabriel Boric - Divulgação rádio ADN

Houve uma mudança provocada pela saída do jogo de Sichel e Yasna Provoste (da democracia cristã), derrotados no primeiro turno? Sim, a saída de ambos nos permitiu mostrar um Boric menos elitista —embora ele não seja de elite, em comparação com esses dois, era. Vem de uma família abastada de Punta Arenas, enquanto Provoste tinha ascendência indígena, uma professora de educação física nascida num povoado no norte. E Sichel cresceu numa comunidade hippie e foi abandonado pelo pai biológico. Contrapor essas biografias não dava vantagem a Boric no primeiro turno.

Mas no segundo turno, com a saída de ambos, ficamos mais livres para explorar o fato de que Boric tampouco era de uma elite clássica. Começando pelo fato de ser do sul de Chile: num país tão aristocrático na política, não ser de Santiago já afasta muito do poder. Acentuamos isso e buscamos que ele rodasse mais o país. Ocupávamos o espaço do discurso de Sichel e Provoste e, fora da campanha, estávamos buscando eleitores que se oporiam naturalmente à candidatura de [José Antonio] Kast.

Por isso é importante medir as percepções em todos os momentos da campanha. Uma vez que ambos saíram da disputa, ficamos livres para reforçar entre seus eleitores o nosso discurso, que era mais próximo deles do que o de Kast.

Que peso teve no resultado final ter ficado em segundo lugar no primeiro turno? Nos frustrou bastante, havia um otimismo muito grande. Mas, vendo agora, creio que não foi totalmente negativo. O fato de Kast ter aparecido em primeiro mostrou a muitos que a ameaça era real. A eleição deixou de ser abstrata para aqueles que não se importavam tanto em votar, mobilizou pessoas que talvez não fossem às urnas.

O segundo lugar no primeiro turno uniu a militância para afastar o perigo de uma Presidência Kast. O medo contou muito, e ele não teria surgido com essa intensidade se Boric tivesse ficado na frente no primeiro turno. A história poderia ter sido diferente. Digo isso agora, que já passou, mas receber a notícia foi um susto. Boric foi o mais positivo com relação a isso e tomou as rédeas da virada, e isso ficou claro, o que serviu para ganhar a confiança de muita gente que não o via como um possível líder.

O vínculo da família de Kast com o nazismo e sua defesa de Pinochet foram temas muito explorados pela imprensa internacional. No Chile, foram mesmo fatores que contaram para sua derrota? ​Em parte. Eram questões presentes, obviamente, mas Kast perdeu também por outros motivos. Ele acreditava que os eleitores de [Franco] Parisi [terceiro colocado, direitista liberal] iriam para ele apenas pelo fato de ambos terem um discurso anti-imigração. Os eleitores do norte, que fundamentalmente votaram em Parisi, são antiestablishment, contra o perfil de político conservador de Santiago, que era representado por Kast.

Mas mais importante que isso foi Boric ter mostrado que Kast era um candidato que não dialogava com gente que não pensava como ele. Boric foi muito bem nos debates quando expôs isso, e Kast não teve resposta. Também foi uma estratégia equivocada de Kast a de agarrar-se à direita de Piñera, porque esse eleitorado não os acompanhou.

E creio que, por fim, mas não menos importante, Kast minimizou a força do voto feminino contra ele. O feminismo cresceu muito no Chile, é uma bandeira que não tem volta atrás. Defender pautas não feministas, não se mostrar alinhado a essa agenda, não ter mulheres de peso em seu time, ser contra o Ministério da Mulher, foram um grande erro de Kast.


Raio-x | Sebastián Kraljevich Chadwick, 41

Nascido em Santiago, estudou sociologia na Universidad de Chile, com pós-graduações na Pontificia Universidade Católica de Chile e em política na Universidade Georgetown (EUA). Trabalhou para a Fenton Communications, empresa de comunicação política dos EUA.

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