Descrição de chapéu The New York Times

O que designers vêm fazendo em casa durante a pandemia

Profissionais, também sujeitos às limitações da crise sanitária, reformaram suas residências por conta própria

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Julie Lasky
The New York Times

Se uma pessoa qualquer se propusesse a raspar a parte interna de um galho de árvore, converter o galho numa luminária e pendurá-lo sobre uma mesa de jantar, pareceria um trabalho feito por um escoteiro.

Mas na casa de fim de semana de Constantin Boym, no vale do Hudson, no estado de Nova York, o galho está perfeito. A madeira não tem nós demais, e o efeito é tão natural que parece quase invisível.

Diretor do departamento de design industrial do Pratt Institute, em Nova York, e codiretor, com sua esposa, Laurene Leon Boyme, da firma de design Boym Partners, Boym é muito hábil em criar coisas e vem tendo muitas oportunidades para isso nos últimos tempos.

Isolado com sua família por 18 meses em sua cabana em Esopus, no estado de Nova York, ele passou o período de férias prolongadas exercendo seu ofício habitual. Projetou um segundo dormitório para seu filho de 24 anos, Rob, e um "mudroom" –um vestíbulo normalmente usado para deixar botas enlameadas e casacos, mas que no caso dele também teria espaço para uma geladeira e equipamentos de lavanderia.

Pavilhão projetado por Constantin Boym, presidente do departamento de design industrial do Pratt Institute, em local onde havia uma pilha de vidro e metal em sua propriedade no condado de Ulster County, no estado de Nova York
Pavilhão projetado por Constantin Boym, presidente do departamento de design industrial do Pratt Institute, em local onde havia uma pilha de vidro e metal em sua propriedade no condado de Ulster County, no estado de Nova York - Divulgação

No terreno de 32 mil metros quadrados que cerca a cabana, Boym construiu um oco rebaixado para fogueiras, uma "aldeia" de casas de passarinho adquiridas de terceiros, em estilos arquitetônicos diversos, uma horta dedicada a tomates, um pavilhão com falsas galhadas de veados que montou com galhos que encontrou caídos (parte de uma série que ele intitulou "Upstate Safari") e uma escultura de metal ocupando o lugar de uma pilha de sucata de vidro e metal recentemente limpa, feita de detritos encontrados no lugar ("Acho que havia partes de um carrinho de bebê", disse ele).

Para as pessoas que têm a sorte de possuir uma casa de campo durante a pandemia, o alívio de ter um lugar onde se refugiar muitas vezes é contrabalançado pelo estresse de fazer as férias forçadas funcionar.

Encher uma casa de campo com um contingente pleno de familiares onera mais do que apenas a fossa séptica. E, com a falta de profissionais disponíveis para serviços como os de marceneiros e eletricistas, somada à escassez e ao custo dos materiais de construção, quem quer se ocupar com reformas para esquecer seus problemas tem enfrentado algumas dificuldades.

Tudo isso acaba sendo uma vantagem para designers como os Boym. Apesar de sujeitos às mesmas limitações que o resto de nós durante a pandemia, eles têm meios de fazer melhorias em suas casas que ajudam a conservar seu bem-estar mental. Podem ser seus próprios empreiteiros e conseguir que pedreiros, eletricistas e encanadores lhes deem os resultados que buscam, ou podem se encarregar de todas as tarefas, sem que as criações resultantes pareçam frutos de um esforço "faça você mesmo".

Fazer o trabalho você mesmo, usando os materiais que encontra prontos (ou na floresta), custa pouco.

Constantin Boym estimou o custo do estúdio de arte, construído com mão de obra contratada, em US$ 20 mil (R$ 110 mil). Mas a escolha de um material como madeira tratada com pressão, ao custo de US$ 27 (R$ 148), para construir um banco que ficará ao ar livre e deve durar meio século não foi feita pensando apenas em poupar dinheiro, mas em minimizar o consumismo. Boym citou o artista construtivista russo Vladimir Tatlin, que defendia o uso "não do velho, não do novo, mas do necessário".

Estúdio projetado por Peter Matthiessen Wheelwright, professor emérito de arquitetura da Parsons, em Nova York
Estúdio projetado por Peter Matthiessen Wheelwright, professor emérito de arquitetura da Parsons, em Nova York - Tony Cenicola - 18.jan.22/The New York Times

A 40 km ao norte de Esopus, no vilarejo de Elizaville, no condado de Columbia, no estado de Nova York, Peter Matthiessen Wheelwright precisava terminar de escrever seu segundo romance.

Professor emérito de arquitetura na Parsons School of Design, em Nova York, ele vinha trabalhando no livro havia seis anos e passava por um período sem inspiração quando a pandemia chegou. Ele e sua mulher, Eliza, refugiaram-se na pequena casa de campo que possuem num terreno de 80 hectares. Tinham comprado a chácara, antiga plantação de maconha, em 1986, depois de ser confiscada pelas autoridades.

"Queria um lugar onde pudesse ficar longe de tudo e uivar para a lua", disse. Mas, com filhos e netos se espalhando pela casa de menos de 185 metros quadrados, não havia um lugar tranquilo para ele escrever.

"Como arquiteto, nunca tive a oportunidade de criar uma construção autônoma para meu próprio uso", afirmou, razão pela qual teve satisfação dupla em projetar um estúdio minúsculo com um mezanino para dormir. A construção começou quando surgiram os primeiros alertas sobre a Covid, e assim Wheelwright obteve a maioria dos materiais e da mão de obra antes de serem abocanhados pela demanda aumentada.

O estúdio é aquecido com um fogão a lenha dinamarquês e tem água quente e fria fornecida por um refrigerador de água de escritório montado sobre uma pia da qual a água escorre para uma calha. Há também um sanitário que funciona por compostagem e um deque elevado em volta de uma cerejeira.

A obra foi concluída em seis meses. Foi um trabalho realizado com amor, mas não foi econômico. "É aquela famosa tríade que os bons arquitetos costumam explicar a seus clientes", disse Wheelright. "Você quer uma obra feita em pouco tempo, que custa pouco e seja bem-feita. Escolha duas dessas coisas."

Wheelright queria que o estúdio ficasse pronto em pouco tempo e tivesse janelas e portas de alta qualidade, teto inclinado e paredes internas forradas por tábuas de madeira, não placas de gesso. Estimou o custo entre US$ 150 mil (R$ 824 mil) e US$ 160 mil (R$ 880 mil). Oito meses depois, o livro foi concluído.

"The Door-Man", saga multigeneracional sobre as descobertas fósseis da paleontóloga Winifred Goldring, personagem da vida real que viveu no século 20, será lançado em 1º de fevereiro pela Fomite Press.

Um pouco mais ao sul, em Rhinebeck, cidade do condado de Dutchess, no estado de Nova York, Calvin Tsao e Zack McKown estavam correndo para completar um pequeno anexo num grande terreno rural.

Os dois arquitetos nova-iorquinos, além de seu parceiro doméstico e administrador financeiro David Poma, estavam usando uma casa de guarda reformada situada num terreno protegido de 33 hectares como sua casa de fim de semana, mas seus 74 metros quadrados de área não lhe deixavam espaço para hobbies, muito menos trabalhar. Como as regras do espaço protegido não lhes permitiriam criar uma estrutura nova com mais de 55 metros quadrados, eles optaram por projetar três pequenos estúdios lado a lado, interligados por dois banheiros, um deles com sanitário e outro com um chuveiro.

"Quisemos utilizar todo o espaço que podíamos", explicou Tsao. "Sempre achei que construir corredores não faz sentido." Também é possível acessar os três cômodos por um alpendre comum na extremidade.

A construção dá para um pomar de macieiras e é pintada de uma cor baseada em amostras de cascos de árvore e misturadas por Benjamin Moore. "A ideia não é um estúdio de 55 metros quadrados que seja uma coisa confusa ou chamativa", disse Tsao. A ideia é que a construção se funda com a flora em volta.

Mas a construção teve um custo chamativo –US$ 350 mil (R$ 1,9 milhão)–, não obstante o uso de materiais da serraria e da loja de materiais de construção da própria cidadezinha, com apenas um pouco de luxo sob a forma de azulejos Heath nos banheiros. "Construir está custando cada vez mais", diz Tsao.

Eles conseguiram enxugar o orçamento quando precisaram de uma coluna para a passarela entre a casa de guarda e os estúdios. "Compramos um tronco de árvore por uns US$ 12 [R$ 66]", disse o arquiteto.

A construção foi iniciada antes da pandemia e concluída em maio de 2020. Virou um escritório remoto onde os sócios trabalham em projetos como a reconstrução do Museu do Palácio Nacional, em Taipé.

O ambiente rural vem influenciando a dupla de maneira profunda. Eles estão reivindicando a gestão do pomar de macieiras, que tinha sido confiada a um agricultor local, e adotando métodos orgânicos. "Queremos passar mais tempo aqui para entender realmente a vida e a cultura agrárias", disse Tsao.

A profissão de arquiteto é uma das que mais envolvem idas e vindas, com clientes em diferentes pontos do planeta e visitas a locais de obras diversas. Para um arquiteto, não parece natural ficar confinado em um estúdio bem equipado. Ficar confinado à sua própria casa pode ser sentido quase como tortura.

"Eu estava trabalhando numa área de menos de 1,5 metro quadrado no meu quarto", contou Ryan Mullenix, sócio da firma de arquitetura NBBJ, de Seattle, lembrando o período que passou sob o mesmo teto com sua esposa e três filhos que estavam tendo que estudar à distância, em casa. O que emergiu de seu desespero (somado a uma ânsia de construir algo com as próprias mãos) foi um estúdio autônomo de 6,5 metros quadrados no quintal de sua casa, no subúrbio de Bellevue, no estado de Washington.

Codiretor do departamento de design corporativo da NBBJ, Mullenix se sentiu como um cientista que injeta o soro que ele próprio criou. O conselho que ele dá a clientes que tentam se adaptar a locais de trabalho para o futuro é: "Teste o espaço primeiro –não se proponha a fazê-lo perfeito da primeira vez". Seu pequeno estúdio é um modelo de minimalismo esperando por ajustes.

Iniciado em junho de 2020, o projeto levou um ano para ser concluído, e os materiais custaram cerca de US$ 10 mil (R$ 55 mil). O próprio Mullenix fazia o trabalho em suas horas de lazer, às vezes com a ajuda de amigos e de um eletricista profissional. Ele foi à loja Home Depot dezenas de vezes e permitiu apenas dois elementos sob medida: um par de portas de correr para possibilitar vistas belas e ventilação de um lado a outro. E o piso tem aquecimento radiante.

A duas horas a oeste de Seattle, na ponta da península da Toandos, Kristen Becker vem passando seus fins de semana na pandemia aprendendo a usar motosserra, dirigindo um trator e demolindo uma garagem. Ela aprendeu tudo isso para renovar uma casa antiga que ela e seu marido, Saul Becker, compraram três anos atrás, depois de descobrir que a casa pertencera ao avô de Saul, que a perdera num jogo de pôquer quando estava bêbado.

Sócios na firma de arquitetura e design Mutuus Studio, de Seattle, Kristen e Saul pagaram US$ 139 mil (R$ 763 mil) pela casa decrépita de três andares, abandonada havia uma década. Eles a reformaram pouco a pouco para lhes servir de retiro de fim de semana e laboratório de design.

Visando criar um clima de cabana, o casal criou um mezanino para ser o quarto de seus dois filhos, "aberto para a cozinha, para as vozes e as conversas noturnas, para o som do fogo crepitando na lareira", disse Kristen. No piso inferior, mobiliaram uma sala de jogos com uma mesa de bilhar que lhes foi oferecida gratuitamente numa noite, que eles desmontaram e carregaram para casa.

Quanto à parte experimental, "venho pendurando abajures de metal no canal e deixando que cracas se fixem sobre eles, para serem usados na casa", contou Saul Becker, que é designer de luminárias para a empresa. Seus painéis de linho laminado e tela, que remetem a pinturas de belas artes e lonas de pintor de parede (ele tem experiência com as duas coisas), foram usados em abajures e nas fachadas dos armários de cozinha. As cascas esmagadas de ostras retiradas da baía vizinha foram usadas nas bancadas.

Kristen Becker chama os achados vintage que gosta de colecionar e restaurar de "filhotes". Ela descreveu a casa como "um filhote grande". "Vai ser interminável, um projeto para toda a vida", afirmou ela.

"Volte no ano que vem para ver como estará."

Tradução de Clara Allain

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