Pesquisa traça perfil de invasores do Capitólio 1 ano após ataque à democracia nos EUA

Estudo da Universidade de Chicago mostra que radicalismo testemunhado na invasão é hoje fenômeno 'mainstream' no país

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Lúcia Guimarães
Nova York

Um ano depois da invasão do Capitólio, 727 americanos foram indiciados pelo governo dos EUA por adesão à violência. Menos de 30 já receberam sentenças com penas de prisão relativamente leves, quando se considera o contexto punitivo do combate ao terrorismo pós-11 de Setembro. Mas não há rigor aplicado pelo Departamento de Justiça que desencoraje a defesa da violência política.

Hoje, 21 milhões de americanos —8% da população adulta—, segundo levantamento liderado pelo cientista político Robert Pape, da Universidade de Chicago, compartilham duas convicções: Joe Biden roubou a eleição de 2020 e é justificável cometer atos violentos para restaurar a Presidência de Donald Trump.

Insuflados pelo então presidente e candidato derrotado Donald Trump, apoiadores iniciam invasão ao Capitólio na sessão de 6 de janeiro do ano passado - Alex Edelman - 6.jan.21/AFP

Semanas após o 6 de Janeiro, o pesquisador passou a se debruçar sobre os perfis do primeiro grupo de invasores presos, e os dados se acumulavam à medida que o FBI identificava e detinha novos baderneiros —em parte, com a ajuda de denúncias de um dos crimes mais documentados na história dos EUA.

As conclusões surpreendem. O estudo revela radicais de ultradireita com idade média de 42 anos, bem empregados e ajustados socialmente. Seis em cada sete dos presos não têm afiliação a grupos da chamada franja ideológica, como os neonazistas que marcharam em Charlottesville, na Virgínia, em 2017.

"Seria necessário voltar à década de 1920, quando a [organização racista] Ku Klux Klan passou de alguns milhares a 6 milhões de membros em quatro anos, para encontrar uma normalização da violência comparável na sociedade", afirma à Folha Pape, por telefone. Ele publica nesta semana o resultado da nova fase de seu levantamento, que inclui uma pesquisa feita entre americanos cujo perfil demográfico se assemelha ao dos 258 milhões adultos no país. A margem de erro é de 2,9 pontos percentuais.

"Nós demonstramos que o sentimento radical testemunhado na invasão do Capitólio é hoje um fenômeno 'mainstream' nos EUA", explica o acadêmico. "Mais da metade dos invasores é formada por pequenos empresários, 'white collar' [trabalhadores não braçais, de funções administrativas]. Há médicos, gerentes, arquitetos."

O perfil traçado dos insurgentes confirma um engano propagado nos EUA após a surpresa com a vitória de Trump, em 2016: a de que a angústia econômica explicava a eleição de um populista demagogo.

A cor da pele, por outro lado, aparece como um denominador comum —tanto entre os presos quanto entre adultos consultados na pesquisa do grupo da Universidade de Chicago. "Entre os 21 milhões de adultos que justificam a violência política", afirma Pape, "75% temem a chamada Grande Substituição", teoria surgida na França, no começo do século 20, segundo a qual haveria risco de extinção de brancos europeus, trocados por imigrantes da África e do Oriente Médio. Hoje a expressão é frequentemente usada como um chocalho racista por âncoras da Fox News e aliados de Trump eleitos pelo país.

"Mais de 50% dos invasores do Capitólio vêm de municípios com duas características: deram a vitória a Joe Biden [em 2020] e estão entre os que mais perderam residentes brancos", afirma Pape.

Desde o início, a pesquisa de Chicago buscava olhar para a frente, especialmente de forma a avaliar como os EUA entrarão numa nova temporada de primárias eleitorais, a partir de março. Em novembro, os americanos elegem todos os 435 deputados do Congresso, 34 dos 100 membros do Senado, 36 governadores dos 50 estados, integrantes de 44 assembleias estaduais e 30 procuradores estaduais.

Pape se diz preocupado com a tensão política que pode marcar o pleito. "É crucial que líderes políticos e comunitários comecem um diálogo antes das primárias, usando a informação que temos agora. O poder de polícia existe para prender quem comete um ato violento. O FBI não pode prender quem apoia ou defende violência. A radicalização já está ao largo na sociedade."

O professor estudou também a dieta de informação dos que consideram Trump o presidente legítimo —e as descobertas chamam a atenção. De acordo com o levantamento, 42% dos entrevistados se informam por Fox News, além de Newsmax e One America News, canais a cabo à direita da líder de audiência.

Entretanto, 32% dizem se informar por CNN e NPR, a rádio pública. "Só 20% declararam se informar por Facebook ou Twitter. Os que se informam por redes sociais tidas como mais radicais, como o Telegram, são uma minoria irrisória." Para Pape, os números reforçam a noção de que a radicalização é também "mainstream" —não há nada no jornalismo da CNN ou da NPR que inspire uma invasão do Capitólio.

Ao longo da entrevista, Pape não usou os termos "republicanos" ou "democratas" —ainda que o Congresso investigue a participação de membros eleitos (todos republicanos) e da Casa Branca de Trump no planejamento e na incitação à violência do 6 de Janeiro. Questionado sobre se há exemplo, na história recente, de um dos dois grandes partidos americanos defendendo a violência para capturar ou manter o poder, ele afirma que, até aqui, não conhece casos de defesa da violência eleitoral no Partido Democrata.

"Mas lembre-se que a legenda saiu vitoriosa em 2020. Violência partindo da esquerda deve ser também motivo de preocupação", diz Pape, que dirige o Chicago Project on Security and Threats na universidade.

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