Descrição de chapéu The New York Times

Por que mais crianças e jovens estão morrendo por armas de fogo nos EUA

Estatísticas apontam aumento no número de vítimas de acidentes com revólveres e tiroteios durante a pandemia

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Jack Healy
Nova York | The New York Times

​Kendall Munson estava tão preocupada com a violência em seu bairro na zona sul de Chicago que enviou seus filhos para viver com os avós nos arredores de Atlanta. Mas a morte os encontrou assim mesmo.

No dia 9 de dezembro, Elyjah, 11, garoto brincalhão que gostava de futebol, estava indo para um posto de combustíveis com amigos para comprar lanches na saída da escola. Um dos melhores amigos dele, de 12 anos, tirou uma arma da mochila e deu um tiro na cabeça do menino.

Foi a segunda vez no ano passado que a violência armada deixou a família em estado de choque. Duas semanas antes da morte de Elyjah, um primo de cinco anos dele, Khalis Eberhart, morreu baleado quando outro primo, de apenas três anos, encontrou uma arma debaixo de uma almofada do sofá.

Vanecia Kirkland segura fotos de suas filhas Ava e Alyse Williams, assassinadas com tiros pelo pai, em Columbus - Maddie McGarvey/The New York Times

"É fácil encontrar uma arma. É fácil nossos filhos terem acesso a uma arma", diz Munson, que afirma acreditar que a morte de seu filho não foi intencional. "É isso o que acontece quando a pessoa é criança e está mexendo em algo que pensa ser um brinquedo."

O número de crianças e adolescentes mortos a tiros subiu fortemente durante a pandemia nos Estados Unidos. Pesquisadores caracterizam esse fato como uma consequência fatal do aumento nacional das taxas de homicídio, de traumas não tratados decorrentes da Covid e de um aumento grande na aquisição de armas —o que coloca mais crianças em contato com esses itens, como vítimas ou atiradoras.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) noticiou um aumento de 50% nas mortes por arma de fogo de crianças de até 14 anos entre 2019 e 2020.

E a cifra parece ter crescido ainda mais. Mais de 1.500 crianças e adolescentes de até 18 anos foram mortas em homicídios e por disparos acidentais em 2021, contra cerca de 1.380 no ano anterior. Os dados são do Gun Violence Archive, banco de dados com informações de fontes públicas que contabiliza as mortes por armas de fogo em tempo real antes das contagens governamentais oficiais.

Crianças que são pouco mais que bebês vêm encontrando pistolas sob pilhas de roupa ou no sofá. Adolescentes obtêm armas fantasmas feitas com kits online e que são impossíveis de rastrear. Estudantes do ensino médio carregam revólveres para se proteger.

Embora a incidência de crianças que morrem baleadas seja muito inferior à de adultos, o aumento da estatística assusta autoridades policiais e famílias. "A gente vê a mesma coisa se repetindo o tempo todo", diz Keith Meadows, chefe de polícia de South Fulton, Geórgia, onde duas crianças pequenas –uma delas Khalis Eberhart— morreram recentemente por disparos acidentais.

"Quando a pandemia chegou, aumentou muito o número de pessoas pedindo autorização de porte. As pessoas andam comprando armas sem receber o treinamento adequado."

Polícias estão tendo dificuldade em intervir. Fustigadas pela violência juvenil crescente, grandes cidades como Chicago investem milhões de dólares em programas de intervenção para conter a violência, em grupos de formação de lideranças jovens e organizações comunitárias.

Meadows deu em South Fulton um curso em dezembro sobre uso seguro de armas, com a participação de 50 pais e mães, alguns acompanhados de seus filhos. No dia seguinte, um menino de três anos ficou ferido quando encontrou um revólver debaixo da cama e deu um tiro na barriga.

Boa parte da violência acontece em algumas dezenas de grandes cidades americanas, segundo o Gun Violence Archive. A lista delas é encabeçada por Chicago, Filadélfia, Houston e Milwaukee, mas poucos lugares estão livres do flagelo. Em Sedalia, cidade com 22 mil habitantes no Missouri, Andre Walker, 4, se deu um tiro fatal em casa quando encontrou o revólver da família. D’Shaunti Kyanni Hunter, 17, foi encontrada morta a tiros num cemitério da zona rural da Geórgia.

Após um atirador matar quatro adolescentes no colégio Oxford High School, em Michigan, o promotor local indiciou por homicídio culposo involuntário os pais do suspeito de 15 anos. Ele os acusou de comprar a arma como presente de Natal e deixá-la disponível numa gaveta destrancada, mesmo depois de a direção da escola alertá-los sobre as fantasias violentas de seu filho. Os pais alegam inocência.

Na maioria dos casos, porém, os donos adultos de armas não são acusados criminalmente quando elas são usadas em tiroteios que matam crianças e adolescentes. Algumas famílias se dizem frustradas porque a violência —que afeta desproporcionalmente mais negros e hispânicos em bairros pobres— não parece causar preocupação mais generalizada. "É como se fosse normal", diz Kim Sipes, cujo sobrinho de 16 anos, Ramon Sosa, morreu baleado com a avó em Oklahoma City no ano passado.

Um rapaz que também tinha 16 anos foi acusado do crime, refletindo o fato de o número de jovens de até 19 anos que cometem homicídios ter subido quase 20% entre 2019 e 2020, segundo o FBI.

Sipes quer que os legisladores de Oklahoma aprovem leis que impeçam adolescentes de 16 anos de ter acesso a armas de fogo, mas tem pouca esperança de que as mortes motivem os parlamentares a agir. Um site que sua família criou para arrecadar fundos e cobrir os custos dos enterros teve dificuldade em arrecadar um terço dos US$ 10 mil pretendidos.

Pesquisadores dizem que órgãos de saúde pública e escolas em situação difícil após dois anos de pandemia não estão conseguindo combater as raízes do aumento atual da violência que atinge crianças.

"Esperávamos que, quando a vida voltasse ao normal, as coisas voltariam a ser como antes", afirma Sarah Burd-Sharps, diretora de pesquisas da Everytown for Gun Safety, organização financiada pelo ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg. "Mas já ficou claro que isso não está acontecendo."

Em vez disso, dizem ativistas antiviolência, um sentimento de impotência e raiva deitou raízes no país.

Uma contagem recente da Iniciativa contra Violência Comunitária do grupo Giffords descobriu que 15 estados prometeram investir quase US$ 700 milhões na prevenção da violência com armas de fogo. A pandemia interrompeu muitos desses programas, e agora as cidades lutam para recuperar o atraso.

"É uma crise absoluta", diz Erica Atwood, diretora do departamento de iniciativas para a justiça criminal e segurança pública de Filadélfia. Segundo o Gun Violence Archive, mais de 30 crianças e adolescentes morreram em tiroteios na cidade em 2021. Em Columbus, no estado de Ohio, ativistas afirmam que a explosão caótica de violência armada contra crianças está deixando bairros inteiros em choque —e crianças com medo de andar do ponto de ônibus para casa. Em 2019, três menores de 17 anos morreram a tiros. O número subiu para 20 em 2020 e 17 no ano passado, segundo cifras da polícia.

As famílias que perderam filhos estão começando a se organizar para reivindicar ação da polícia e de lideranças comunitárias. Mães fazem passeatas usando camisetas laranjas e agitando cartazes com fotos de seus filhos abatidos. Elas estavam indo a uma vigília quando houve um tiroteio no mesmo local de um assassinato em meados do ano passado.

Em Columbus, 2021 começou com o assassinato de duas crianças. No dia do Ano-Novo, Ava Williams, 9, e sua irmã Alyse, 6, foram mortas a tiros pelo pai, que passara a pandemia periodicamente desempregado e acumulando armas. "Eu estava preocupada com a Covid", disse a mãe das meninas, Vanecia Kirkland. "Devia ter me preocupado com o pai delas."

Tradução de Clara Allain

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