Premiê da Austrália luta para conseguir de volta conta em 'WhatsApp chinês'

Perfil de político conservador teve configuração alterada sem motivo aparente e hoje pertence a firma chinesa

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Yan Zhuang John Liu
Melbourne | The New York Times

O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, abriu sua conta pública no WeChat em 2019, durante a campanha eleitoral, alegando querer se comunicar diretamente com a comunidade australiana de origem chinesa, para ter uma visão melhor de seus problemas e preocupações.

Na última segunda-feira (24) emergiram relatos de que Morrison teria sido impedido, desde o ano passado, de acessar o aplicativo de mensagens chinês, imensamente popular. Além disso, sua foto teria sido removida da conta, que agora estaria sob o controle de uma empresa chinesa, sob novo nome.

Os posts ainda estão presentes, assim como seus 76 mil seguidores. Mas o episódio, noticiado inicialmente pelo Daily Telegraph na Austrália, suscitou uma reação enfurecida de membros do partido governista, alguns dos quais descreveram o caso como um sequestro.

O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, em entrevista coletiva no Parlamento, em Camberra - 6.jan.22/AFP

Outros políticos conservadores acusaram a plataforma de mídia social chinesa de tentar interferir na próxima eleição federal na Austrália, suprimindo a liberdade de expressão —de Scott Morrison, presume-se. O episódio também gerou discussões sobre se parlamentares deveriam usar o WeChat para se comunicar com 1,2 milhão de residentes de origem chinesa no país.

Um porta-voz do premiê se negou a comentar o assunto. O incidente representou mais um capítulo tenso nas relações diplomáticas cada vez mais desgastadas entre Austrália e China.

James Paterson, senador do Partido Liberal —o de Morrison— e diretor do poderoso Comitê Conjunto de Inteligência e Segurança, disse em comunicado que a tomada da conta foi um esforço do Partido Comunista Chinês de "interferir em nossa democracia e silenciar nossa liberdade de expressão".

Ele destacou que o líder oposicionista Anthony Albanese ainda tem sua conta no WeChat. "Não podemos deixar que um governo estrangeiro autoritário interfira em nossa democracia e determine os termos do debate público na Austrália", disse. Albanese, por sua parte, afirmou que a notícia dos problemas de seu rival com o app é "realmente preocupante", mas não chegou a prometer que irá boicotar a plataforma.

Não há nenhuma prova direta de que o Partido Comunista tenha contribuído para a perda da conta de Morrison. Quando altos funcionários chineses caem no desagrado de Pequim, é comum que seus perfis de mídia social desapareçam e que censores apaguem referências a eles ou seus posts.

O WeChat pertence ao gigante da tecnologia Tencent. Com 1,26 bilhão de usuários em todo o mundo, o aplicativo é muito usado por chineses na própria China e no exterior, para se comunicar com amigos e familiares, ler notícias, fazer pagamentos e mais. Ele já foi usado para difundir desinformação e propaganda política do governo chinês, e é sabido que há censura sobre os conteúdos na plataforma.

O ex-presidente americano Donald Trump tentou proibir o WeChat e o TikTok, também de propriedade chinesa, de operarem nos Estados Unidos, qualificando-os como ameaça à segurança nacional. Um juiz federal mais tarde emitiu uma liminar barrando o veto.

Em nota na qual confirmou as mudanças feitas à conta de Morrison, a Tencent disse que não há evidência de hackeamento ou interferência de terceiros. "Parece ser uma disputa sobre quem é o titular da conta."

Mas ainda há muito que não é sabido sobre como a transferência ocorreu. Para que uma conta pública no WeChat troque de mãos, o dono precisa preencher um formulário em papel, que deve ser reconhecido por tabelião público e enviado ao WeChat, segundo o site da Tencent. A reportagem não conseguiu contato com a Administração do Ciberespaço chinesa, que gere assuntos nacionais ligados à internet.

Zhao Lijian, porta-voz do Ministério do Exterior, disse em entrevista coletiva na noite de segunda que não estava a par dos fatos específicos sobre a conta de Morrison, mas acrescentou: "A acusação de interferência da China não passa de calúnia e difamação infundada. Não temos nenhum interesse em interferir em outros países e não o fazemos".

James Paterson disse que a equipe de Morrison começou a ter problemas para entrar na conta em meados de 2021. O governo australiano escreveu ao WeChat pedindo que a plataforma restaurasse o perfil, mas segundo o parlamentar isso não adiantou de nada. O último post de Scott Morrison data de julho do ano passado, quando o premiê apresentou um plano de apoio econômico oferecido a residentes chineses na Austrália que perderam o trabalho com as restrições impostas por causa da pandemia.

Devido às regras do WeChat, que exigem que contas públicas sejam registradas por uma pessoa de nacionalidade chinesa, Morrison havia registrado seu perfil por meio de um intermediário chinês.

Segundo informações publicamente acessíveis, o nome da conta mudou em outubro de 2021, passando de ScottMorrison2019 para Aus-Chinese New Living. Em novembro, a Tencent verificou a Fuzhou 985 Information Technology, empresa de software sediada na província de Fujian, como a nova proprietária do perfil —que agora informa que oferece informações a chineses no exterior sobre a vida na Austrália.

A Tencent confirmou a transferência. "A conta em questão foi registrada originalmente por um indivíduo da República Popular da China e foi subsequentemente transferida para seu titular atual, uma empresa de serviços de tecnologia", disse, em comunicado. Pelo telefone, Huang Aipeng, representante legal da Fuzhou 985, afirmou que a empresa agora é a titular do perfil de WeChat, mas insistiu que não fazia ideia de que o dono anterior era o premiê da Austrália. "Não sabíamos para que era usada essa conta pública."

Tradução de Clara Allain

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