Descrição de chapéu The New York Times Ásia

Pressão crescente da China por unificação reforça identidade local em Taiwan

Pesquisa indica que proporção dos que se veem como chineses em Taipé caiu de 25% para 2% em 30 anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Amy Qin Amy Chang Chien
Chiay (Taiwan) | The New York Times

Quando Li Yuan-hsin, uma professora do ensino médio de 36 anos, viaja para o exterior, as pessoas geralmente a veem como chinesa. "Não", responde Li, e então ela explica que é taiwanesa.

Para ela, a distinção é importante. A China pode ser a terra de seus ancestrais, mas Taiwan é onde nasceu e foi criada, um lar que Li define tanto pelas montanhas verdejantes e pelos agitados mercados noturnos quanto por sua robusta democracia. Quando era estudante colegial, ela colou uma bandeirinha azul na carteira, para demonstrar apoio a seu candidato; desde então, votou em todas as eleições presidenciais.

"Eu amo essa ilha", diz. "Amo a liberdade daqui."

Bem mais de 90% da população de Taiwan tem origens na China continental, mas o autoritarismo ruidoso de Pequim —e sua reivindicação sobre Taiwan— só fez solidificar a identidade da ilha, hoje no centro de uma disputa que transformou o estreito local em um dos principais pontos de conflito potencial na Ásia.

Bandeiras taiwanesas em meio ao movimento da praça da Liberdade, em Taipé - Lam Yik Fei/The New York Times

Para Pequim, o movimento de Taiwan para se distinguir da China continental representa um poderoso obstáculo para os esforços do regime de atrair (ou coagir) a ilha para sua órbita política. O líder chinês, Xi Jinping, advertiu em outubro contra a tendência que ele considera uma secessão: "Os que esquecem seu legado, traem sua pátria e tentam dividir o país não terão um bom fim".

A maioria dos moradores de Taiwan não está interessada em ser absorvida pela China, mas não faz pressão pela independência formal, preferindo evitar o risco de uma guerra. Isso deixa os dois lados num impasse. Quanto mais se afirma a identidade de Taipé, mais Pequim pode se sentir obrigada a intensificar a campanha militar e diplomática para pressionar a ilha a respeitar a reivindicação de soberania.

Li é uma dos mais de 60% dos 23 milhões de habitantes da ilha que se identificam apenas como taiwaneses, o triplo da porcentagem de 1992, segundo pesquisas do Centro de Estudos Eleitorais da Universidade Nacional Chengchi, em Taipé. Só 2% se identificaram como chineses, contra 25% há 30 anos.

Parte da mudança é geracional: a avó de 82 anos de Li, Wang Yu-lan, por exemplo, faz parte dessa minoria.

Para ela, que fugiu do continente há décadas, ser chinesa significa celebrar raízes familiares e culturais. Ela pinta paisagens clássicas em tinta nanquim e as exibe nas paredes de casa; passa horas praticando erhu, instrumento tradicional chinês de duas cordas; conta histórias de uma terra tão amada que seus avós levaram um punhado de solo quando partiram; e ainda se pergunta o que aconteceu com as barras de ouro e prata que eles tinham enterrado embaixo de uma cama de tijolos aquecidos em Pequim.

Wang tinha 9 anos quando chegou a Taiwan, em 1948, entre os cerca de 1 milhão de chineses que recuaram com os nacionalistas durante a guerra civil com os comunistas. A ilha fica a aproximadamente 160 quilômetros da costa sudeste da China, mas para muitos dos recém-chegados parecia outro mundo.

Colonos chineses que viviam lá havia séculos —e formavam a maioria— falavam um dialeto diferente. Os primeiros moradores tinham chegado milhares de anos atrás e eram mais aparentados com os povos do Sudeste Asiático e do Pacífico do que com os chineses. Os europeus tinham montado postos comerciais na ilha, e os japoneses a haviam governado durante 50 anos.

Wang e os outros exilados viviam em aldeias designadas para oficiais militares do continente, onde o aroma da pimenta preta típica da culinária de Sichuan se misturava aos odores picantes das delícias da província de Guizhou, no sul. Todos os dias, ela e outras mulheres da aldeia se reuniam para gritar slogans como "retomem o país dos bandidos comunistas!".

Com o tempo, esse sonho se dissipou. Em 1971, a ONU cortou as relações com Taipé e reconheceu o governo de Pequim. Os EUA e outros países logo fariam o mesmo, o que foi um choque para chineses como Wang. Como ela ainda poderia se considerar chinesa, se o mundo não a reconhecia como tal?

Wang e outros que desejavam voltar ao continente sempre haviam sido uma minoria em Taiwan. Algumas gerações mais tarde, entre seus filhos e netos, o anseio se transformou num medo das ambições expansionistas de Pequim. Sob Xi, a China demonstrou sua impaciência com Taiwan de maneiras cada vez mais ameaçadoras, enviando jatos militares para cortar o espaço aéreo taiwanês quase diariamente.

Quando Hong Kong, no continente, irrompeu em protestos contra o regime em 2019, Li acompanhou o noticiário diariamente. Ela viu a repressão de Pequim e a destruição das liberdades civis como provas de que não se podia confiar que o Partido Comunista manteria a promessa de preservar a autonomia de Taiwan se houvesse uma unificação.

Sob sua atual presidente, Tsai Ing-wen, o governo de Taiwan posicionou a ilha como uma sociedade chinesa que é democrática e tolerante, ao contrário do colosso além do estreito. Enquanto Pequim aumentava a repressão às minorias étnicas em nome da união nacional, Taipé buscou incluir grupos indígenas e outras minorias. "[A ilha] representa ao mesmo tempo uma afronta à narrativa e um empecilho às ambições regionais do Partido Comunista Chinês", disse a política no ano passado.

Hoje, conforme a China sob Xi se torna mais autoritária, o abismo político que a separa de Taiwan parece cada vez menos superável. "Depois que Xi assumiu, promoveu o retrocesso da democracia", diz Li. Ela cita uma medida de 2018 que aboliu o limite de tempo do mandato presidencial, abrindo caminho para que ele governe indefinidamente. "Então eu senti que a unificação seria impossível."

A taiwanesa indica os controles de Pequim à livre expressão e à dissidência como a antítese de Taiwan.

Ela compara a praça da Paz Celestial em Pequim, que visitou em 2005 como estudante universitária, com espaços públicos em Taipé. Na capital chinesa, câmeras apontavam em todas as direções, enquanto a polícia observava a multidão. Seu guia aprovado pelo governo não mencionava a brutal repressão em 1989 aos manifestantes pró-democracia, sobre a qual ela aprendera quando estudante em Taiwan.

Ela pensava, em comparação, na praça de Liberdade em Taipé, um espaço onde as pessoas se reúnem para tocar música, dançar, exercitar-se e protestar. "Após aquela viagem, apreciei muito mais Taiwan."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.