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Suprema Corte dos EUA vai discutir ações afirmativas raciais em universidades

Harvard e UNC são acusadas de discriminar brancos e descendentes de asiáticos

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Belo Horizonte

A Suprema Corte dos Estados Unidos aceitou, nesta segunda-feira (24), discutir uma causa que propõe o fim de ações afirmativas baseadas na cor da pele para o ingresso em cursos de graduação das universidades de Harvard e da Carolina do Norte (UNC, na sigla em inglês).

A demanda, protocolada em 2014 por um ativista, já havia sido recusada em tribunais regionais, mas agora será analisada pela mais alta instância da Justiça, hoje de maioria conservadora.

Caso o tribunal venha a concordar com os argumentos dos autores do processo, a decisão poderia ter um efeito cascata, com ações afirmativas sendo revogadas em outras instituições americanas de ensino superior. O caso deve entrar na pauta da Suprema Corte entre outubro deste ano e junho de 2023.

Nos EUA, universidades começaram a adotar ações afirmativas do tipo em 1965, mas 13 anos depois a Justiça proibiu que instituições implementassem cotas raciais em processos seletivos. Hoje, centros públicos e privados de vários estados mantêm ações de inclusão, sem usar sistemas de cotas ou bônus.

O ativista Edward Blum, fundador do Students for Fair Admissions, antes do início do julgamento de uma ação judicial em Boston, nos EUA
O ativista Edward Blum, fundador do Students for Fair Admissions, antes do início do julgamento de uma ação judicial em Boston, nos EUA - Brian Snyder - 14.out.18/Reuters

No processo aceito nesta segunda, o grupo Students for Fair Admissions, fundado pelo ativista conservador Edward Blum, acusa as universidades de discriminarem racialmente os candidatos a vagas de graduação, o que violaria leis federais. No caso de Harvard, os autores alegam que a instituição prejudica descendentes de asiáticos, enquanto a UNC discriminaria também brancos.

O grupo de Blum cita um trecho da Lei dos Direitos Civis de 1964, que proíbe a discriminação "com base em raça, cor ou nacionalidade" em qualquer programa ou atividade que receba assistência financeira federal, o que é o caso de Harvard, instituição privada fundada em 1636 com sede em Massachusetts.

A UNC, em Chapel Hill, fundada em 1789, é a principal universidade pública da Carolina do Norte –neste caso, os autores citam um trecho da Constituição que prevê direitos iguais.

Ainda de acordo com a organização, as políticas de Harvard limitam descendentes de asiáticos a 20% das turmas de graduação e os deixam menos propensos a serem admitidos do que candidatos brancos, negros e hispânicos com qualificações semelhantes.

As universidades alegam que critérios raciais são apenas um fator em uma série de avaliações individualizadas e que uma eventual eliminação do parâmetro resultaria em queda significativa no número de estudantes negros, hispânicos e de outros grupos sub-representados nos campi.

Após o anúncio da Suprema Corte, o presidente de Harvard, Lawrence Bacow, disse que a decisão "coloca em risco 40 anos de precedente legal que concede às faculdades a liberdade e a flexibilidade de criar comunidades diversas [...], o que fortalece o ambiente de aprendizagem para todos".

Já Blum elogiou a decisão do tribunal e afirmou que, "em uma nação multirracial e multiétnica como a nossa, a barreira de admissão na faculdade não pode ser aumentada para alguns grupos étnicos". "Nossa nação não pode remediar a discriminação do passado com nova discriminação", defendeu.

Os conservadores dos EUA há muito se opõem a programas de ação afirmativa ​em áreas como contratação de profissionais e admissão de estudantes. Em 2016, a Suprema Corte recusou os argumentos de uma aluna branca apoiada por Blum e considerou legal o critério racial adotado no programa de seleção da Universidade do Texas em Austin.

Antes disso, em 2003, o tribunal já havia garantido à Faculdade de Direito da Universidade de Michigan o direito de considerar o critério racial como fator de admissão, devido ao interesse em criar um corpo discente diversificado. Na ocasião, a então juíza Sandra Day O’Connor, nomeada por republicanos, escreveu que esperava que o uso dessas ações "não fosse mais necessário" até 2028.

Desde 2020, quando o então presidente Donald Trump conseguiu nomear o terceiro juiz em seu mandato para a mais alta instância da Justiça americana, as decisões do tribunal passaram a refletir sua maioria conservadora. Em dezembro, por exemplo, a corte indicou que poderá mudar seu entendimento sobre o direito ao aborto, o que significaria uma reversão histórica da jurisprudência vigente há quase 50 anos.

A administração de Joe Biden tem se chocado contra muitos julgamentos recentes, o que pode se repetir no caso anunciado nesta segunda. Quando a ação ainda estava em tribunais inferiores, a Casa Branca já havia pedido aos juízes que não seguissem adiante com o processo.

Cerca de um quarto dos países têm algum tipo de ação afirmativa para aumentar a diversidade no ensino superior, seja por lei federal ou por opção das universidades. As políticas variam entre critérios socioeconômicos, raciais e étnicos. A Índia, que tem políticas semelhantes às do Brasil desde 1950, tem a mais longa história de ações afirmativas baseadas em castas ou classes. Universidades na África do Sul e na Malásia também possuem políticas de inclusão de alunos de grupos com histórico de repressão.

No Brasil, a Lei de Cotas, de 2012, mudou o perfil do ensino superior público. Estudo de Ursula Mello, do Institute for Economic Analysis, de Barcelona, em parceria com Adriano Senkevics, doutorando em educação pela USP, mostra que de 2012 a 2016 a participação de jovens de 18 a 24 anos, pretos, pardos e indígenas e de baixa renda em universidades federais passou de 33,9% para 42,7% dos ingressantes.

A pesquisa aponta ainda uma mudança no perfil dos cursos mais concorridos, como medicina, engenharia elétrica e direito. Nos três casos, a presença de alunos não brancos, vindos de escola pública e de baixa renda girava entre 10% e 20% dos ingressantes em 2012. Em 2016, eram entre 20% e 40%.

Com Reuters e The New York Times

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