Talibã volta a fazer promessas de pôr fim a 'atmosfera bélica' ao Ocidente

Cotidiano no Afeganistão, porém, contrasta com alegada moderação de grupo fundamentalista

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Cabul | AFP

O governo do Talibã quer usar uma rodada de conversas diplomáticas com países ocidentais nos próximos dias para ajudar a mudar "a atmosfera bélica" que prevalece no Afeganistão, segundo afirmou um porta-voz do grupo neste sábado (22).

"O Emirado Islâmico [nome dado ao regime] tomou medidas para atender às demandas do mundo ocidental e esperamos fortalecer nossas relações diplomáticas com todos os países, incluindo europeus", disse Zabihullah Mujahid à agência de notícias AFP.

De acordo com ele, os talibãs, no poder desde agosto após a caótica retirada das tropas da coalizão liderada pelos americanos, querem "substituir o clima de guerra [...] por uma situação pacífica".

Soldado do Talibã faz escolta de protesto de homens ligados ao grupo contra manifestação feminista realizada dias antes, em Cabul - Mohd Rasfan - 21.jan.22/AFP

A promessa de moderação do grupo fundamentalista, que vem desde a retomada do poder, contrasta, porém, com a realidade vista do cotidiano afegão. Nesta sexta-feira (21), por exemplo, homens ligados ao grupo fizeram uma manifestação em Cabul contra um ato pelos direitos das mulheres ocorrido dias antes. O protesto feminista foi dispersado com gás de pimenta, e duas ativistas teriam sido detidas ao longo da semana.

Também nesta sexta, a polícia religiosa talibã ameaçou atirar em mulheres que trabalham para ONGs em uma província do noroeste do país caso elas não usem burca.

Nos últimos meses, o grupo fundamentalista retomou práticas medievais de quando tinha governado o país pela primeira vez, entre 1996 e 2001, como perseguições a adversários, restrições ao estudo e ao trabalho para mulheres e execuções públicas de acusados de crimes.

Até agora, nenhum país reconheceu formalmente o regime talibã. As negociações entre o grupo e diplomatas ocidentais começarão em Oslo, na Noruega, neste domingo (23). A delegação vai se reunir com autoridades norueguesas e com representantes da União Europeia e de países como Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha e Itália.

As conversas devem focar o respeito aos direitos humanos, especialmente os das mulheres —condição imposta para um possível restabelecimento da ajuda internacional que financiou 80% do orçamento do Afeganistão, mergulhado em uma crise humanitária.

A rodada de conversas deve durar até terça-feira, mas "não constitui legitimação ou reconhecimento do Talibã", insistiu na sexta-feira o ministro das Relações Exteriores da Noruega, Anniken Huitfeldt. "Entretanto, temos que falar com as autoridades que de fato governam o país. Não podemos deixar que a situação política leve a um desastre humanitário ainda maior."

Na quinta, o bloco europeu disse que pretende restabelecer uma "presença mínima" em Cabul para facilitar a entrega de ajuda humanitária —mas ressaltou que o movimento também não significa reconhecimento do regime.

Desde agosto, o auxílio internacional parou, e os EUA congelaram US$ 9,5 bilhões em ativos do Banco Central afegão. O desemprego disparou, e os salários dos funcionários públicos não são pagos há meses —em um país já devastado por uma seca severa. Segundo as Nações Unidas, a fome já ameaça 23 milhões de afegãos, 55% da população.

A delegação do Talibã que vai à Europa é composta por 15 representantes, todos homens, e liderada pelo
ministro das Relações Exteriores, Amir Khan Mutaqqi.

A rodada de negociações foi condenada pela Frente de Resistência Nacional (FNR), grupo de oposição que continua a resistir aos fundamentalistas islâmicos no Afeganistão. As negociações podem "normalizar um grupo terrorista e torná-lo um representante do Afeganistão", afirmou Ali Maisam Nazary, delegado da FNR.

O Talibã já realizou encontros com autoridades ocidentais em Doha, em outubro.

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