Taxa de natalidade no menor nível histórico alarma autoridades na China

Temor é o de que falta de mão de obra prejudique crescimento e reduza receita para sustentar idosos

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Steven Lee Myers Alexandra Stevenson
Pequim e Hong Kong | The New York Times

A China anunciou nesta segunda-feira (17) que sua taxa de natalidade caiu em 2021 pelo quinto ano consecutivo. Assim, o país mais populoso do mundo aproximou-se um pouco mais do momento potencialmente sísmico em que a população começará a encolher, acelerando uma crise demográfica que pode enfraquecer o dinamismo econômico e mesmo a estabilidade política.

Somada ao aumento da expectativa de vida que acompanhou a transformação econômica do país nas quatro últimas décadas, a queda da taxa de natalidade significa que o número de pessoas em idade economicamente ativa continua a cair em proporção ao número crescente de pessoas muito idosas para trabalhar. Essa conjuntura pode levar a escassez de mão de obra, prejudicando o crescimento econômico e reduzindo a receita tributária necessária para sustentar uma sociedade com cada vez mais idosos.

Mães passeiam com bebês em parque em Pequim - Nicolas Asfouri - 25.mai.2021/AFP

A situação está criando um problema político enorme para Pequim, que já enfrenta ventos econômicos desfavoráveis. Juntamente com os dados demográficos, o país anunciou na segunda-feira que o crescimento econômico caiu para 4% no último trimestre do ano passado.

O Partido Comunista já adotou medidas para combater a queda na natalidade, relaxando a notória "política do filho único": em 2016 começou a autorizar os casais a ter dois filhos e, desde o ano passado, até três. Também estão sendo oferecidos incentivos a famílias com filhos pequenos e prometidas melhorias no ensino infantil e nas normas que regem locais de trabalho.

Nada disso tem conseguido reverter uma verdade inegável: cada vez mais chinesas não querem ter filhos. "A China enfrenta uma crise demográfica que transcende a imaginação das autoridades e da comunidade internacional", diz Yi Fuxian, professor da Universidade de Wisconsin-Madison. Ele argumenta há anos que os líderes do Partido Comunista Chinês divulgavam cifras demográficas que subestimam a gravidade da situação.

Dados anunciados na segunda-feira pelo Escritório Nacional de Estatísticas mostram que o número de nascimentos no país caiu para 10,6 milhões em 2021, contra 12 milhões no ano anterior. Foi um número ainda menor que o de 1961, quando o Grande Salto para a Frente, plano econômico de Mao Tse-tung, levou à fome e a mortes em grande escala.

É bem possível que em breve a população chinesa comece a encolher pela primeira vez desde o Grande Salto. O número de mortes em 2021 (10,1 milhões) ficou muito próximo da cifra de nascimentos. Alguns demógrafos acham que o pico demográfico já pode ter passado.

"O ano de 2021 ficará na história chinesa como aquele em que o país viu sua população crescer pela última vez", diz Wang Feng, professor de sociologia na Universidade da Califórnia em Irvine. Para ele, o índice de natalidade do ano passado ficou aquém até das estimativas mais pessimistas.

Outras sociedades ricas estão vivendo declínio semelhante, mas a maioria dos especialistas concorda que a situação da China se complicou devido ao legado não pretendido da política governamental do filho único, que entre 1980 e 2015 policiou as escolhas reprodutivas das mulheres rigidamente.

Enquanto a política visou a desacelerar a taxa de natalidade para promover o crescimento econômico, um de seus efeitos é que hoje há menos mulheres chegando à idade reprodutiva. O governo relaxou as restrições ao planejamento familiar justamente quando as condições econômicas e sociais começaram a melhorar para as mulheres, que agora adiam o casamento e a maternidade.

"Não quero gastar minhas economias com filhos", diz Wang Mingkun, 28, que vive em Pequim e é professora de coreano. "Não detesto crianças. Na realidade, até gosto delas. Só não quero ter filhos."

Como a regra do filho único foi um pilar da política do Partido Comunista durante décadas, as questões ligadas às suas consequências tornaram-se politicamente divisivas. Na semana passada, quando um economista importante defendeu que para resolver a queda da taxa de natalidade chinesa seria preciso imprimir trilhões de cédulas de dinheiro, ele foi prontamente censurado online.

Ren Zeping escreveu num artigo acadêmico postado em redes sociais que, se Pequim reservasse o equivalente a US$ 313 bilhões para ajudar a pagar por auxílios como incentivos fiscais para casais e mais creches públicas, o problema seria resolvido. "A China terá 50 milhões mais de bebês em dez anos", disse. Quando a sugestão desencadeou uma discussão acalorada, sua conta na rede social Weibo foi suspensa por "violação de leis relevantes".

Xi Jinping, o líder chinês, já propôs medidas semelhantes no passado, mas não nessa escala, optando por adotar passos mais incrementais para evitar chamar a atenção para falhas das políticas anteriores.

Mais recentemente Pequim prometeu reformar as leis que proíbem a discriminação contra mães que trabalham. O governo chegou a proibir aulas particulares, num esforço para combater custos crescentes da educação, e a frear a competitividade entre pais de crianças pequenas, algo que muitos casais citam como um motivo que os leva a não querer ter filhos.

Alguns dos esforços do regime acabaram agravando o problema, provocando queixas e criando mais ansiedade em torno do casamento e da criação de filhos. "Cada vez mais mulheres solteiras relutam em se casar", diz Zheng Mu, professora-assistente de sociologia na Universidade Nacional de Singapura. "Se a mulher se casa, suas opções de vida ficam mais limitadas."

Os casais com filhos precisam se preocupar em conseguir acesso aos melhores professores do país, onde a educação ainda é vista como o principal caminho para uma vida melhor. Os pais gastam a maior parte do que ganham com o ensino dos filhos, incluindo aulas particulares de reforço.

Embora as autoridades tenham proibido a discriminação nos locais de trabalho contra mães de filhos pequenos, isso ainda ocorre com frequência, desencorajando famílias que precisam de renda dupla a ter mais filhos. E, ao mesmo tempo que as mulheres são encorajadas a fazer parte da força de trabalho e que lhes é dito que têm direitos iguais aos colegas homens, as expectativas culturais sobre elas —incluindo o fato de serem vistas como as pessoas que cuidam de outros na família— não mudaram.

O Escritório Nacional de Estatísticas anunciou as cifras demográficas na segunda-feira como parte de seu relatório sobre o crescimento econômico nacional. O PIB total da China subiu 8,1% em 2021, mas boa parte desse crescimento se deu no primeiro semestre.

Ning Jizhe, diretor do órgão, disse que uma taxa de natalidade baixa virou algo comum em muitos países, citando o Japão e a Coreia do Sul. Em 2021, ele destacou, o número de mulheres na faixa dos 21 aos 35 anos –ou seja, as que nasceram no auge da era do filho único— caiu em aproximadamente 3 milhões.

Embora a pandemia tenha adiado casamentos e nascimentos "até certo ponto", segundo Ning, ele também chamou a atenção para o aumento dos custos da criação de filhos, além de outros fatores sociais. Mesmo assim, expressou a esperança de que a população chinesa se conserve estável no futuro. "Os efeitos da política dos três filhos vão se manifestar pouco a pouco", concluiu.

Essa ideia foi contestada por He Yafu, demógrafo independente de Zhanjiang, no sul do país.

"Basicamente, num país com população grande, como a China, se a diferença entre o número de nascimentos e o de mortes for de apenas algumas centenas de milhares, isso equivale a crescimento zero", diz. O alerta é o de que essa tendência é irreversível.

Tradução de Clara Allain

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