Uma atualização promovida na carteira de identidade na França causou furor na Academia Francesa. Composta por 40 membros, a instituição —uma das mais antigas do país— criticou o fato de o documento reformulado ser bilíngue, com traduções para o inglês em campos como nome e data de nascimento.
A presença do inglês fere a Constituição, segundo a qual a língua nacional é o francês, disse ao jornal Le Figaro a historiadora Helene Carrere d'Encausse, 92, eleita imortal em 1990 e secretária permanente da Academia Francesa desde 1999. Os membros da instituição pediram ao premiê Jean Castex que suspenda o documento e disseram que levarão a questão à Justiça caso nenhuma medida seja tomada.
A modernização da carteira de identidade entrou gradativamente em vigor em março do ano passado e passou a valer para todo o país em agosto. O último modelo vigente era de 1995. Podem obter a nova versão aqueles que fizerem o documento pela primeira vez ou, então, o renovarem.
Segundo o Ministério do Interior francês, as mudanças foram necessárias para mitigar crimes envolvendo o documento —fraudes corresponderam a 45 mil crimes registrados pela polícia em 2019 (1,19% do total).
O caráter bilíngue, explicou o ministério, deve-se ao fato de a carteira de identidade ser aceita não apenas como documento nacional, mas também como documento de viagem quando franceses vão a outro país-membro da União Europeia (UE). A tradução para o idioma facilitaria a compreensão nas fronteiras.
Reclamando que a voz da Academia Francesa não é mais ouvida no debate público, a instituição contratou advogados para escrever ao premiê. "Quem decidiu colocar o francês e o inglês em pé de igualdade neste documento?", questionou d'Encausse, que ocupa a cadeira 14 da academia, ao Figaro.
A posição ecoou para outras esferas, entre as quais a política —o país realiza eleições presidenciais em abril. Marine Le Pen, líder do partido de ultradireita Reunião Nacional, agradeceu, em uma rede social, a Academia Francesa por defender o francês diante do que chamou de invasão contínua do inglês.
"Enquanto isso, Emmanuel Macron [presidente do país] acredita que não existe uma cultura francesa", seguiu. "É hora de eleger um presidente que se orgulhe de falar falar francês e da cultura francesa."
Não é incomum que documentos de identidade europeus contenham traduções. Na Alemanha, há traduções para o inglês e para o francês. Já no Reino Unido, que deixou a União Europeia há dois anos, os passaportes oferecem traduções para o francês. A presença do inglês no novo documento francês já havia sido alvo de outras críticas, com políticos e especialistas alegando que, assim, o governo facilitaria a predominância do inglês, quando, na verdade, deveria proteger o patrimônio linguístico francês.
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