EUA acusam Rússia de preparar sabotagem para justificar invasão da Ucrânia

Sites do governo em Kiev foram alvo de hackers após fracasso de diálogos entre Moscou e Ocidente

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Washington, Kiev e Londres | Reuters e AFP

Em meio à escalada de tensões entre Moscou, Kiev e Washington, autoridades dos Estados Unidos acusaram a Rússia de preparar operações de sabotagem e de desinformação para justificar uma eventual invasão da Ucrânia.

A afirmação, feita nesta sexta-feira (14) à agência de notícias Reuters sob condição de anonimato por um membro do governo americano, vem à tona logo após diversos sites do governo ucraniano terem sido alvo de um ataque hacker. As páginas dos ministérios das Relações Exteriores e da Educação ficaram fora do ar.

Antes que o site da chancelaria fosse derrubado, os autores da ação postaram uma ameaça em ucraniano, russo e polonês. "Ucranianos, tenham medo e se preparem para o pior. Todos os seus dados pessoais foram tornados públicos", afirmava a mensagem, acompanhada de vários logotipos, incluindo uma bandeira ucraniana riscada. Até o momento, nenhum grupo reivindicou a autoria do ataque.

Tanque russo T-72B3 durante exercício militar na região de Rostov
Tanque russo T-72B3 durante exercício militar na região de Rostov - Serguei Pivovarov - 20.dez.21/Reuters

Nos últimos anos, a Ucrânia foi alvo de ataques do tipo atribuídos à Rússia, como um lançado em 2017 contra várias infraestruturas importantes do país, e outro, em 2015, contra sua rede elétrica. A ação cibernética desta sexta se dá, também, na esteira do fracasso de uma semana de negociações entre EUA, seus aliados europeus e a Rússia. Foram três encontros, em diferentes instâncias, e todos terminaram sem avanços na busca por tentar baixar a temperaturda da crise gerada com o envio de militares russos para a fronteira com a Ucrânia

Potências ocidentais acusam o presidente Vladimir Putin de planejar uma invasão do país vizinho, depois de Moscou mobilizar tanques, artilharia e mais de 100 mil soldados para a divisa oeste do país nas últimas semanas. A Otan, a aliança militar ocidental, vê o deslocamento como preparação para uma ação militar.

Nesta sexta, uma autoridade americana de alto nível disse que os EUA se preocupam com a possibilidade de a Rússia fabricar pretextos para a invasão, com operações de sabotagem e de desinformação. Depois, em tese, Moscou acusaria falsamente a Ucrânia de preparar um ataque contra as forças do Kremlin.

Por essa lógica, a ideia dos russos seria lançar essa ofensiva semanas antes de uma invasão de fato, o que poderia acontecer até meados de fevereiro, nos cálculos do governo americano.

Ainda de acordo com o que essa autoridade disse à Reuters, Washington já tem informações de que a Rússia colocou um grupo para realizar a chamada "operação de bandeira falsa", com uso de explosivos contra as próprias forças de Moscou, de modo a justificar uma contraofensiva militar. Além disso, também segundo o membro da Casa Branca, influenciadores russos já estariam fabricando e disseminando boatos para chancelar uma intervenção.

A inteligência militar da Ucrânia também acusou Putin de preparar provocações contra tropas russas posicionadas em uma região separatista na vizinha Moldova, o que poderia ser outro pretexto para invadir o país numa nova frente a oeste. A Rússia reagiu depois de a imprensa americana publicar as suspeitas da operação de desinformação, sem surpresas afirmando que a acusação é infundada.

Moscou vem negando ter planos de atacar a Ucrânia, mas diz que pode tomar "ações técnico-militares" se os americanos não atenderem às suas exigências de impedir Kiev de ingressar na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O Kremlin teme que a aliança militar ocidental se aproxime ainda mais de seu quintal —atualmente, o grupo já abriga os Estados bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia), ex-repúblicas da União Soviética, entre outros países alinhados aos soviéticos.

Uma possível invasão também poderia ser justificada com argumentos étnicos. No ano passado, Putin publicou, no site oficial do Kremlin, um artigo de mais de 40 mil caracteres no qual repassou toda a história da Rússia, para, segundo ele, provar o argumento de que russos e ucranianos são "um só povo".

Na Ucrânia, porém, a concepção é outra: pesquisa divulgada em 2017 –três anos após a anexação da Crimeia por parte dos russos— pelo think thank ucraniano Razumkov Center apontou que 92% dos cidadãos do país se consideram etnicamente ucranianos; apenas 6% se disseram russos. Esses números vêm subindo a cada ano: no censo de 2001, 78,8% dos cidadãos se consideravam ucranianos, e em 2015 eram 86%.

Quanto mais jovens são os entrevistados, maior a porcentagem dos que se consideram ucranianos. Em 2017, a taxa chegava a 96% entre os jovens de 18 a 22 anos, enquanto que entre aqueles com mais de 60 anos a concepção não passava de 90%.

O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, disse nesta sexta esperar que as negociações de segurança com os EUA sejam retomadas, mas acrescentou que isso dependerá da resposta de Washington às propostas de Moscou. "Nós categoricamente não aceitaremos a presença da Otan em nossas fronteiras, especialmente devido aos atuais rumos do governo ucraniano", disse.

Questionado sobre o que quis dizer com a ameaça de "ação técnico-militar" se as negociações falharem, Lavrov respondeu: "Medidas para implantar equipamentos militares, isso é óbvio". E completou: "Quando tomamos decisões com equipamentos militares, entendemos o que queremos dizer e para o que estamos nos preparando".

Por outro lado, o governo ucraniano divulgou que o presidente Volodimir Zelenski propôs uma reunião com seus homólogos americano e russo, o que ainda não tem data marcada. Seu gabinete ressaltou que "a vida e a morte" do país estão em jogo. Impopular, o mandatário tem buscado se reforçar com o discurso de defesa da pátria, mas a situação precária no Donbass (o leste do país) e a flexão de musculatura militar russa o pressionam.

Ainda nesta sexta, o centro russo de pesquisas Levada publicou em seu site um levantamento que aponta que uma possível guerra mundial amedronta 56% dos russos, estando abaixo apenas do medo de "perder alguém amado", citado por 82% dos entrevistados. O número, porém, é menor do que o registrado em março do ano passado, quando 62% da população temia um conflito global.

A agência Reuters ainda informou que o governo americano vem consultando diversas multinacionais de energia para elaborar um plano de contingência para o fornecimento de gás natural para a Europa. A informação foi confirmada por fontes das empresas e da gestão Biden que pediram anonimato.

A ação está ligada ao temor com a eventualidade de um conflito da Rússia com a Ucrânia afetar as relações de Moscou com a União Europeia e, como consequência, o abastecimento do produto. Hoje, cerca de 40% do gás usado pelos europeus vem da Rússia. A agência não confirmou quais empresas foram contatadas, mas reportou que elas informaram os EUA que a margem de manobra hoje nesse setor é pequena.

Ucrânia investiga ataque hacker a sistemas do governo

Autoridades da Ucrânia investigam um enorme ataque cibernético que atingiu cerca de 70 sites de órgãos governamentais nesta sexta-feira (14), incluindo o do Ministério das Relações Exteriores. Embora evitassem acusar diretamente Moscou, os ucranianos deixaram claro que há indícios de que o ataque seja uma ação liderada por serviços secretos do país vizinho.

A Rússia não comentou oficialmente o episódio, como esperado, mas já negou, em outros episódios, patrocinar ataques de hackers. Uma das hipóteses consideradas pelo Ocidente como prenúncio de uma eventual ofensiva militar de Moscou no vizinho é a de uma grande ação hacker contra infraestruturas estratégicas para desorganizar as autoridades.

A Otan respondeu anunciando que assinará um novo acordo com Kiev para estreitar a cooperação militar na área de defesa cibernética. O secretário-geral do órgão, Jens Stoltenberg, disse em comunicado que especialistas já estão trabalhando com as autoridades ucranianas para responder ao ataque.

Autoridades ucranianas negaram ter havido vazamento de dados pessoais ou danos graves aos sistemas. De acordo com os serviços secretos do país, "o conteúdo dos sites não mudou". "Grande parte dos recursos do governo afetados foi restaurada, e as outras estarão acessíveis novamente em breve", afirmaram, acrescentando que algumas páginas foram desativadas voluntariamente "para evitar a propagação dos ataques".

O principal diplomata da União Europeia, Josep Borrell, condenou o ataque e disse que o comitê político e de segurança do bloco europeu e as unidades cibernéticas se reuniriam para ver como ajudar Kiev. "Não posso culpar ninguém, pois não tenho provas, mas podemos imaginar", disse.​

Em outra frente, a princípio sem relação com o ataque aos serviços ucranianos, a Rússia desmantelou nesta sexta o grupo criminoso REvil, apontado como responsável por ciberataques contra empresas que operam em solo americano. Um dos presos estaria ligado a uma ação, em maio de 2021, contra a Colonial Pipeline que afetou o abastecimento de combustível nos EUA.

De acordo com o serviço de inteligência russo, 14 pessoas foram presas e o equivalente a R$ 37,5 milhões foram apreendidos, em valores em rublos, dólares e euros. Os detidos podem pegar até sete anos de prisão.

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