Descrição de chapéu Europa

Canadá amplia repressão a ato de caminhoneiros com estado de emergência nacional

Protesto contra medidas sanitárias bloqueia capital Ottawa pela terceira semana seguida e respinga na Europa

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Guarulhos e São Paulo

O premiê Justin Trudeau declarou emergência nacional no Canadá, nesta segunda-feira (14), o que permite ao governo usar a força para tentar acabar com os protestos de caminhoneiros que bloqueiam há mais de duas semanas as ruas centrais de Ottawa, capital do país.

Com isso, o Executivo nacional ganha por 30 dias o poder de suspender determinadas liberdades civis para manter a ordem, como impedir reuniões públicas e restringir o acesso a certas partes do país. A decisão precisa ser aprovada pelo Parlamento em uma semana, mas passa a valer no dia em que é publicada.

"O governo invocou a Lei de Emergências para complementar a capacidade provincial e territorial de fazer frente aos bloqueios e ocupações", afirmou Trudeau em entrevista coletiva, acrescentando que os militares não seriam acionados nesse momento. "Os bloqueios estão prejudicando nossa economia e ameaçando a segurança pública. Não podemos e não vamos permitir que atividades ilegais e perigosas continuem."

Trudeau é o primeiro líder do país a recorrer ao Emergencies Act, dispositivo criado na década de 1980 para substituir uma legislação de 1914 —o texto fora elaborado no contexto da Primeira Guerra Mundial, para proteção de segurança nacional durante o conflito.

Manifestante que se recusava a deixar a ponte Ambassador é detido pela polícia do Canadá - Carlos Osorio - 13.fev.2022/Reuters

A lei anterior só havia sido usada três vezes na história do país: nas duas grandes guerras e na chamada Crise de Outubro, quando em 1970 o grupo separatista Frente de Libertação do Québec sequestrou um diplomata britânico —a lei marcial à época possibilitou centenas de prisões. Curiosamente, o primeiro-ministro na ocasião era Pierre Trudeau, pai do atual premiê.

O atual líder canadense vinha sofrendo com os protestos, com críticas a sua resposta aos atos e com a pressão dos Estados Unidos para acabar com os bloqueios e por ter demorado a agir.

Antes de o decreto ser emitido nesta segunda, na província canadense de Alberta policiais prenderam 11 pessoas que, segundo as autoridades, pretendiam usar de violência para apoiar o movimento antivacina dos caminhoneiros. Com elas, foram apreendidas 13 armas, grande quantidade de munição e um facão.

Além da capital, que tem atualmente cerca de 400 caminhões restringindo a circulação de pessoas e mercadorias, várias cidades do país também sofrem com os bloqueios, autodenominados "comboios da liberdade", contra medidas sanitárias, como a obrigatoriedade de um passaporte vacinal para a categoria.

Medidas locais e regionais já haviam sido tomadas contra os atos, como o estado de emergência na província de Ontário. A ponte Ambassador, elo importante entre Windsor, no Canadá, e Detroit, nos EUA, teve o tráfego liberado no final da noite deste domingo (13), após quase uma semana fechada pelos manifestantes.

Por esse ponto na fronteira passam 10 mil veículos comerciais diariamente, com 25% de todo o comércio entre os dois países. Na sexta-feira (11), uma liminar impediu o bloqueio da via, e policiais prenderam pelo menos 25 pessoas durante a operação de desobstrução.

O bloqueio da Ambassador havia virado ponto de tensão na relação com Washington. Liz Sherwood-Randall, conselheira de Segurança Nacional do presidente Joe Biden, elogiou o que descreveu como esforços decisivos do Canadá. Montadoras de Detroit chegaram a interromper a produção por causa da situação.

Se na fronteira o fluxo começou a voltar ao normal, na capital Ottawa centenas de caminhoneiros entram na terceira semana de protestos. A administração local havia anunciado um acordo parcial com os líderes das manifestações no domingo, que teriam se comprometido a deixar as áreas residenciais do centro em 24 horas.

Antes do decreto de Trudeau, o prefeito Jim Watson havia dito que a proposta faria com que os caminhoneiros deixassem uma região onde vivem 15 mil pessoas, mas que não seriam forçados a sair da Wellington street, onde estão concentrados prédios da administração pública. "Minha preocupação tem sido dar algum alívio às pessoas que vivem nessas áreas."

Em repúdio ao que descrevem como impunidade, centenas de moradores organizaram contraprotestos, carregando cartazes com frases como "vão para casa, caminhoneiros" e "nossos vizinhos não merecem isso". Relatos da emissora pública CBC indicam que grupos de 200 a 500 pessoas se reuniram em diferentes pontos de Ottawa contra os bloqueios, em protestos chamados pelas redes sociais.

Causou estranhamento na população local a demora e a dificuldade dos policiais de Ottawa para conter os manifestantes. Em partes, a situação se deve à enxuta força policial da cidade. Município pequeno, com cerca de 1 milhão de habitantes, a capital do Canadá tem menos de 1.500 policiais —um agente para cada 667 moradores—, segundo números levantados pelo jornal The New York Times.

Soma-se a isso o fato de que alguns dos líderes do comboio são ex-policiais e veteranos do Exército. "É um nível totalmente sofisticado de manifestação", disse o chefe da polícia de Ottawa, Peter Sloly, durante entrevista coletiva na quinta (10).

País inicia flexibilização de restrições

Em outra frente para tentar acalmar os manifestantes, o governo da província de Ontário, a mais populosa do país, anunciou que vai acelerar seu plano de flexibilização de restrições relacionadas ao enfrentamento da pandemia. De acordo com as autoridades, o passaporte vacinal será suspenso em 1º de março, e a partir desta quinta (17), bares e restaurantes poderão funcionar com suas capacidades máximas. O uso de máscaras, por outro lado, permanecerá obrigatório.

O primeiro-ministro de Ontário, Doug Ford, porém, ao menos publicamente evita atribuir o anúncio à pressão de manifestantes antivacina. Segundo ele, as flexibilizações serão possíveis em razão da queda de novas hospitalizações na região. "Dado o quão bem Ontário se saiu na onda da ômicron, podemos acelerar nosso plano de reabertura", disse.

Em Alberta, a partir desta segunda, alunos não serão mais obrigados a usar máscaras nas escolas. Na semana passada, a província também encerrou seu sistema de passaporte de vacinas e removeu limites de capacidade para locais pequenos.

Os protestos canadenses respingaram em outros países, especialmente os europeus. Após uma tentativa frustrada de realizar mobilização semelhante na capital francesa, Paris, centenas de veículos que participam de atos contra o passaporte sanitário seguem até a cidade de Bruxelas nesta segunda (14).

Quase 1.300 carros teriam se concentrado na cidade de Lille, perto da fronteira franco-belga, segundo a polícia local. Ao som de buzinas em um estacionamento, os participantes gritavam frases como "não cedemos a nada" enquanto exibiam a bandeira nacional francesa. "Vamos a Bruxelas para tentar lutar contra essa política de controle permanente", disse à agência de notícias AFP Jean-Pierre Schmit, 58, desempregado francês que participa da mobilização.

As autoridades belgas proibiram qualquer manifestação na capital Bruxelas com veículos motorizados. O prefeito da cidade, Philippe Close, anunciou que 30 veículos foram interditados nesta segunda quando tentavam seguir para a cidade. Já o premiê Alexander de Croo sugeriu na sexta que os manifestantes deveriam desistir de viajar a Bruxelas e recomendou que "protestem em seus países".

A polícia divulgou comunicados nas redes sociais que destacam a proibição de protestos com veículos e recomendam que os manifestantes não sigam de carro até Bruxelas. Os comboios devem ser direcionados a um estacionamento de um centro de exposições na periferia da cidade. Os participantes de um protesto similar em Haia, na Holanda, também anunciaram a intenção de seguir até a Bélgica.

Com The New York Times e AFP

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