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Vitor Bastos Freitas de Almeida

Concessão de visto humanitário a ucranianos reforçaria posição diplomática do Brasil

Não há tempo para omissões ou indefinições da diplomacia brasileira

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Vitor Bastos Freitas de Almeida

Advogado especializado em migração e refúgio

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia a Estatística), cerca de 500 mil ucranianos e descendentes vivem em terras brasileiras, o que representa a quarta maior comunidade do mundo.

Em nota oficial enviada à cidade-irmã na Ucrânia, Ternópil, o município de Prudentópolis (PR), que abriga uma das maiores comunidades de descendentes de ucranianos fora da Ucrânia, disse que está pronto para prestar ajuda no que for preciso: "Prudentópolis segue com as portas e com o coração aberto ao povo ucraniano". Em 2021, a língua ucraniana foi oficializada como co-oficial no território do município.

Evidente que, em razão da distância, o Brasil dificilmente será a primeira opção de acolhimento para ucranianos fugindo do país, deslocamento que ocorre, hoje, exclusivamente por meio da fronteira terrestre, alcançando montante de 500 mil refugiados que cruzaram as fronteiras com Polônia, Hungria, Romênia e Moldávia nos últimos quatro dias, segundo o Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados).

Ucranianos chegam a campo temporário de refugiados na Polônia, nesta segunda-feira (28) - Yara Nardi/Reuters

Ainda é cedo para qualquer afirmação sobre as consequências da guerra iniciada pela Rússia, mas, tendo em vista a grande comunidade residente no Brasil, existem chances consideráveis de que o fluxo de deslocados forçados da Ucrânia estabeleça alguma rota para o nosso país.

À primeira vista, existem algumas possibilidades migratórias para ucranianos no Brasil, mas urge inaugurar o debate sobre um novo visto de acolhida humanitária destinado a ucranianos, tanto como política migratória quanto como reforço da posição diplomática brasileira em repúdio à investida russa.

O contexto de conflito armado é característico do visto de acolhida humanitária, o que torna esta opção uma iniciativa necessária e urgente do governo brasileiro. A regulamentação de vistos de acolhida humanitária, uma inovação trazida pela Lei de Migração desde novembro de 2017, depende exclusivamente de ato do Poder Executivo, sendo que até hoje foram estabelecidos para somente três países: Haiti, Síria e Afeganistão.

As flexibilizações documentais, como possibilidade de embarque sem passaporte válido ou até mesmo sem documento de viagem, atendem a demandas próprias de uma situação de conflito armado, de modo que o visto de acolhida humanitária para pessoas atingidas pela guerra na Ucrânia serviria não apenas para atender à demanda de um visto com mais flexibilidades, mas também para sinalizar de maneira firme, em consonância com a posição brasileira no Conselho de Segurança da ONU, a oposição à guerra iniciada pela Rússia e a solidariedade aos ucranianos atingidos.

Apesar do voto contrário à Rússia no Conselho de Segurança, até o momento não houve posicionamento contundente do Chefe de Estado brasileiro condenando a guerra, em descompasso com outros líderes latino-americanos. Assim, resta a dúvida: quais as alternativas hoje para ucranianos que desejam chegar ao Brasil e encontrar acolhimento da sua comunidade que aqui reside e do povo brasileiro?

De início, importante lembrar que a solicitação de refúgio é uma possibilidade somente após a chegada em solo brasileiro. Antes disso, a questão chave é: que tipo de visto os ucranianos podem usar para embarcar em uma viagem ao Brasil?

Podemos falar de três modalidades principais de vistos para a vinda de ucranianos neste momento, duas já existentes e outra que depende de regulamentação e vontade política do governo brasileiro. São elas: 1) visto de visita; 2) visto de reunião familiar; 3) visto de acolhida humanitária.

O visto de visita substituiu o chamado visto de turismo desde a vigência da Nova Lei de Migração (Lei 13.445/2017). Segundo o Quadro Geral de Regime de Vistos para a Entrada de Estrangeiros no Brasil divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores, ucranianos em visita ao país estão dispensados da obtenção de qualquer visto em repartições consulares para estadias de até 90 dias a cada 180 dias.

Ou seja, apenas portando o passaporte válido poderiam viajar ao Brasil como visitantes e, uma vez em território nacional, solicitar refúgio.

Do ponto de vista prático, seria a melhor e mais rápida alternativa, pois não haveria necessidade de aguardar a tramitação do visto em repartições consulares, o que pode levar meses. Do ponto de vista legal, em regra, se verificado que o visto de visita está sendo usado para uma finalidade diferente da estada de curta duração, seria possível o impedimento do embarque ou a inadmissão no Brasil.

No entanto, a questão crucial está mais relacionada à autorização do embarque pela companhia aérea do que à autorização de entrada no Brasil propriamente dita: uma vez em território brasileiro e após solicitar refúgio, o que pode ser feito na Polícia Federal do próprio aeroporto de desembarque, não há alternativa às autoridades brasileiras senão o recebimento do pedido e a autorização de ingresso e residência provisória no país até decisão definitiva do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), com possibilidade de usufruir de todos os direitos, em igualdade com demais migrantes regulares e brasileiros no país até a decisão.

Já a alternativa do visto de reunião familiar é mais específica e com alcance significativamente menor, podendo servir para pessoas que possuem familiares diretos no Brasil e não têm urgência para a vinda ao país.

É um procedimento que envolve mais exigências documentais, o que acarretaria também verificar se as famílias ucranianas tiveram condições de reunir seus documentos antes de fugir. Como vantagem, os familiares que chegarem ao Brasil com esta modalidade de visto teriam direito à autorização de residência permanente de imediato, sem necessidade de aguardar uma decisão do Conare, como no caso dos solicitantes de refúgio.

Em que pese a praticidade de utilizar o visto de visita para ingressar no país, que parece a melhor alternativa no momento, a necessidade de apresentação de documento de viagem válido pode representar empecilho para pessoas que não tinham planos de viagens internacionais ou até mesmo que não conseguiram levar consigo seu documento de viagem no momento de fuga da Ucrânia.

Assim, chegamos à terceira opção, ainda inexistente, mas que pode ser criada a qualquer momento pelo Poder Executivo a partir da publicação de norma infralegal, regulamentando um novo visto de acolhida humanitária voltado a pessoas atingidas pela guerra na Ucrânia, a exemplo do que recentemente foi feito em resposta à tomada de controle do Afeganistão pelo Talibã.

Na chegada ao Brasil, seria possível transformar o visto em autorização de residência temporária, podendo ser convertida em indeterminada, após alguns anos.

Com a guerra escalando, não há tempo para omissões ou indefinições da posição diplomática brasileira, que deveria também se estender à acolhida humanitária de ucranianos no Brasil.

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