Falta de chuvas deixa um terço de Portugal em seca extrema e afeta cotidiano

Governo suspende produção de energia para abastecer cidades, e paisagem é alterada em muitos locais

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Lisboa

Há 17 anos não chovia tão pouco em Portugal em janeiro. No fim do mês passado, todo o território continental do país encontrava-se em situação de seca, sendo 34% em seca severa e 11% em seca extrema.

Em fevereiro, as chuvas têm continuado abaixo dos níveis normais para o período e, embora ainda não falte água nas torneiras, a estiagem já afeta a vida dos portugueses.

Para priorizar o abastecimento humano em meio à escassez hídrica, o governo determinou a suspensão da produção de energia hidrelétrica em cinco barragens. A medida vale inicialmente até 1º de março, quando será reavaliada.

Reservatório da barragem do Alto do Lindoso, no rio Lima, revela antiga aldeira submersa devido à seca
Reservatório da barragem do Alto do Lindoso, no rio Lima, revela antiga aldeira submersa devido à seca - José Sérgio - 27.jan.22/Público

Autoridades lusas afirmam que o abastecimento no país não será comprometido pela mudança, mas ainda não está claro se haverá impacto no preço da conta de eletricidade —que já passou por sucessivos aumentos nos últimos meses.

Em vários pontos de Portugal, a seca provocou mudanças profundas na paisagem. Na região do rio Zêzere, no centro do país, proliferam pontos em que o solo está completamente seco e com grandes rachaduras.

O nível das águas caiu tanto que acabou revelando as ruínas da antiga aldeia do Vilar, submersa há quase 70 anos quando da implementação de uma barragem.

No norte, a diminuição acentuada do volume da barragem do Lindoso expôs outro antigo povoamento submerso, a aldeia de Aceredo.

"Sempre houve secas em Portugal, porque nosso tipo de clima leva a que realmente haja períodos assim. Mas eram situações mais pontuais, que não se verificavam com uma frequência tão grande quanto nos últimos anos", avalia Vanda Pires, climatologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Segundo dados da entidade, nos últimos seis anos o nível de precipitação mensal em janeiro esteve sempre abaixo do valor considerado normal para o período. Mas, entre os últimos 91 anos, 2022 é o sexto entre os que registraram menor volume de chuvas no mês de janeiro.

Diretamente impactado, o setor agropecuário também já contabiliza os prejuízos. A Confederação Nacional da Agricultura defendeu que a situação da seca já é bastante preocupante.

No Algarve, no sul, a falta de chuvas já afeta o cultivo de laranjas, uma das principais culturas da região. Ainda que muitos produtores tenham acesso a sistemas de irrigação, a rega suplementar não basta para compensar totalmente a ausência de chuvas. Além de comprometer a viabilidade das frutas, a ausência de água diminui o volume da produção. Produtores de cereais e de amêndoas também estão em alerta.

Já na pecuária, a estiagem afeta os custos de alimentação dos rebanhos. Sem chuvas, o pasto natural –que a essa altura já deveria estar verdejante– não é suficiente para a nutrição dos animais. Com isso, produtores são obrigados a recorrer a rações para garantir a alimentação do gado. O aumento dos custos de produção já começa a ser repassado para os consumidores.

Além de mais seco, o mês também foi particularmente quente. A temperatura máxima do ar foi a mais alta dos últimos 90 anos para o mês de janeiro, com média de 15,3°C.

O calor tornou-se motivo de comemoração para turistas, que têm aproveitado os dias ensolarados para lotar as ruas das principais cidades portuguesas. A combinação de ar quente e seco, porém, tem favorecido a ocorrência de incêndios florestais —outro desafio enfrentado no país.

Dados preliminares do Instituto Nacional de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) apontam que janeiro de 2022 teve 500 registros de incêndios a mais do que o mesmo período de 2021. O cenário levou representantes da Proteção Civil de diversas cidades a expressarem preocupação, apelando à população para evitar queimadas com fins agrícolas em suas propriedades.

Na avaliação da climatologista Vanda Pires, a crise climática tem um peso determinante sobre as mudanças já perceptíveis em Portugal. Além de fazer essa associação, a especialista também alerta para o risco de que, após esse período de escassez, ocorram chuvas torrenciais.

"Não quer dizer que vá acontecer já neste ano, mas muitas vezes é exatamente isso que ocorre. Às vezes, na sequência de período de seca em Portugal, há situações de muita precipitação", explica. "Para o solo, isso também não é bom. Um solo que está muito seco e de repente recebe quantidades grandes de precipitação não consegue reter essa água com tanta eficiência."

A falta de chuvas está afetando toda a Península Ibérica. Na vizinha Espanha, várias regiões também se encontram em situação de seca, sendo a Andaluzia e a Catalunha as mais atingidas. Diante da situação, o governo espanhol manifestou preocupação.

Nesta quinta-feira (17), o Parlamento Europeu se reuniu para discutir o tema, mas nenhuma decisão concreta foi tomada. Os eurodeputados, no entanto, chamaram a atenção para a gravidade do problema, sobretudo para os agricultores da região, e pediram mais apoios para o setor.

O comissário europeu para a agricultura, Janusz Wojciechowski, já se reuniu com os ministros da área de Portugal e Espanha para discutir que fundos da União Europeia podem ser mobilizados para apoiar o setor.

Embora considerada preocupante, a seca atual em Portugal ainda está longe dos efeitos da que houve em 2005, a pior dos últimos 60 anos, quando todo o país foi afetado e milhares de pessoas chegaram a ficar sem água em casa.

Desde então, Portugal investiu em uma série de medidas para mitigar os efeitos da falta de chuva. Além da construção de barragens e otimização do uso de aquíferos, o país procurou aprimorar sistemas de abastecimento doméstico e de irrigação para a agricultura.

Especialistas alertam, no entanto, que é preciso mais investimento, além de um trabalho de recuperação de infraestruturas desgastadas. Para Pires, do IPMA, Portugal também precisa planejar melhor a destinação de seus recursos hídricos.

"Temos de pensar na adaptação a essa realidade [de crise climática]. É preciso haver uma otimização dos recursos, com menor desperdício de água", diz. A previsão do tempo para os próximos dias por enquanto não indica volumes significativos de chuva.

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