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Jovens jornalistas de Hong Kong denunciam 'morte da imprensa livre'

Após fechamento de várias empresas de mídia, profissionais temerosos procuram trabalho em outros setores

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Chan Ho-Him
Hong Kong | Financial Times

Cinco anos é o tempo médio que dura a carreira profissional de muitos jornalistas jovens em Hong Kong —ou, pelo menos, era o que me diziam brincando meus amigos da escola de jornalismo. Trabalhar numa profissão mal paga, com jornadas de trabalho longas e irregulares, é algo que só se sustenta quando quem o faz nutre uma paixão profunda pelo ofício.

Mas no mês passado dezenas de jornalistas com menos tempo de carreira que isso foram expulsos à força do setor quando dois sites de jornalismo populares e independentes, Stand News e Citizen News, foram fechados em decorrência de pressão crescente das autoridades.

Artista honconguês Kacey Wong lê a última edição do Apple Daily, jornal de Hong Kong fechado em 2021
Artista honconguês Kacey Wong lê a última edição do Apple Daily, jornal de Hong Kong fechado em 2021 - Sam Yeh - 5.ago.21/AFP

Inúmeros jornalistas denunciaram a "morte da imprensa livre" em Hong Kong. Com pelo menos 15 jornais com um misto de tendências políticas e mais de quatro canais de jornalismo para uma população de 7,4 milhões de pessoas, a imprensa vibrante da cidade era saudada no passado como uma das mais livres da Ásia.

Não são apenas os casos mais recentes de veículos fechados que vêm desanimando jornalistas de Hong Kong. Em 2020 Pequim impôs uma lei ampla de segurança nacional que levou dezenas de ativistas pró-democracia a serem presos ou a fugir da cidade e resultou no fechamento forçado de mais de 50 organizações da sociedade civil.

Os efeitos da legislação ainda estão se alastrando. O maior jornal pró-democracia da cidade, Apple Daily, foi fechado em junho do ano passado, após uma batida policial e a prisão de integrantes de sua direção.

Uma repórter de vinte e poucos anos do jornal de língua chinesa Ming Pao, que não quis se identificar, disse que não há liberdade, e que o salário é tão baixo que ninguém mais quer começar na profissão. Ela própria vai para um emprego mais bem pago na área de relações públicas.

Também o Ming Pao, veículo de posição centrista para o qual trabalhei quando era jornalista principiante, foi atacado no mês passado, quando um jornal pró-Pequim acusou um de seus colunistas de "assumir o papel do Apple Daily de incitar" o ódio às autoridades. Pelo menos seis repórteres jovens que conheço no jornal o deixaram e trocaram de profissão nos últimos seis meses.

Muitos dos jornalistas demitidos foram trabalhar em outras áreas. Alguns viraram motoristas de táxi ou entregadores de comida; outros estão temporariamente inativos ou deixaram Hong Kong.

As chamadas "linhas vermelhas" traçadas pela legislação de segurança —que proíbe atos de secessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras— são tão mal definidas que, segundo jornalistas que trabalham na mídia local, os chefes vêm tomando medidas de precaução. Entre elas há um inusitado aviso de isenção de responsabilidade publicado na seção de opinião do Ming Pao dizendo que os artigos publicados ali "não têm o intuito de incitar o ódio ou insatisfação" com o governo.

A autocensura é comum entre editores e repórteres. Alguns veículos alçaram a cargos seniores jornalistas veteranos vistos por alguns como mais moderados. O diretor de um canal teria dado ordens de eliminar reportagens publicadas online de teor possivelmente provocativo. Jornalistas falam de repórteres diligentes que faziam perguntas incômodas e cujos contratos de trabalho não foram renovados.

Burocratas se niores como John Lee, o poderoso secretário-chefe de Hong Kong, vêm travando guerra contra alguns veículos de imprensa que taxam de "maus elementos" e "maçãs podres". Mas Carrie Lam, a líder de Hong Kong, tem insistido em múltiplas ocasiões que a liberdade de imprensa continua intacta.

Um ex-repórter do Apple Daily, na casa dos 20 anos e procurando trabalho há meses, classifica o cenário de desanimador. Para ele, as autoridades estão procurando redefinir a liberdade de imprensa. Por exemplo, em entrevistas coletivas, mais veículos estreitamente ligados ao governo são chamados para formular perguntas.

Muita coisa mudou desde que eu comecei como jornalista. Em 2012 testemunhei uma cena que fortaleceu minha ambição de ingressar na profissão: um jornalista perguntou ao então executivo-chefe Leung Chun-jing, em seu primeiro dia no novo cargo, se ele deixaria de responder às perguntas de jornalistas depois de ser eleito. Isso levou o líder, surpreso, a ficar mais tempo no local e responder a perguntas.​

Hoje, diz um jovem repórter da emissora pública RTHK que não quis ser identificado, cada palavra colocada em perguntas e reportagens é posta sob lupa.

Segundo ele, uma única palavra "errada" pode custar o emprego ou, ainda pior, levar alguém à prisão. O jornalista se limita a dizer a si mesmo, quando vê a prisão de um colega, que precisa trabalhar melhor para fazer sua parte também.

Tradução de Clara Allain

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