ONGs elevam tom anti-Israel com acusação de apartheid contra palestinos

Críticos apontam antissemitismo e politização de entidades de direitos humanos como HRW e Anistia Internacional

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Washington

O relatório publicado na semana passada pela Anistia Internacional —que definiu políticas públicas de Israel como parte de um regime de apartheid, um crime contra a humanidade— parece encorpar um crescente consenso entre organizações de direitos humanos a respeito da disputa entre palestinos e israelenses.

Antes da Anistia Internacional, outras duas grandes entidades tinham usado semelhante termo vexatório. A primeira foi a israelense B’Tselem, em janeiro de 2021. Veio depois a Human Rights Watch, sediada nos Estados Unidos, que chegou à mesma conclusão três meses depois.

Mulher protesta contra jogo entre Israel e Escócia realizado em Glasgow
Mulher protesta contra jogo entre Israel e Escócia realizado em Glasgow - Lee Smith - 9.out.21/Action Images/Reuters

A repetição da palavra "apartheid" pela tríade marca uma mudança de estratégia, apostando em uma escalada retórica em prol dos palestinos. O termo se refere ao sistema vivido na África do Sul de 1948 ao início dos anos 1990, com a segregação violenta de negros. Em 2002, o Tribunal Penal Internacional tipificou o apartheid, categorizando-o como um crime contra a humanidade.

Em resumo, a corte decidiu que existe apartheid quando um grupo racial oprime e domina outro com a intenção de perpetuar um regime. É o caso de Israel, dizem esses grupos.

As autoridades israelenses, assim como alguns de seus principais aliados no tabuleiro global, rejeitam a acusação e a comparação com a África do Sul. Afirmam que as organizações de direitos humanos se aliaram para deslegitimar Israel —entre outros motivos, por antissemitismo. Não existe, dizem, qualquer esforço sistemático para oprimir ou dominar a população palestina.

O debate não é novo, e tampouco configura algo inédito alguém comparar Israel com a África do Sul de outros tempos. A discussão é quase um gênero em si, tanto que há um extenso verbete na enciclopédia virtual Wikipedia dedicado a ela. Mas algumas das grandes organizações evitavam essa palavra até agora.

"As práticas discriminatórias de Israel vinham sendo documentadas há décadas, mas havia alguma hesitação do ponto de vista da estratégia de advocacia", diz Saïd Benarbia, diretor regional da Comissão Internacional de Juristas (ICJ, na sigla em inglês). Em ocasiões anteriores, as acusações de apartheid foram recebidas como evidência de antissemitismo. "Existia um debate, entre as organizações de direitos humanos, sobre se era mesmo produtivo usar o termo."

A balança parece agora ter pendido na direção do "sim". Entre as razões citadas pela Anistia Internacional para a nova classificação está o fato de palestinos e israelenses estarem sujeitos a sistemas legais distintos em algumas situações. A organização cita também a demolição sistemática de casas palestinas, o acesso desigual à cidadania, a disparidade nos serviços públicos e os obstáculos à circulação de pessoas, entre outras acusações documentadas.

"Existe um padrão de discriminação contra palestinos e árabe-israelenses que favorece um grupo em detrimento de outro", afirma Benarbia. "É um sistema de opressão e de dominação." Ele cita também uma lei aprovada em 2018 que definiu Israel como Estado-nação do povo judeu, vista como discriminatória.

Eugene Kontorovich, professor de direito na Universidade George Mason e especialista legal no conflito árabe-israelense, rejeita todas essas acusações. "É mais do que um exagero, é uma inversão da verdade", diz. Kontorovich troca a equação e afirma que, na verdade, são os palestinos que cometem apartheid nos territórios da Cisjordânia, discriminando todos os judeus.

O professor avalia que as acusações feitas pelas organizações de defesa dos direitos humanos estão equivocadas. Por exemplo: se há sistemas legais diferentes na Cisjordânia, segundo ele, é devido a um entendimento entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina, que governa parte desses territórios.

O termo apartheid não serve para descrever essa situação, afirma Kontorovich, porque se refere a uma experiência histórica bastante específica e distinta. Israel, para ele, não satisfaz os critérios de opressão e dominação sistemática definidos pelo Tribunal Penal Internacional.

Os defensores de Israel afirmam, também, que organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch dedicam uma atenção desproporcional ao país —enquanto ignoram crimes cometidos em outros lugares, como na China, que tem violentamente reprimido os muçulmanos uigures, por exemplo.

"Não há um crescente consenso de que Israel é um regime de apartheid", diz Kontorovich, refutando a tese da reportagem. Tanto que países como os Estados Unidos e a Alemanha foram a público criticar o relatório da Anistia Internacional. Essas organizações de direitos humanos são, segundo o professor, extremamente politizadas —e representam a minoria, ademais.

A estratégia de tais grupos, diz, é forçar as Nações Unidas e o TPI a incluir o crime de apartheid nas investigações que estão fazendo em Israel.

Com esse argumento, Benarbia, do comitê de juristas, concorda. "É importante que, nesse consenso, outras organizações cheguem à mesma conclusão de que Israel é um sistema de apartheid", diz. "Mesmo na imprensa e na opinião pública, temos testemunhado uma mudança de paradigma. As pessoas têm hesitado menos em criticar Israel. Esperamos que mais países adotem essa posição."

Essa mudança de paradigma sugerida por Benarbia tem a ver, em parte, com o que aconteceu em meados do ano passado. Palestinos se mobilizaram —em especial, nas redes sociais e em veículos de imprensa estrangeiros— contra a expulsão de algumas famílias do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém.

A Anistia Internacional cita esse episódio como "emblemático" da opressão de Israel. "A discriminação, a espoliação, a repressão da dissidência, as mortes e as feridas —tudo é parte de um sistema criado para privilegiar judeus israelenses às custas dos palestinos", afirma o texto.

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