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Rússia

Os 3 erros cometidos pelo Ocidente

Entre os equívocos, estão o triunfalismo dos vencedores da Guerra Fria e a ausência de perspectiva nos EUA dos anos 1990 do que seria o futuro da China

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Philip Yang

Fundador do Instituto Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole) e senior fellow do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais)

A guerra se inicia e, claro, aumentam as tensões e incertezas.

Uma boa parte dos comentaristas se debruça sobre cenários e fundamentos da guerra, com parcelas da imprensa ocidental também colocando em questão a legitimidade moral e legal das ações bélicas da Rússia de Putin.

bombeiros em escada diante de edifícios em chamas - vê-se muita fumaça e, ao fundo, o céu muito azul
Bombeiros tentam controlar incêndio após bombardeio na cidade de Chuguiv, na Ucrânia - Aris Messinis - 24.fev.2022/AFP

Todas essas conversas são necessárias e válidas. Mas é essencial lembrar que, ao adentrarmos o terreno da guerra, devemos adotar a chave analítica da realpolitik, o campo da ação e reflexão da política e geopolítica que lida com a realidade crua do poder.

Nessa chave, volto para a década de 1990, para chamar a atenção para três erros básicos cometidos pelo Ocidente.

O primeiro deles foi o triunfalismo que tomou conta dos vencedores da Guerra Fria. O desmantelamento da União Soviética e o fim da ameaça comunista poderiam ter ensejado uma abordagem pacificadora com a decretação do fim da Otan, aliança criada em 1949 para conter uma eventual expansão da Rússia soviética.

No entanto, a atitude ocidental, vale lembrar, foi de continuada e crescente agressividade. De 12 membros originais, a organização passou a abrigar 30 Estados, gerando, compreensivelmente, uma sombra de ameaça existencial e física à integridade da Rússia, então fragilizada.

Como decorrência deste erro moral (e também estratégico, como veremos logo a seguir), o Ocidente se absteve de construir uma política de neutralização de territórios fundamentais para a criação de um ambiente de segurança coletiva na Europa.

Se, no imediato pós-Guerra Fria, tivesse o Ocidente partido para uma política de "finlandização" da Ucrânia (ou seja, a transformação da Ucrânia em Estado soberano, mas com compromisso de absoluta neutralidade em relação às alianças militares), o mundo não estaria vivendo este grau de insegurança pelo qual atravessamos agora.

O ambiente à época era absolutamente propício para tal iniciativa diplomática; não se investiu nisso por mero oportunismo de curto prazo, conduzido pelo poderoso lobby da indústria armamentista dos EUA.

O terceiro equívoco derivou de uma obtusa ausência de perspectiva nos EUA dos anos 1990 do que seria o futuro da China. O establishment americano à época não antecipou que, dali a três décadas, a China se tornaria o seu maior contendor na arena de poder geopolítico e geoeconômico no planeta. Com o aumento das tensões entre leste e oeste, versão 2.0, a derivada mais importante da guerra russo-ucraniana é a entrega da Rússia, na expressão dos bares e botequins, nos colos e braços da China, corpo e alma.

Na perspectiva da realpolitik, a aliança entre Rússia e China para o enfrentamento da confrontação com o Ocidente abre as portas da Europa para a China. Pela primeira vez desde o século 13, ao se "asiatizar" a Rússia em vez de "europeizá-la", o continente euroasiático corre o risco de ser integrado, como no século mongol de Gengis Khan.

Um desvio moral dos EUA nos anos 1990 se revelou um tremendo erro estratégico, com consequências imensuráveis para as gerações futuras que, ademais de toda a violência desnecessária, pode acelerar o presente declínio do Ocidente em relação ao Oriente.

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