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Rebeldes na Ucrânia decretam mobilização e se tornam foco do conflito

Com relatos de explosões em vários pontos do leste do país, cresce suspeita de ação conjunta com o Kremlin

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Moscou

Na origem da crise entre a Rússia e o Ocidente, os territórios rebeldes pró-Kremlin na Ucrânia agora se tornam o palco principal da tensão militar que opõe Vladimir Putin a Joe Biden e a Otan (aliança militar ocidental).

As duas autoproclamadas "repúblicas populares" da região, centradas em torno das cidades de Donetsk e Lugansk, decretaram neste sábado (19) a mobilização militar de todos os homens em idade de pegar em armas. Ambas as entidades acusam Kiev de preparar uma invasão.

Membro do Ministério das Emergências da Rússia checa documentos de refugiados vindos do Donbass
Membro do Ministério das Emergências da Rússia checa documentos de refugiados vindos do Donbass - Andrei Borodulin/AFP

É bastante difícil, como disse Biden na sexta (18), acreditar que os ucranianos fariam tal movimento com ao menos 150 mil soldados russos concentrados em torno de suas fronteiras —para ficar na conta americana, já que Moscou apenas diz que está retirando paulatinamente as tropas que completaram exercícios. Os EUA estimam que 40% das forças estão prontas para agir.

Na madrugada e manhã de sábado (fuso seis horas à frente de Brasília), houve diversos relatos de explosões ao norte de Donetsk —repetidos na madrugada de domingo, ainda noite de sábado no Brasil—, além de informações de troca de fogo mais intensa. Um obus caiu do lado russo da fronteira, 1 km dentro da região de Rostov, segundo o governo local. Ninguém ficou ferido.

Ainda assim, militares ucranianos reportagem dois soldados mortos e quatro feridos em bombardeios na região.

Os acontecimentos fizeram Biden e outros políticos ocidentais dizerem que o que está ocorrendo no Donbass (nome genérico do leste ucraniano, por ser a bacia do rio Don) é uma operação de falsa bandeira —quando ataques são simulados para dar pretexto a uma reação.

Há sinais disso em curso, ainda que haja um histórico de ação independente por parte dos rebeldes, que têm uma relação bastante turbulenta com Moscou.

A evacuação opcional de civis das duas áreas, sugerida pelos governos locais na sexta, foi recebida com surpresa oficial no Kremlin, mas imediatamente o Ministério das Situações de Emergência despachou equipes para Rostov e Putin ordenou que cada refugiado receba 10 mil rublos (R$ 664) de ajuda.

"Eu diria que o risco de um confronto de algum tipo no Donbass subiu muito na semana, para 50%. Mas continuo achando que não haverá nenhuma invasão da Ucrânia toda, como disse Biden", disse a diretora de riscos políticos globais da consultoria britânica Control Risk, Oksana Antonenko.

Há uma semana, ela havia dito não acreditar em guerra em outra entrevista à Folha. Agora, vê um desenvolvimento político em curso. "Me parece que a ideia em Moscou é fazer Kiev negociar diretamente com os separatistas, aceitar Minsk 2."

Ela se refere à segunda versão dos Acordos de Minsk, que em 2015 estabeleceram um cessar-fogo frágil na guerra civil que já matou mais de 14 mil pessoas. O conflito havia começado no ano anterior, quando Putin anexou a Crimeia e apoiou os rebeldes para retaliar a derrubada do governo pró-Moscou em Kiev e evitar a entrada da Ucrânia na Otan e na União Europeia.

Essa conta estava pendurada até agora, quando o presidente russo decidiu usar a força militar para tentar forçar seus termos de segurar a expansão do arcabouço institucional ocidental rumo às antigas fronteiras da União Soviética (1922-91), Ucrânia, Geórgia e Moldova à frente.

Se essa for a tática de Putin, ela implica vários riscos. Kiev afirma que não está atacando os rebeldes, mas essa é uma realidade impossível de aferir, já que há apenas espasmos informativos da região conflagrada. Na TV russa, está descrito um bombardeio intenso contra russos étnicos, música para Putin, que fala em "genocídio de seu povo" na região.

Já na mídia ocidental, é reportada a suspeita da bandeira falsa e a ininterrupta acusação de invasão iminente por Putin, que já dura mais de um mês. Um dado surgiu no site investigativo Bellingcat: a análise de metadados da mensagem da retirada de civis do líder Denis Puchilin (Donetsk) indica que ela foi gravada no dia 16, apesar de ele falar explicitamente em dia 18. Sendo verdade, a justificativa de que a retirada foi determinada pelas escaramuças fronteiriças da quinta (17) perde a força.

Aqui e ali emergem relatos mais isentos, como o de observadores da Organização para Segurança e Cooperação da Europa, que confirmam que algo está acontecendo —só não se sabe o quê. (A entidade falou em 2.000 violações do cessar fogo no sábado.)

Alternativamente, os russos podem ter outra mão no jogo. Putin tem pronto um documento para reconhecer as duas repúblicas, o que mataria Minsk 2 porque ele deixaria de ser um negociador e passaria a ser parte. Por outro lado, facilitaria a entrada de tropas para garantir a segurança dos russos étnicos da região. Além disso, dos 3,8 milhões de habitantes que moram lá, cerca de 700 mil receberam passaportes da Rússia nos últimos anos.

Enquanto isso, o show dos líderes longe do campo continua. Putin comandou exercícios de suas forças estratégicas, nucleares e não nucleares, com lançamentos de mísseis hipersônicos, balísticos e de cruzeiro neste sábado. Recado mais claro, impossível, embora o Kremlin insista em que não quer a guerra e que está esperando uma abertura diplomática do Ocidente.

Já em Munique, onde ocorreu a conferência anual de segurança das potências ocidentais, o secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, voltou a dizer que a crise "é o novo normal, e temos de nos preparar para isso". Ele afirmou que "o risco de ataque total é muito, muito alto", mas que ainda acredita em uma saída negociada. No dia 24 haverá mais uma reunião pessoal entre os chefes da diplomacia da Rússia, Serguei Lavrov, e dos EUA, Antony Blinken.

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, repetiu que Washington e aliados vão impor sanções econômicas "significativas e sem precedentes" à Rússia no caso de invasão, tendo como alvo "instituições financeiras e indústrias-chave".

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha tentou baixar o tom da retórica ocidental, puxada por Biden, de que a incursão se dará "a qualquer momento" —a porta-voz da Casa Branca, aliás, repetiu isso neste sábado. "Ainda não sabemos se o ataque já foi decidido", disse Annalena Baerbock nos bastidores da conferência, acrescentando que a "ameaça contra a Ucrânia é muito real".

No mesmo evento, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, exortou uma "reforma da arquitetura de segurança global" e a imposição de sanções imediatas à Rússia ("o que vocês estão esperando?"), mas disse que não acha que é preciso entrar em pânico.

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