Talvez fosse porque o pai de Kerri Raissian passou um tempo em dois hospitais e uma clínica de enfermagem durante seus últimos 12 dias de vida. Ou porque ele passou só algumas horas na sala de emergência antes de morrer. De qualquer forma, a Covid-19 não foi citada em seu atestado de óbito. Raissian passou o último mês tentando mudar isso.
Estão em jogo milhares de dólares de um programa administrado pela Agência Federal de Gerenciamento de Emergências (Fema, na sigla em inglês), que se destina a aliviar o fardo financeiro das famílias que perderam entes queridos na pandemia. O governo reembolsará até US$ 9.000 (R$ 46,5 mil) em despesas funerárias para as pessoas que morreram de coronavírus, desde que haja a documentação adequada.
"Eu entendo a necessidade de a Fema se proteger contra fraudes, que é a finalidade desse critério do atestado de óbito", diz Raissian, professora associada de políticas públicas na Universidade de Connecticut, que passou horas no telefone tentando obter os arquivos médicos do pai e falar com o médico que certificou sua morte.
Mas os rígidos requisitos e o caos em torno de tantas mortes representam um problema: "Essa política praticamente garante que muitas pessoas que têm direito a esses benefícios não os receberão".
Mais de 900 mil mortes relacionadas à Covid-19 foram relatadas nos Estados Unidos, mas menos da metade foi objeto de reclamação, de acordo com dados da Fema. Cerca de 273 mil candidatos foram pagos, totalizando US$ 1,78 bilhão (R$ 9,2 bilhões), até a última segunda (14).
Como não há prazo para se inscrever, as famílias elegíveis ainda podem solicitar a ajuda. Mas isso pode significar a necessidade de documentos nem sempre simples de se conseguir.
Não tem sido fácil para Raissian, que está tentando recuperar parte dos US$ 13 mil (R$ 67,2 mil) que gastou para enterrar seu pai, Max McGaughey, 86. Ele morreu logo após o Natal, menos de duas semanas depois de ser internado em um hospital do Texas, com Covid. McGaughey recebeu alta para uma unidade de enfermagem especializada, mas foi levado às pressas para o hospital quando seus níveis de oxigênio caíram. Ele morreu de infarto horas depois.
Mas a Covid não foi citada no atestado de óbito, um descuido que sua filha está tentando corrigir obtendo a documentação apropriada dos médicos do primeiro hospital e da unidade de enfermagem. Em seguida, o certificado poderá ser atualizado pelo Departamento de Serviços de Saúde do Texas. "É burocrático e impede o fim do luto, mas também precisamos muito dos benefícios por morte."
O custo médio de um funeral era de quase US$ 8.000 (R$ 41.360) em 2021, segundo a Associação Nacional de Diretores de Funerais. É um fardo financeiro, principalmente para famílias de baixa renda, as mais atingidas pela pandemia, ou para as que enfrentam a despesa muito antes do esperado.
Ellen Wynn McBrayer, presidente da Casa Funerária e Crematório Jones-Wynn, perto de Atlanta, ajudou uma mulher com dois filhos pequenos a planejar o funeral do marido, que morreu de Covid. O programa de reembolso facilitou as despesas repentinas. "Uma família jovem realmente não planeja o fim da vida", diz. "Eles poderão ter uma lápide para visitar no túmulo do pai. Foi uma bênção no meio da tempestade."
A Fema disse que quase 415 mil pessoas solicitaram assistência funerária. Aproximadamente 97% daquelas que forneceram toda a documentação tinham sido aprovadas até 2 de fevereiro. Jaclyn Rothenberg, diretora de assuntos públicos, reconheceu que algumas famílias enfrentaram obstáculos, mas disse que a agência governamental é responsável por fazer sua devida diligência.
"Estamos sempre procurando maneiras de melhorar nosso processo e facilitar para os candidatos, especialmente durante esses momentos difíceis." A Fema também contratou uma empresa para comunicar melhor o que é o programa e como ele funciona.
Os candidatos podem facilitar o processo tendo toda a documentação necessária pronta quando se inscreverem, o que começa com um telefonema para a Fema. Para apresentar um pedido, a pessoa deve ser "um cidadão dos EUA, um cidadão estrangeiro ou estrangeiro qualificado". A pessoa falecida não precisa atender a esses requisitos, mas deve ter morrido nos EUA ou em um de seus territórios.
Para se qualificar, as despesas devem ter sido incorridas após 20 de janeiro de 2020. Todas as despesas de um indivíduo falecido devem ser incluídas no mesmo formulário, disse a Fema. Se várias pessoas pagaram as despesas, deve-se registrar a solicitação, mas incluir a documentação das despesas para todos os que contribuíram. É permitido um correquerente. Os reembolsos são limitados a US$ 35,5 mil se a pessoa perdeu vários entes queridos.
As certidões de óbito emitidas após 16 de maio de 2020 devem listar a Covid como causa direta ou indireta. Para mortes por coronavírus antes disso —quando havia menos testes, no início da pandemia—, há mais flexibilidade: os candidatos podem fornecer uma declaração assinada explicando a conexão pelo certificador original da morte ou o médico legista de onde a pessoa morreu.
O programa não reembolsará contas pagas com assistência de outra fonte, como contratos de funeral pré-pagos ou sepultamento e seguro fúnebre. Mas os candidatos ainda podem ser elegíveis à ajuda da Fema se essas fontes não cobrirem todos os custos.
Lidar com a papelada no meio do trauma emocional é difícil, mas manter registros claros pode facilitar o processo de inscrição. Wynn McBrayer disse que os sobreviventes que pretendem se inscrever no programa devem ter o cuidado de usar seu nome legal completo nos recibos para corresponder ao que será usado no aplicativo. "É uma bênção se você puder encontrar uma bênção nos escombros."
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