Refugiados da Ucrânia aguardam em fila de quilômetros para entrar na Polônia

Governo de Varsóvia afirma que mais de 30 mil pessoas têm cruzado a fronteira por dia

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Andrew Higgins
Medyka (Polônia) | The New York Times

Uma mãe ucraniana de 25 anos entrou na Polônia cambaleando, na sexta-feira (25), carregando no colo seu filho de três anos, doente com câncer. Ela estava a salvo das bombas lançadas pela Rússia, mas deprimida após ter sido separada do marido por ordem de Kiev, que determinou que todos os homens com condições para tal permanecessem no país para resistir na guerra.

"Ele não é apenas meu marido, é minha vida e meu arrimo", diz Olha Zapotochna, uma entre dezenas de milhares de ucranianos, quase todos mulheres e crianças, que têm rumado para Polônia, Hungria e vizinhos. "Entendo que nosso país precisa de homens para combater, mas eu preciso dele mais."

Ukrainian refugees leave Medyka, Poland on a bus to Przemysl after crossing the Ukrainian-Polish border, Feb. 25, 2022. RussiaÕs invasion of Ukraine has pushed tens of thousands of people out of their homes and fleeing across borders to escape violence. But unlike the refugees who have flooded Europe in crises over the past decade, they are being welcomed. (Maciek Nabrdalik/The New York Times)
Grupo de ucranianas refugiadas em ônibus em centro de Medyka, na Polônia, após cruzarem a fronteira - Maciek Nabrdalik - 25.fev.22/The New York Times

O êxodo da Ucrânia se intensificou nesta sexta, diante do medo crescente de que o Kremlin pretende impor sua vontade muito além do leste do país, palco do que Putin alega ser um "genocídio" de russos étnicos. Mais de 50 mil pessoas já fugiram do país, segundo o diretor do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Filippo Grandi. A agência acredita que até 100 mil já foram deslocados.

O serviço de fronteiras da Polônia informou que 29 mil pessoas chegaram da Ucrânia na quinta-feira e muitas mais na sexta, provocando esperas de mais de 12 horas em alguns pontos de travessia. Mais de 26 mil ucranianos fugiram para Moldova e 10 mil para a Romênia.

Entre os que fugiram para a Polônia na sexta-feira, entrando por um posto de fronteira em Medyka, havia russos étnicos como Oksana Aleksova, tão chocados quanto seus conterrâneos com o conflito, as guerras de versões e mentiras, a propaganda política.

O marido de Aleksova é policial aposentado e ucraniano étnico que permaneceu no país. Ela escapou com a filha de 11 anos depois de passar a noite esperando numa fila, que se estendia por quilômetros. A mulher conta que sua cidade, Khmelnitskii, no oeste da Ucrânia, não foi atingida diretamente, mas que bombas russas caíram sobre um aeroporto militar num município próximo.

Aleksova prevê que as forças de Moscou "vão acabar vencendo, é claro", porque têm muito mais soldados e equipamentos melhores que os da Ucrânia. Mas, para ela, o objetivo de Putin "não é apenas derrotar a Ucrânia –é meter medo no mundo inteiro".

Ainda não se sabe se Putin o conseguirá. Mas sua ameaça implícita de usar armas nucleares contra quaisquer países estrangeiros que intervenham em favor da Ucrânia reforçou um consenso que já era sólido entre os membros da Otan –mesmo os que são mais fortemente antirrussos— de não colocar tropas na Ucrânia.

Porém, enquanto ucranianos atravessavam a fronteira polonesa em grande número, Varsóvia anunciou na sexta que um "comboio com munições" seguiu na direção oposta. "Apoiamos os ucranianos e nos opomos com firmeza à agressão russa", disse o ministro da Defesa Mariusz Błaszczak.

Também entravam na Ucrânia grupinhos de homens que diziam estar retornando para combater. "Vamos derrotar a Rússia", gritou um sujeito de meia-idade carregando uma mochila de lona enquanto passava pelos guardas de fronteira poloneses.

Atrás deles, o alemão Viktor Dyk tentava seguir a caminho de Kiev para resgatar sua esposa ucraniana, grávida, e três filhos. Ele parecia apavorado, mas se disse disposto a se arriscar para salvar sua família.

Até 5 milhões de ucranianos podem fugir para países vizinhos se a guerra se arrastar, obrigando a União Europeia —que em 2015 quase se arcou sob o peso de uma crise migratória envolvendo 1,5 milhão de pessoas— a encarar outro fluxo de estrangeiros, agora possivelmente muito maior.

Mas, contrastando com o fluxo anterior e a crise do ano passado em torno de candidatos a refugiados que atravessavam a Belarus para entrar na UE, os governos de Polônia e Hungria, os mais hostis a migrantes, vêm de modo geral dando as boas-vindas a ucranianos.

Quando migrantes do Oriente Médio e do Afeganistão tentaram atravessar furtivamente a fronteira da Belarus no ano passado, forças de segurança polonesas os repeliram com cassetetes. Pelo menos 12 morreram nas florestas da fronteira.

Já os refugiados que estão chegando da Ucrânia estão sendo recebidos com sorrisos, bebidas quentes e transporte para a estação ferroviária mais próxima. Policiais distribuíam frutas, donuts e sanduíches na sala de espera lotada.

Diferentemente dos migrantes que os guardas poloneses impediram de atravessar a fronteira no ano passado, os ucranianos, em sua maioria cristãos e brancos, têm o direito legal de entrar na Polônia e outros países da UE sem visto. Quase 1 milhão deles vivem na Polônia.

E os que sofrem com a Rússia despertam sentimentos de solidariedade nas terras ex-comunistas da Europa do leste e central, cujas populações têm recordações amargas de quando viviam sob o jugo de Moscou.

Em 2015 o governo populista de direita polonês estava na vanguarda de um movimento para resistir à política migratória liberal da União Europeia, como também o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Agora, porém, o mesmo governo está organizando centros de recepção e alojamento temporário para ucranianos.

"Aceitaremos tantos quanto for preciso", disse na segunda-feira o vice-ministro da Defesa Marcin Ociepa.

Ludmila Viitovich atravessou na sexta-feira com seus dois filhos. Depois de sair de Lviv, cidade por enquanto poupada pelos conflitos, disse que ficou agradavelmente surpresa ao encontrar os poloneses tão acolhedores.

Zapotochna, a mãe com o filho doente, conta que decidiu com o marido que ela levaria a criança a um lugar seguro depois de mísseis terem destruído um aeroporto perto da casa deles, em Ivano-Frankovsk, no sudoeste da Ucrânia, na segunda-feira. A viagem de carro até a fronteira polonesa levou 28 horas.

"Espero que possamos voltar. Preciso voltar. Aqui não é meu país", diz, enquanto a sogra, que vive na Polônia e a recebeu na fronteira, tenta consolar o bebê doente. "Ainda estamos vivendo no século 21 —ou pelo menos assim espero."

Tradução de Clara Allain

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