Descrição de chapéu Rússia União Europeia

Rússia anuncia fim de exercícios militares na Crimeia, e Ocidente duvida de retirada; veja vídeo

Não está claro se desmobilização é parte de anúncio anterior; Belarus diz que não haverá soldados russos por lá após manobras

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Moscou

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta quarta-feira (16) que encerrou os exercícios militares que ocorriam na península da Crimeia, anexada por Moscou na esteira da queda do governo pró-Kremlin em Kiev há oito anos.

Para provar o que disse, a pasta publicou um vídeo com imagens de caminhões militares e trens carregando tanques e blindados passando pela ponte inaugurada em 2018 por Vladimir Putin que liga a península ao continente —a Crimeia é isolada fisicamente da Rússia.

Sistemas Totchka-U russos lançam mísseis durante exercício conjunto da Rússia e de Belarus, na região de Gomel
Sistemas Totchka-U russos lançam mísseis durante exercício conjunto da Rússia e de Belarus, na região de Gomel - Ramil Nasibulin - 15.fev.2022/BelTA/Reuters

Não está claro, contudo, se tal desmobilização faz parte daquela que havia sido anunciada pelo governo Putin na véspera. Segundo o ministério, algumas forças dos distritos militares Sul e Sudeste voltariam para suas bases após o fim de manobras.

Foi um recuo calculado por Putin para dar credibilidade às suas falas que misturam desafio geopolítico ao Ocidente e vontade de negociar e que foram resumidas no encontro que teve na terça (15) com o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz.

O anúncio foi bem recebido pelo alemão —​um líder interessado em manter bom contato econômico com a Rússia por depender do gás natural do país—, mas visto com ceticismo em outros lugares. O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que saudava o movimento, mas que ele ainda "precisa ser verificado".

Nesta quarta, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou não haver "nenhuma diminuição significativa" de tropas russas. À noite, uma autoridade militar disse sob anonimato a diversos veículos americanos que Moscou mentiu ao prometer a retirada de tropas e que na verdade mais 7.000 soldados teriam sido mobilizados —o repetido risco de "invasão iminente" também foi citado.

A Otan afirmou que imagens de satélite não mostram tal movimento, assim como informe das Forças Armadas da Ucrânia.

A ministra canadense da Defesa, Anita Anand, disse em visita à sede da Otan em Bruxelas que as evidências são de que ainda há um aumento no número de forças russas. No mar Negro, que banha a área conflituosa, navios russos estão fazendo manobras com tiro real durante a semana toda.

O secretário-geral da entidade, o norueguês Jens Stoltenberg, disse depois que não viu "nenhuma desescalada; ao contrário, parece que há um aumento de forças russas em solo". Falas semelhantes foram repetidas pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em entrevista à BBC, e por Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA.

Não será com um vídeo postado no YouTube que isso se resolverá, é evidente, mas a iniciativa russa é de dar mais transparência a seus anúncios, simbolicamente. Se isso será comprado no Ocidente, é outra história. Biden, no mesmo discurso feito na tarde de terça nos EUA, disse que Putin já conta com 150 mil soldados em torno da Ucrânia.

Por outro lado, a ditadura da Belarus reportou, em entrevista de seu chanceler Vladimir Makei, que "não sobrará um soldado russo" em seu território após o dia 20, quando acabam as temidas manobras conjuntas entre os dois países. Há 30 mil homens de Putin no país, o que levou o Ocidente a anunciar que uma invasão seria iminente, dado que a posição de forças ao norte da Ucrânia se somava àquelas ao sul e ao leste.

A pressão do russo, que sempre poderá dizer que negou querer invadir a Ucrânia o tempo todo, começou em novembro. Ela parecia se referir a um problema antigo, de 2014, que é o status das áreas de maioria russa no leste do país, o Donbass, que ficaram autônomas nas mãos de separatistas depois que uma guerra civil irrompeu com o auxílio do Kremlin, na esteira da anexação da Crimeia.

Logo ficou claro que Putin queria mais: uma solução que impedisse a expansão da Otan (aliança militar ocidental) para suas fronteiras, nominalmente com a adesão proposta em 2008 à Ucrânia e à Geórgia.

O russo tem uma carta diplomática, que são os Acordos de Minsk, cuja segunda versão foi assinada em 2015 e garantiu um cessar-fogo algo mambembe na região. Mas Kiev não quis implementá-lo integralmente porque, na leitura feita por Moscou, ele federaliza a Ucrânia e dá voz aos separatistas —logo, nada de adesão à Otan.

Além da questão militar, que passa pelo temor histórico russo de invasões via Europa, há subjacente a questão política de que a Ucrânia também quer entrar na União Europeia (UE). Foi a pressão feita pelo Kremlin contra um acordo entre Kiev e o bloco em 2014, aliás, que precipitou a derrubada do governo aliado de Putin no país.

Desde que foram separadas com o fim da União Soviética em 1991, Ucrânia e Rússia vivem um balé. Ora Kiev está mais próxima de Moscou, com quem divide a formação cultural e linguística, ora do Ocidente —centrado nas elites do oeste do país, em oposição às áreas russas étnicas do leste e sul.

Em 2004, a Ucrânia viveu uma "revolução colorida", termo ocidental para protestos pró-democracia que são vistos em Moscou como golpes contra sua influência estimulados pelo Ocidente. Não deu certo, e o país voltou a orbitar o vizinho maior, até chegar à crise de 2014.

Putin não quer uma Ucrânia na esfera ocidental, particularmente na Otan mas também na UE, também porque isso poderia animar a oposição russa que ele esmagou sistematicamente nos últimos dois anos. Assim, questões geopolíticas confluem com as domésticas na crise, embora os temas em relação à segurança no Leste Europeu por óbvio se sobreponham.

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