Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Ucrânia se destaca com livros e filmes que se tornaram clássicos

Obras de Gógol e Bulgákov abordam elementos da cultura ucraniana

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São Paulo

Quando se fala dos eslavos do Leste, não é incomum verem mencionadas três nações "irmãs" (hoje em combate): a Rússia propriamente dita; a Rússia branca, ou Belarus; e a Pequena Rússia, ou Ucrânia.

Todas elas descenderiam de uma nação primordial, a Rus, do século 9, cujo centro era Kiev, capital da atual Ucrânia. Seu idioma era o eslavo oriental, que deu origem ao russo, ao belorrusso e ao ucraniano modernos.

Cena do filme "Na Neblina" (2012), dirigido pelo diretor ucraniano Serguei Loznitsa - Divulgação

Como as três nações passaram séculos sob o domínio de Moscou, não é incomum que suas realizações culturais sejam colocadas genericamente sob o guarda-chuva russo.

Nem sempre é simples desenredar os fios seculares que atam culturas ligadas por uma simbiose assimétrica, por vezes com laivos de parasitismo. E quem está longe daquele canto fascinante e embrulhado do planeta pode ter dificuldade até de saber quem é quem.

Por exemplo, uma questão frequente: assim como quem nasce no Brasil é brasileiro, todo mundo que nasceu na Ucrânia é ucraniano?

Uma questão espinhosa historicamente são os judeus de lá —normalmente educados em russo, muitas vezes perseguidos e vitimados por "pogroms" e, não raro, com relação escassa ou inexistente de pertencimento à cultura ucraniana.

É o caso de Boris Schnaiderman, grande mestre da tradução de literatura russa no Brasil, e da escritora Clarice Lispector. Ou ainda da atriz Mila Kunis, que já citou o antissemitismo como razão da emigração de sua família, ainda nos tempos da URSS.

Dentre os mais brilhantes expoentes dessa população, estão os escritores Isaac Bábel (cujos "Contos de Odessa" são crônicas saborosas e cruéis das vicissitudes dos judeus na Ucrânia na virada do século 19 para o 20) e Vassíli Grossman (do monumental "Vida e Destino").

Pois não podemos perder de vista que, na Europa, o que vale para a definição da nacionalidade é a ancestralidade, não o local de nascimento. Assim, não se consideram ucranianos o compositor Serguei Prokófiev, o pintor Iliá Riépin ou a atriz Milla Jovovich.

Por outro lado, o genial artista plástico suprematista Kazimir Malévitch designava a si mesmo como ucraniano com frequência. E escritores que lá nasceram, mas escreveram em russo, como Nikolai Gógol e Mikhail Bulgákov, incorporaram elementos da cultura ucraniana com frequência em seus textos. Como autores que tomaram o ucraniano como idioma, como o poeta Tarás Chevtchenko, não foram traduzidos por aqui, Gógol e Bulgákov talvez constituam a melhor literatura relacionada àquele país acessível ao leitor brasileiro.

Aliás, no século 19, não era incomum artistas russos recorrerem ao folclore da Ucrânia quando queriam impregnar suas obras de caráter "nacional". Para ficar apenas em um exemplo: a segunda sinfonia do celebérrimo Piotr Tchaikóvski é conhecida por "Pequena Russa" por utilizar temas folclóricos ucranianos.


Nessa área, o compositor Nikolai Dilétski escreveu, no século 17, um importante tratado teórico, antecipando formulações que só apareceriam posteriormente no Ocidente. Mais recentemente, é possível mencionar o compositor Valentin Silvéstrov e a maestrina Oksana Liniv —primeira mulher a reger no cultuado Festival de Bayreuth, no ano passado.

O cinema é possivelmente a arte em que os ucranianos obtiveram maior destaque internacional. "Terra" (1930), de Aleksandr Dovjenko, costuma entrar em todas as listas de melhores filmes mudos (não por acaso, é citado em "Manhattan", de Woody Allen).

Na época soviética, floresceram talentos como Serguei Bondartchuk ("Guerra e Paz", "Eles Lutaram pela Pátria"), Guiórgui Tchukhrai ("A Balada do Soldado", "O Quadragésimo-Primeiro") e Larissa Schepitko ("A Ascensão" e "A Despedida").

Hoje, um nome inescapável do documentário (mas também com forte produção ficcional), de tom militante, que já veio ao Brasil, e teve seus filmes exibidos por aqui, é o de Serguei Loznitsa.

Mas talvez a mais potente síntese artística das três "Rússias" que hoje se digladiam seja Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Nobel de Literatura em 2015. Cidadã de Belarus, onde mora, ela escreve em russo, e nasceu na Ucrânia —onde é ambientado um de seus livros mais célebres, "Vozes de Tchernóbil". Sua literatura documental retira do armário os esqueletos que os autocratas de plantão prefeririam trancafiar.

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