Descrição de chapéu mudança climática

Um mês após vulcão e tsunami, 'besuntado de Tonga' alerta para lenta recuperação do país

Atleta faz campanha de arrecadação e relata caos dos efeitos das mudanças climáticas no arquipélago

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Um mês depois de um tsunami ter destruído boa parte de Tonga, o país ainda contabiliza seus danos. Há gargalos no fornecimento de água e itens de socorro, a comunicação ainda opera em níveis insuficientes, parte da população perdeu a fonte de renda e a chegada da Covid-19 motivou um severo lockdown.

O cenário é consequência da erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha'apai, em 15 de janeiro, cerca de 65 quilômetros ao norte da capital Nukualofa. O episódio provocou um tsunami de 1,2 metro, segundo o Escritório de Meteorologia australiano. A erupção durou oito minutos e foi tão forte que foi ouvida "como um trovão distante" a mais de 800 quilômetros de distância, nas ilhas Fiji.

Casas destruídas pelo tsunami na ilha de Tungua, em Tonga - Malau Media - 18.jan.22/Reuters

Imagens de satélite capturadas cerca de 12 horas depois da erupção mostraram que a ilha de Hunga Tonga-Hunga Ha'apai praticamente desapareceu após a explosão, tornando difícil para os vulcanologistas monitorar a atividade em andamento.

Foram três vítimas em Tonga: uma mulher de 65 anos em Mango, um homem de 49 em Nomuka e uma britânica de 50 anos que morreu tentando salvar seu cachorro. As altas ondas do tsunami impactaram ainda comunidades pesqueiras no Japão, nos Estados Unidos e no Peru —onde duas pessoas morreram.

Pita Taufatofua, atleta de taekwondo que se tornou célebre como o "besuntado de Tonga" e realizou uma campanha para angariar fundos destinados à recuperação do país, diz à Folha​ por mensagem que o fato de haver um número baixo de mortes é "um milagre absoluto". O esportista ganhou a alcunha ao desfilar como porta-bandeira nas Olimpíadas do Rio-2016 —depois repetiu a performance em Tóquio-2020 e nos Jogos de Inverno de Pyeongchang-2018.

Filho do governador das ilhas Ha'apai, ele estava na Austrália no momento da erupção (o atleta se reveza entre os dois países). Sua família mora em regiões menos impactadas pelo tsunami e sofreu apenas danos materiais. Até agora, a campanha já arrecadou 833,5 mil dólares australianos (R$ 3,1 milhões), da meta de 1 milhão.

Taufatofua relata que o país vem se recuperando muito lentamente, com as telecomunicações operando em níveis básicos, pois o cabo submarino ainda está danificado, e que áreas atingidas, principalmente as ilhas Ha'apai e parte de Tongatapu, estão destruídas. "As outras áreas onde o tsunami não atingiu foram danificadas pelas cinzas [da erupção do vulcão], e as chuvas recentes começaram lentamente a limpar isso."

Essas cinzas têm dificultado ainda a operação de voos de repatriação de e para Tonga, que devem ser retomados nesta terça-feira (15), de acordo com o Escritório Nacional de Gerenciamento de Emergências (Nemo, na sigla em inglês).

Imagens de satélite mostram dimensão do impacto de tsunami em Tonga

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As instalações do porto da capital do país, Nukualofa, em 29.dez.21, antes da erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha'apai e do tsunami, e nesta terça, 19.jan.22- - Maxar Technologies/Reuters

Nas regiões mais impactadas, comunidades enfrentam ainda dificuldades para obter renda, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês). Pescadores como Fangupo Latu, 74, tiveram seus barcos destruídos pelo tsunami, assim como a maioria das pessoas em sua aldeia, relata a agência da ONU.

A comunidade vivia da venda diária de peixes e, hoje, mesmo quem conseguiu manter seus instrumentos de trabalho não tem ido pescar devido aos avisos de toxicidade, conta Latu, em referência a temores relacionados às cinzas do vulcão.

Para auxiliar nessa questão, cerca de US$ 354 mil (R$ 1,8 milhão) do Fundo Especial para Atividades de Emergência e Reabilitação foram destinados a Tonga por meio da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O Comitê Nacional de Gerenciamento de Emergências também aprovou um financiamento para apoiar a redução no custo das licenças de pesca em alto-mar.

A Ocha, no entanto, aponta ainda desafios de médio e longo prazo em recuperação e segurança alimentar, além de uma preocupação sobre o retorno às aulas. À medida que os esforços de limpeza avançarem, as escolas serão reabertas, mas há o risco de muitas famílias não poderem pagar as taxas exigidas.

Mesmo assim, a entidade diz que a maioria das necessidades de emergência foram ou estão sendo atendidas, embora ainda existam alguns gargalos no fornecimento de água e outros itens de socorro, principalmente em ilhas periféricas e outras áreas remotas ​—Tonga é um arquipélago formado por mais de 170 ilhas, 36 das quais inabitadas.

Outra dificuldade já presente no país da Oceania é a chegada da Covid-19. Segundo dados da plataforma Our World in Data, de 2 a 13 de fevereiro Tonga contabilizou 72 casos da doença. Antes disso, o arquipélago havia registrado apenas um caso, em 29 de outubro do ano passado. Nos últimos sete dias, os pacientes com coronavírus saltaram de 7 para 73.

A onda de Covid levou a um severo lockdown, até o dia 20 de fevereiro, na ilha principal Tongatapu, que inclui a capital, e em Vavau —outros lugares já suspenderam a medida. Sob o bloqueio, lojas e serviços essenciais só podem abrir às terças e sextas-feiras, das 6h às 18h, para as pessoas reabastecerem suas casas.

"O povo já passou por muita coisa e agora a Covid está por todas as ilhas", afirma Taufatofua. "O número de pessoas infectadas cresceu maciçamento, o que é muito triste em um país tão pequeno, e os líderes estão fazendo o melhor que podem, apesar das circunstâncias difíceis."

Pita Taufatofua ao lado da porta-bandeira de Tonga na Tóquio-2020, Malia Paseka
Pita Taufatofua ao lado da porta-bandeira de Tonga na Tóquio-2020, Malia Paseka - Hannah Mckay - 23.jul.21/AFP

As amostras do vírus testadas na Austrália confirmaram a disseminação no país da variante ômicron, mais contagiosa. Apesar do aumento de casos, há uma boa cobertura de imunização: 60,6,% da população está com esquema vacinal completo, de acordo com o Our World in Data.

Há ainda, no entanto, um desafio maior e de longo prazo para Tonga. O país ocupa o terceiro lugar no WorldRiskIndex 2021 entre aqueles com o maior risco de desastres naturais em todo o mundo, atrás apenas de Vanuatu e Ilhas Salomão.

Com os eventos climáticos extremos ​se multiplicando por cinco nos últimos 50 anos, o arquipélago fica em situação ainda mais vulnerável. "Eu vi o nível do mar subir ao longo dos anos... É muito triste", relata o "besuntado". "Estamos tentando conscientizar, mas infelizmente grande parte da mentalidade ao redor do mundo é: 'nós só vamos nos preocupar com isso quando acontecer conosco'. Bem, está acontecendo."

Em vista da calamidade, a Austrália prometeu gastar US$ 500 milhões (R$ 2,6 bi) até 2025 para fortalecer as mudanças climáticas e a resiliência a desastres no Pacífico, com foco especial nas ilhas de Tonga. Para Taufatofua, porém, as medidas adotadas por líderes mundiais não têm sido suficientes.

"É difícil para nós estarmos na linha de frente dos impactos, mesmo sem contribuir com quase nada para os danos climáticos", diz o atleta. "A mudança climática induzida pelo homem é real. Já chegou e afetará a todos."

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