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Paul Krugman

A direita dos EUA tem um problema com Putin

Eles já sabiam que presidente russo é um tirano; a novidade é que ele está se saindo surpreendentemente fraco

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Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times

Algumas semanas apenas atrás, muitas figuras influentes da direita americana amavam Vladimir Putin, simplesmente o amavam. Na verdade, algumas ainda não conseguiram abrir mão dele.

Tucker Carlson, por exemplo, embora tenha deixado a contragosto de manifestar apoio total a Putin, ainda está culpando a América pela guerra e promovendo desinformação russa sobre supostos laboratórios de armas biológicas financiados pelos EUA.

Mas a maioria dos aficionados de Putin na América está encarando um momento da verdade. Não é tanto o fato de Putin ter se revelado como tirano disposto a matar grande número de pessoas inocentes –eles já sabiam disso, ou deveriam saber.

O problema é que o ditador que admiravam –que, pouco antes de Putin invadir a Ucrânia, Donald Trump elogiou como sendo "esperto" e "um gênio"—está se mostrando surpreendentemente fraco. E não é por acaso. A Rússia se vê diante de um desastre precisamente porque é governada por um homem que não aceita críticas e não tolera dissensão.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante reunião virtual com membros de seu governo em Moscou - Mikhail Klimentiev - 10.mar.22/Reuters

Pelo lado militar, uma guerra que a Rússia evidentemente visualizava como uma blitzkrieg que passaria por cima da Ucrânia em questão de dias ainda não conseguiu capturar nenhuma das dez maiores cidades do país –apesar de bombardeios de longo alcance estarem convertendo essas cidades em escombros.

Pelo lado econômico, a tentativa de Putin de proteger-se contra potenciais sanções ocidentais é uma debacle, e tudo indica que a Rússia vai sofrer uma recessão brutal. Para entender por que isso tem importância, é preciso compreender as origens do fascínio que a direita sente por um ditador brutal –um fascínio que começou antes mesmo da ascensão de Trump.

Parte dessa paixão pelo ditador refletiu a ideia de que Putin era o grande defensor da causa "anti-woke" –alguém que não acusaria você de ser racista, que denunciava a cultura do cancelamento e a "propaganda gay".

Parte dela refletia um fascínio um pouco repugnante pela alegada virilidade de Putin –Sarah Palin declarou que Putin fazia luta livre com ursos enquanto o presidente Barack Obama trajava "jeans estilo mamãe"— e a aparente força de seus seguidores. No ano passado o senador republicano do Texas Ted Cruz contrastou imagens de um soldado russo de cabeça raspada com um anúncio de recrutamento do Exército americano, ironizando nossas Forças Armadas "woke e castradas".

Para concluir, muitas pessoas da direita simplesmente gostam da ideia de um governo autoritário. Poucos dias atrás Trump, que tem moderado seus elogios a Putin, optou em vez disso por expressar admiração pelo líder norte-coreano, Kim Jong-un. Observou que os generais e assessores de Kim "se curvam" quando o ditador fala, comentando: "Quero que meu pessoal faça assim".

Mas estamos reaprendendo uma lição antiga: às vezes algo que parece ser força é na realidade uma fonte de fraqueza.

Aconteça o que acontecer na guerra, está claro que as forças russas são muito menos assustadoras do que aparentavam no papel. Parece que elas são mal treinadas e lideradas, e parece também que há problemas com os equipamentos russos, como os aparelhos de comunicação.

Essas fraquezas poderiam ter sido flagradas por Putin antes da guerra se jornalistas investigativos ou fiscais independentes dentro de seu governo estivessem em posição de avaliar a verdadeira prontidão militar do país. Mas essas coisas não são possíveis na Rússia de Putin.

Os invasores ficaram claramente chocados com a resistência ucraniana que enfrentaram, tanto por sua determinação quanto por sua competência. Avaliações realistas de inteligência poderiam ter alertado a Rússia de que isso poderia acontecer. Mas quem ia querer ser o funcionário que se levanta para dizer "senhor presidente, infelizmente acho que podemos estar subestimando os ucranianos"?

Pelo lado econômico, tenho que admitir que a disposição do Ocidente de impor sanções e a eficácia dessas sanções surpreenderam a praticamente todos, incluindo a mim.

Mesmo assim, autoridades da área econômica e especialistas independentes na Rússia deveriam haver avisado Putin de antemão que a ideia de uma "Rússia fortaleza" era profundamente falha. Não deveria ter sido necessária uma análise profunda para perceber que os US$ 630 bilhões de Putin em divisas se tornariam em grande parte inutilizáveis se as democracias do mundo cortassem o acesso da Rússia ao sistema bancário mundial. Tampouco deveria ter sido necessária uma análise profunda para entender que a economia russa é profundamente dependente das importações de bens de capital e outros insumos industriais essenciais.

Mas, também neste caso, quem ia querer ser o diplomata a dizer a Putin que o Ocidente não é tão decadente quanto ele pensa, o banqueiro a lhe dizer que seu muito alardeado "baú de guerra" seria inútil numa crise, o economista a lhe dizer que a Rússia precisa de importados?

A questão aqui é que os argumentos a favor da uma sociedade aberta –uma sociedade que tolera dissensão e críticas— transcendem a verdade e a moralidade. As sociedades abertas também são, de modo geral, mais eficazes que as autocracias fechadas.

Ou seja, embora você possa imaginar que há grandes vantagens em um governo exercido por um ditador que pode simplesmente dar ordens às pessoas, essas vantagens são mais do que compensadas pela ausência de livre discussão e pensamento independente. Ninguém pode dizer ao ditador que ele está equivocado ou pedir a ele que pense duas vezes antes de tomar uma decisão desastrosa.

E isso me traz de volta aos ex-admiradores americanos de Putin. Eu gostaria de imaginar que eles vão encarar a debacle da Ucrânia como uma lição prática e rever sua hostilidade em relação à democracia.

OK, na realidade eu não prevejo que isso vá acontecer. Mas sempre podemos ter esperança.

Tradução de Clara Allain  

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