Anatoli Tchubais, um dos últimos elos existentes entre o Kremlin de Vladimir Putin e o Ocidente, deixou o posto de assessor especial do presidente e a Rússia.
O motivo presumido é a guerra na Ucrânia, que completa um mês, mas ele não foi encontrado para falara sobre o motivo da decisão. Sua saída foi confirmada pelo porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que citou em "motivos pessoais" e não comentou o relato de amigos à imprensa russa de que ele foi para o exterior.
Menos do que um sinal de dissenso interno na cúpula do poder, o que de resto pode estar acontecendo, a saída de Tchubais simboliza o fim de uma era na Rússia que já vinha sendo emaciada sob as ordens de Putin havia anos: aquela de um país que buscava parceria e integração com o Ocidente.
Tchubais, 66, era o pai do programa de privatizações russo. Adjunto do lendário prefeito de Leningrado/São Petersburgo Anatoli Sobtchak, o homem que colocou Putin na política, ele assumiu o cargo de supervisor da venda do gigante estatal soviético após o fim do império comunista, em 1991.
Um liberal convicto, ele ocupou diversos cargos nos dois governos de Boris Ielstin e foi um dos que apoiou a chegada do hoje presidente à burocracia do Kremlin, em 1996. Ieltsin passou o bastão para o então premiê Putin ao renunciar no Ano-Novo de 2000. De lá para cá, foi instrumental para a tentativa do Kremlin de se relacionar com Europa, EUA e aliados.
As privatizações sob Ielstin fracassaram amplamente, dado que setores inteiros caíram na mão de oligarcas, empresários monopolistas dados ao gangsterismo. O país derreteu economicamente em 1998. Putin foi eleito de vez presidente em março de 2000 e assumiu a missão de implodir tal esquema.
No lugar, nacionalizou ou trouxe para a órbita do Estado as áreas estratégicas da economia. Tchubais perdeu importância relativa, até por ser duramente criticado como coautor da tragédia social decorrente da farra liberal russa dos anos 1990, mas permaneceu como uma espécie de talismã ocidental de Putin.
O presidente passou os anos 2000 ensaiando uma aproximação com as estruturas ocidentais, mas basicamente desistiu após 2007, percebendo que a expansão ao leste da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, sinalizava uma desconfiança mútua —que agora se materializa em combates na Ucrânia.
Mas Tchubais ganhou o seu quinhão sob Putin, presidindo o monopólio estatal de eletricidade de 1998 a 2008 e depois com uma sinecura na estatal russa de nanotecnologia até 2020. Naquele ano, tornou-se enviado especial a organismos internacionais.
No ano passado, assumiu o cargo de enviado para questões de desenvolvimento sustentável. Mas nunca esteve entre os "siloviki", os "durões" egressos do sistema de segurança russo que formam o círculo mais íntimo de Putin.
Tchubais se une agora a uma longa lista de integrantes da tentativa torta de transformar a Rússia pós-soviética em uma economia de mercado funcional que deixam o país. Se ele vai se tornar um vocal crítico de Putin após tanto tempo, ainda é uma incógnita.
O que é certo é o fechamento ainda maior do regime sob Putin, algo que alguns temem poder evoluir para uma ditadura pura, em especial em caso de vitória militar contra Kiev. Outros opositores no exterior estão ativos com a guerra na Ucrânia, embora ao longo dos anos tenham tido mais popularidade na mídia ocidental do que entre o eleitorado. Nesta quarta, oito deles divulgaram um vídeo na internet condenando a guerra, a censura militar e a sentença de nove anos adicionais de cadeia imposta a Alexei Navalni.
Líder de protestos anticorrupção e contra Putin, Navalni foi condenado na terça (21) sob acusação de fraude, o que ele rejeita como perseguição política. Ele já cumpria pena de dois anos e meio desde 2021.
"Nós representamos diferentes movimentos políticos. Mas criamos um comitê contra a guerra, porque acreditamos que o país não precisa dessa guerra", disse um dos integrantes, Mikhail Khodorkovski.
Ele era um oligarca que rompeu com Putin em 2000, viu sua petroleira ser estatizada e passou dez anos na cadeia, morando hoje no Reino Unido. Uniram-se a ele o enxadrista Garri Kasparov e Liubov Sobol, uma das principais aliadas de Navalni, entre outros.
Dentro da Rússia, até devido à lei que criminaliza o que o Kremlin considerar fake news sobre a guerra e, segundo lei aprovada na terça (22), "instituições russas", os protestos iniciais murcharam —não sem antes ver cerca de 15 mil pessoas fichadas em delegacias.
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