Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Belarus não faz parte do conflito na Ucrânia, mas vai se defender da Otan, diz embaixador no Brasil

Diplomata culpa desinformação estrangeira e diz que país respeita princípios de soberania e paz

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Aliada próxima da Rússia, a Belarus não é parte envolvida na guerra na Ucrânia e busca a resolução pacífica do conflito. Houve ataques a infraestruturas da Ucrânia, sim, mas foi uma operação preventiva que ocorreu devido "à existência de informações confirmadas sobre a intenção dos militares ucranianos de lançar um ataque com mísseis contra assentamentos fronteiriços".

É o que diz o embaixador belarusso no Brasil, Serguei Lukashevich, em entrevista à Folha, por email —em que não usa o termo "guerra" para se referir ao conflito, e sim "operação militar especial russa", como manda o manual do Kremlin.

O ditador belarusso Aleksandr Lukachenko em encontro com o presidente russo Vladimir Putin no Kremlin, em Moscou - Mikhail Klimentiev - 11.mar.22/Sputnik/Reuters

Lukashevich considera injustas as sanções que o país recebeu após ser uma das únicas nações que apoiaram a Rússia em fóruns internacionais e afirma que não se deve "acreditar em tudo o que você vê na TV, nas notícias ou nas redes sociais sobre eventos mundiais." O país é um dos principais exportadores de fertilizantes do mundo e tem fatia importante do mercado brasileiro.

A Belarus foi palco das primeiras três rodadas de negociação entre Ucrânia e Rússia, e o embaixador diz que considera o método diplomático uma prioridade. Segundo ele, seu país vai reforçar a infraestrutura militar para se defender da Otan, aliança militar presente em três nações da fronteira belarussa (Polônia, Lituânia e Letônia).

Por que a Belarus apoia a Rússia na invasão à Ucrânia? A Belarus é um país fundador das Nações Unidas e em todas as épocas, inclusive após adquirir soberania em 1991, sempre aderiu e sempre aderirá aos princípios de pacificação e resolução pacífica de quaisquer disputas. A Belarus não é parte das negociações ou parte do conflito na Ucrânia, embora possamos observar o colossal trabalho de informação de nossos parceiros ocidentais, que estão usando ativa e agressivamente todos os métodos modernos de impacto psicológico e emocional para criar um quadro negro do nosso país. Esses métodos não são novos e são ensinados nas universidades.

A Belarus nunca olhou e nunca irá olhar para a nacionalidade de uma pessoa que precisa de assistência, seja um soldado ferido ou um parente da Ucrânia que tem que buscar refúgio seguro no nosso território.

Na minha opinião, sua pergunta tem um significado mais profundo. Por que os países aderem a alianças econômicas e políticas? Qualquer integração é uma ferramenta poderosa para desenvolver economias regionais e aumentar sua competitividade no mercado mundial.

É por isso que o Brasil é membro do Mercosul e do Brics, enquanto a Belarus é membro da CEI [Comunidade dos Estados Independentes, agremiação de ex-repúblicas soviéticas] e da UEE [União Econômica Euroasiática]. O resultado dos processos de integração é a busca de uma linha econômica e política comum em relação a países terceiros.

Em quaisquer dessas associações, os países estão sujeitos a políticas sociais, regionais e comerciais comuns acordadas. Portanto, você precisa esclarecer aqui o que inclui na palavra "apoio". Por exemplo, a Belarus recebe feridos do território da Ucrânia, são ambos ucranianos e russos, cidadãos estrangeiros, nós os recebemos e tratamos, é o nosso apoio ao povo, sem referência à nacionalidade.

Há acusações de que tropas belarussas estejam envolvidas no ataque à Ucrânia, e ao mesmo tempo o país sediou negociações. Qual o papel da Belarus na guerra? A República da Belarus sempre apoiou ativa e consistentemente uma solução pacífica para o conflito no sudeste da Ucrânia. Criamos todas as condições necessárias para a conclusão dos Acordos de Minsk e o trabalho subsequente do Grupo de Contato para a solução pacífica da situação no leste da Ucrânia.

Nas circunstâncias atuais consideramos os métodos diplomáticos como prioridade e fazemos todo o esforço para organizar o processo de negociação para ajudar as partes em conflito a encontrar uma base comum em suas posições e para parar o derramamento de sangue.

O exército belarusso não está participando da operação militar especial russa na Ucrânia. Declarações sobre a participação de militares belarussos são infundadas, o que tem sido repetidamente declarado por representantes do Ministério da Defesa da República da Belarus.

Vários ataques contra a infraestrutura militar ucraniana a partir do território da República da Belarus no primeiro dia da operação militar especial foram de natureza preventiva e se deveram à existência de informações confirmadas sobre a intenção dos militares ucranianos de lançar um ataque com mísseis contra os assentamentos fronteiriços da Belarus.

Uma tentativa de lançamento de mísseis a partir do território ucraniano em um centro populacional na Belarus foi registrada há dois dias. Nossa defesa antiaérea funcionou corretamente. Há muitos aspirantes no território da Ucrânia que querem arrastar a Belarus para esse conflito.

Belarus faz fronteira com três países da Otan. Como lida com isso? Considera uma ameaça? Espera-se que vários equipamentos militares modernos sejam entregues à Belarus num futuro próximo para aumentar a capacidade de defesa do Exército. O reforço planejado das capacidades de combate das Forças Armadas da República da Belarus é uma resposta natural à formação do grupo de tropas da Otan perigosamente perto das nossas fronteiras.

Nós sempre defendemos a paz, mas não nos tornaremos uma nova Iugoslávia para os países da Otan [a aliança ocidental interveio militarmente na Iugoslávia em 1999 em uma operação com mais de 500 civis mortos segundo a Human Rights Watch].

O regime da Belarus foi alvo de grandes protestos nos últimos anos. Não teme que a guerra diminua mais a popularidade dos líderes no poder? Há um filme muito interessante de Hollywood de 1997, lançado no Brasil sob o título "Mera Coincidência" ("Wag the dog"). Trata-se de não acreditar em tudo o que você vê na TV, nas notícias ou nas redes sociais sobre eventos mundiais.

Nos últimos anos, a Belarus tem sido confrontada com o uso agressivo de "armas de informação" com o objetivo de desestabilizar a situação sociopolítica e socioeconômica do nosso país. Aprendemos uma lição com isso. Estou confiante de que a popularidade de qualquer governo depende em grande parte da objetividade das informações pelas quais ele é guiado ao tomar importantes decisões econômicas.

Além disso, podemos declarar com orgulho que o trabalho da mídia no espaço da mídia belarussa se tornou mais eficaz, o que inequivocamente leva a maior conscientização dos cidadãos sobre as conquistas do nosso país e garantias da qualidade de vida.

A Belarus tem recebido novas sanções desde o começo do conflito, por apoiar a Rússia. Como o sr. vê isso? Os desafios que a Belarus enfrenta sob a dura pressão das sanções dos países ocidentais não são fáceis, mas superáveis. O período de sanções é um momento de oportunidade para novos movimentos no sentido de fortalecer a soberania tecnológica e econômica.

Em particular, durante a reunião recente entre os presidentes da Belarus e da Rússia foram acordadas as medidas específicas para apoiar um ao outro em relação à pressão das sanções, incluindo os preços da energia, e discutiu-se a cooperação de indústria, agricultura, transporte de carga.

Como disse o presidente da Belarus Aleksandr Lukachenko após a reunião, a Rússia tomou algumas medidas sérias e sem precedentes para apoiar a economia da Belarus. As sanções contra a Belarus após o lançamento da operação especial russa são ilustrativas por natureza, não há nenhuma razão para elas. O Exército belarusso não está envolvido na operação militar especial da Rússia.

Vale a pena arriscar a economia e a reputação do país por esse conflito que envolve outros dois países? As sanções são uma relíquia do passado colonial, que hoje estão muitas vezes envoltas na bela embalagem de "direitos humanos" ou "mudança climática". São sempre destinados às pessoas comuns, não ao sistema de governança. Compartilho com você uma visão interessante de alguns analistas: as sanções levam ao efeito oposto —unir o povo, fortalecer a independência econômica e dar um ímpeto adicional ao desenvolvimento interno da indústria e da sociedade.

Hoje, as sanções econômicas são principalmente um indicador de concorrência desleal por parte de alguns países, que as utilizam para aumentar sua riqueza e sufocar seus concorrentes. Gosto do ditado de que as sanções são um imposto moderno sobre a independência e sobre o próprio ponto de vista.

Se estamos falando do desenvolvimento da Belarus, vale a pena prestar atenção a alguns indicadores econômicos até o final de 2021: a taxa de desemprego é de 3,9%, a inflação é de cerca de 9%, o crescimento do PIB é de 2,3%, não temos um conceito como o de "fome" [segundo o Banco Mundial, os índices são, respectivamente, de 4,7%, 5,5% e -0,9% em 2020].

O Estado dá um pagamento único no nascimento da primeira criança de cerca de US$ 1.000, no nascimento da segunda criança e subsequentes o Estado dá cerca de US$ 1.300 por vez, e além disso a mãe durante três anos recebe benefícios mensais para cada criança com menos de 3 anos de US$ 170 a US$ 220, até que ela vá trabalhar. Esses podem não ser números ideais, mas mostram que, como país, estamos desenvolvendo e cuidando de nossos cidadãos, apesar das dificuldades.

A reputação que um ou outro país tem, moldada por vários fatores que nem sempre são justos e honestos, pode ser debatida por um longo tempo. Por exemplo, na Belarus, a imagem do Brasil como um país de Carnaval é generalizada e permanente, como se o país inteiro fosse apenas o Rio de Janeiro.

Outro aspecto da reputação, que pode não ser o mais atraente, foi formado após da apresentação do filme baseado no livro de Jorge Amado "Capitães da Areia". Os brasileiros devem ficar tristes com isso? Suponho que não. Pessoalmente, não sou adepto de nenhum rótulo ou títulos altos.

A Belarus é um edifício em processo de construção, estamos construindo-a para nós mesmos, para nossos filhos e para nosso futuro. Se alguém não gostar do tamanho de uma janela ou do desenho de uma porta frontal em nosso "edifício", teremos prazer em aceitar conselhos amigáveis, mas cabe a nós, os belarussos, escolher a cor em que queremos pintar nossas paredes.

A Belarus foi um dos primeiros países a aceitar refugiados desde o início do conflito na Ucrânia em 2014. Mais de 170 mil refugiados da Ucrânia chegaram à Belarus, mas essa informação agora é mal coberta pela mídia. E agora estamos preocupados com todos os civis que se encontram numa situação difícil no território da Ucrânia.

Estamos particularmente preocupados com a situação dos caminhoneiros belarussos que foram atacados e apreendidos por formações militares não identificadas no território controlado pelo governo ucraniano —suas cargas foram saqueadas e os motoristas estão sem comida e água. Isso é alarmante, porque Kiev não tem controle sobre essas obscuras formações militares, que se permitem fazer praticamente tudo contra os civis e estrangeiros.

O embaixador da Belarus no Brasil, Serguei Lukashevich - Divulgação

De que maneira a guerra afeta a exportação de fertilizantes? A Belarus pretende diminuir o volume de fertilizantes exportados ao Brasil? Deve ser esclarecido aqui que a guerra em países como Síria, Líbia, Afeganistão ou Ucrânia não tem nenhum efeito sobre as exportações de fertilizantes da Belarus, já que a turbulência de preços nesse mercado começou em junho de 2021, depois que alguns países impuseram sanções a Belaruskali, um produtor de 20% de todos os fertilizantes globais.

Em dezembro de 2021 sanções similares foram impostas a sua empresa de comercialização Belarusian Potash Company, que é um dos maiores players mundiais no mercado de fertilizantes e tem um escritório no Brasil. As sanções foram impostas por causa das opiniões políticas sobre os acontecimentos no nosso país em agosto de 2020.

Infelizmente, não puderam ser evitados os jogos políticos de alguns países grandes e nossos vizinhos menores: a política começou a quebrar a economia. Pareceu que havia muita gente do exterior tendo vontade para dizer-nos, belarussos, como devemos continuar a viver corretamente e quem devemos escolher. No entanto, slogans políticos e palavras bonitas não vão satisfazer a fome.

Em 2021, a Belarus forneceu quase 20% de todos os fertilizantes potássicos importados pelo Brasil, por um preço 40% mais barato do que os fertilizantes do Canadá. O fornecimento deste ano foi zero. Por quê?

Se chamamos as coisas pelos seus nomes, então sob o pretexto da retórica democrática alguns países orquestraram uma redistribuição do mercado global. Julgar por si mesmo, por exemplo tomemos o mercado brasileiro de fertilizantes potássicos: 80% do mercado de fertilizantes potássicos no Brasil foi fornecido por três países: Canadá, Rússia e Belarus. Quem é agora o único dos "três grandes"? A resposta é óbvia.

A quem deve ir e pedir um quilo extra, a um preço que está longe da racionalidade para a agricultura do Brasil? Assim, com a atenção do todo o mundo despertada pela imagem da luta de diferentes ângulos, as grandes empresas estão simplesmente compartilhando a torta de dinheiro, enquanto os telespectadores comuns simplesmente observam o que é mostrado nas notícias.


Raio-x | SERGUEI LUKASHEVICH

Nascido na Belarus, é graduado em relações internacionais pela Universidade Estatal da Belarus com especialização em economia mundial e relações econômicas internacionais. Diplomata desde 2000, trabalhou nas embaixadas da Belarus no Uzbequistão e na Argentina. Atuou como conselheiro da embaixada no Brasil de 2014 a 2016 e foi encarregado de negócios na Espanha em 2020. Desde setembro, é embaixador da Belarus no Brasil.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.