Brasil tenta se associar a centro de defesa cibernética da Otan

Governo enviou consulta a embaixadas para saber se membros de organização apoiariam candidatura

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro tenta se associar a um centro de defesa cibernética ligado à Otan. A aliança militar liderada pelos EUA está no centro dos motivos alegados pela Rússia para a guerra na Ucrânia.

No ano passado, o Brasil instruiu suas embaixadas em países-membros do CCDCOE (Centro de Excelência de Defesa Cibernética Cooperativa, na sigla em inglês) a consultar os respectivos governos anfitriões se uma candidatura do Brasil seria bem aceita.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, durante solenidade no Palácio do Planalto
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, durante solenidade no Palácio do Planalto - Antonio Molina - 13.jan.22/Folhapress

De acordo com interlocutores do Itamaraty, embora tenha recebido algumas respostas positivas de nações vistas como centrais na organização, a totalidade dos integrantes plenos ainda não respondeu aos acenos brasileiros. Especialistas ouvidos pela Folha disseram, sob condição de anonimato, que a demora de alguns membros em enviar uma resposta mostra resistência ao pleito. Mas integrantes do governo envolvidos nas tratativas negam que exista oposição a uma possível candidatura do país.

É preciso unanimidade dos sócios plenos do centro para que um país possa ingressar. O órgão foi criado em 2008 e tem sede em Tallinn, na Estônia. Além de acreditação da Otan, o centro tem status de organização militar internacional. O estabelecimento de uma estrutura voltada para a defesa cibernética no âmbito da Otan ganhou força após ataques a organizações públicas e bancos estonianos, em 2007.

À época, autoridades do país chegaram a sugerir que a Rússia pudesse estar por trás dos ataques.

Por não ser membro da Otan, o Brasil poderia se associar ao centro na qualidade de "contributing partner" —ou parceiro colaborador, mesmo status conferido a parceiros como Finlândia, Suécia e Coreia do Sul. A associação plena ao centro de defesa cibernética só é permitida a países que integram a aliança militar.

Um dos principais interesses brasileiros com o movimento é ganhar amplo acesso aos exercícios de defesa cibernética, entre os quais o Locked Shields (escudos fechados). Os treinamentos simulam ataques hackers contra infraestruturas críticas de um país e permitem a capacitação de pessoal especializado em estratégias de defesa e contra-ataque em ambiente digital.

Hoje, o Brasil só tem acesso a esses treinamentos se convidado por um membro do CCDCOE —o que, no caso do Locked Shields, ocorreu no passado por iniciativa de Portugal e Espanha.

No governo, existe a avaliação de que o país ainda está aquém das capacidades de segurança informática necessárias no mundo atual. A brecha não existe apenas na comparação com potências como EUA, Rússia e China, mas também em relação a europeus. Por isso, militares brasileiros que atuam no tema passaram a defender a busca de centros de excelência no exterior.

Atualmente, o Exército mantém um centro de defesa cibernética no país.

O tema ganhou ainda mais relevância com a eclosão do conflito na Ucrânia, uma vez que os embates no front são acompanhados por elementos da chamada guerra híbrida: ofensivas hackers e de desinformação empreendidas contra adversários.

Entre os membros do centro de defesa cibernética da Otan estão EUA, Reino Unido, Bélgica, Itália, França, Alemanha e Turquia. Uma resistência de integrantes plenos da associação não é o único obstáculo a uma eventual candidatura do Brasil. Interlocutores disseram à Folha que, com o quadro atual do Leste Europeu, a oficialização de uma candidatura só deve ocorrer após uma nova análise política.

Isso porque a ligação do país a uma estrutura credenciada pela Otan poderia sinalizar apoio à aliança militar na confrontação —rompendo a posição de independência que Bolsonaro tem argumentado manter, apesar de votos contrários a Moscou no âmbito das Nações Unidas.

O conflito armado já mostrou reflexos nos trabalhos do centro. No início de março, a organização anunciou que a Ucrânia seria aceita na qualidade de parceiro colaborador.

Questionado sobre as ambições do Brasil, o Itamaraty afirmou que o interesse numa associação ao centro da Otan ainda está em avaliação pelo governo. A chancelaria ressaltou, porém, que a associação ao CCDCOE possibilitaria "capacitação institucional, ao diversificar a interação com países de referência na matéria e reforçar a presença em fóruns sobre a paz e segurança internacionais no espaco cibernético".

"Atualmente, o Brasil participa de exercícios como o Locked Shields a convite de parceiros. Caso se torne um associado, o país poderá participar desse exercício de forma independente. O centro oferece, ainda, diversos cursos, vários deles exclusivos para os associados", afirmou a pasta.

"[O CCDCOE] é referência global e interdisciplinar em defesa cibernética, dedicada a pesquisa, treinamento e exercícios nas vertentes de tecnologia, estratégia, operações e legislação."

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