Cidade da Ucrânia cercada por tropas da Rússia promete lutar até o fim

'Esse é o único plano', afirma prefeito de Mikolaiv; provável objetivo russo na região é tomar Odessa

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Michael Schwirtz
Mikolaiv (Ucrânia) | The New York Times

Os baques repetidos da artilharia ucraniana ecoam na sede fortificada da prefeitura de Mikolaiv, no sul da Ucrânia —um sinal da proximidade das forças russas que avançam rapidamente em sua marcha para o oeste a partir da costa do mar Negro.

De uniforme militar verde e com uma pistola no bolso, o prefeito Oleksandr Senkevich aponta no mapa para as posições russas. Ao seu lado está o secretário da Câmara dos Vereadores, Dmitro Falko, usando colete a prova de balas e carregando um fuzil Kalashnikov (ou AK-47, da época soviética) num estojo para raquetes de tênis pendurado às costas.

Com medo de ataque russo, cidade de Mikolaiv, na Ucrânia, prepara defesas; as ruas do local estão praticamente vazias
Com medo de ataque russo, cidade de Mikolaiv, na Ucrânia, prepara defesas; as ruas do local estão praticamente vazias - Tyler Hicks/The New York Times

Os russos estão vindo do norte, leste e sul, disse ele —as mesmas forças que alguns dias atrás capturaram a cidade de Kherson, 65 quilômetros a leste de Mikolaiv.

No meio da tarde, segundo ele, algumas forças russas chegaram a áreas da periferia da cidade, matando o diretor de uma escola local e algumas outras pessoas, mas os soldados ucranianos os estavam mantendo a distância por enquanto.

Após uma batalha na noite de sexta-feira, forças ucranianas retomaram o aeroporto de Mikolaiv, que havia sido capturado antes por tropas russas, e hastearam a bandeira ucraniana ali. A informação é das forças ucranianas, que postaram no Twitter um vídeo da bandeira e de suas tropas festejando o feito.

"O inimigo nos cerca", disse Senkevich. "Hoje eles estão reunindo suas forças. Acho que pretendem nos atacar daqui a muito pouco."

As forças russas no norte da Ucrânia estão em grande medida paradas perto da capital, Kiev, e da segunda maior cidade do país, Kharkiv. Mas as tropas no sul da Ucrânia vêm avançando.

Quando o presidente russo, Vladimir Putin, deu a ordem de invadir, na semana passada, forças russas saíram em massa da península da Crimeia, que o Kremlin anexou em 2014 e converteu numa gigantesca guarnição de seu Exército. A partir da Crimeia elas avançaram para o leste, onde dominaram a cidade de Melitopol e convergiram sobre Mariupol, que permanece sob controle das forças ucranianas não obstante estar cercada há quase uma semana.

Na direção oeste, as tropas russas invadiram a cidade portuária de Kherson, onde o comandante russo informou ao prefeito Ihor Kolikhaev que pretendia estabelecer uma administração militar.

Até a sexta-feira, disse Kolikhaev, parecia que as forças ucranianas posicionadas nos arredores da cidade estavam barrando a passagem de caminhões carregados de ajuda humanitária, apesar do acordo feito na quinta-feira para a abertura de um corredor humanitário. O prefeito atribuiu o que aconteceu a um erro de comunicação entre as tropas em terra e seus comandantes.

Enquanto isso, disse, as tropas russas que agora ocupam a cidade –"os gentis libertadores", como o prefeito os descreveu em tom sarcástico— estão aproveitando a demora para transmitir sua propaganda própria, prometendo publicamente dar sua própria assistência à população.

"Primeiro eles criam uma situação crítica, depois nos salvam heroicamente para mostrar todo o mundo agradecendo os ‘benfeitores’ diante das câmeras", disse Kolikhaev em mensagem de texto. "Juro a vocês, estou fazendo o que posso, mas não sei por quanto tempo vou conseguir resistir."

Embora se desconheça o objetivo final das tropas russas na região sul, o plano provável é tomar Odessa, cidade importante na costa do mar Negro, com 1 milhão de habitantes. Ali, moradores e autoridades vêm se preparando dia e noite para um ataque, construindo barricadas contra tanques feitas de sacos de areia e antigos trilhos de aço de bondes, enquanto examinam o horizonte para ver se há navios de guerra russos chegando pelo mar.

Mas, para chegar a Odessa pelo caminho mais fácil, as forças russas terão que atravessar Mikolaiv e a única ponte levadiça sobre o rio Buh. Por medida de segurança, a prefeitura ordenou que a ponte passe a maior parte do dia levantada, deixando apenas uma hora por dia para moradores esvaziarem a cidade. Na sexta-feira uma fila de carros chegava até o centro da cidade. Alguns dos veículos traziam cartazes dizendo "crianças" fixados a seus para-brisas.

Barricadas montadas na principal avenida da cidade de Odessa, na Ucrânia
Barricadas montadas na principal avenida da cidade de Odessa, na Ucrânia - André Liohn

Militares ucranianos usando equipamentos de proteção e portando armas automáticas montavam guarda no acesso à ponte. Em cabines verdes ao lado de bunkers erguidos às pressas, feitos de blocos de concreto e sacos de areia, havia mísseis antitanque segurados no ombro e fornecidos pelo Reino Unido.

Se os mísseis não conseguirem barrar o avanço russo, disse Senkevich, as tropas têm ordens de explodir a ponte.

"Por enquanto a situação aqui não está tão assustadora quanto em Kharkiv e outras cidades", disse uma mulher chamada Nadeja que se preparava para atravessar a ponte a pé. "Nossos homens estão nos protegendo bem, e toda nossa esperança está depositada neles." Ela comentou que seu filho também é soldado.

Nos primeiros dias de combates, tropas russas vindas em um avanço relâmpago chegaram a entrar em Mikolaiv, mas foram repelidas pelas forças ucranianas em um tiroteio acirrado. Agora as ruas estão praticamente vazias, com a exceção de tropas ucranianas e um ou outro aposentado solitário carregando sacolas de supermercado. A maioria dos 500 mil habitantes da cidade parece ter fugido.

Do outro lado do rio Buh, há um bairro de alto padrão cujos moradores estão se preparando para defender suas casas. Um deles, que convidou um repórter para entrar e tomar um chá, desde que fosse publicado apenas seu primeiro nome, Vadim, mostrou vídeos tenebrosos que amigos lhe haviam enviado dos combates na cidade. Vadim disse que os soldados russos na região parecem estar se rendendo em grupos quando são recebidos com fogo. O New York Times não pôde verificar o relato independentemente, mas observadores em outros pontos do país descreveram cenas semelhantes.

"A população ainda não está totalmente enfurecida", disse Vadim, que tinha uma espingarda sobre a mesa e disse que estava preparado para defender sua propriedade se for preciso. "Mas, se as pessoas forem levadas ao limite, ninguém mais vai fazer prisioneiros. Vamos atirar neles e pronto."

Senkevich, o prefeito, disse que ele e sua equipe também estão preparados para lutar até o fim, se e quando as forças russas chegarem. Além da pistola em seu bolso, vários fuzis automáticos estavam espalhados por sua sala de trabalho.

As únicas outras coisas que estão fazendo falta aos defensores da cidade são coletes à prova de balas e capacetes, disse Senkevich. "Esse é o único plano: lutar até o fim", disse. "O capitão é o último a abandonar o navio."

Tradução de Clara Allain

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