Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia

Compadre de Putin na Ucrânia, oligarca é acusado de traição e alvo de sanções

Amigo do presidente russo há 20 anos, Viktor Medvedchuk critica aproximação com Otan e tem agenda pró-Moscou

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Por muitos anos, o oligarca Viktor Medvedchuk, 67, foi a principal ponte entre Vladimir Putin e a política de Kiev. O empresário dos ramos de mídia e energia, 12ª pessoa mais rica da Ucrânia segundo a Forbes, teve —e tem— acesso direto ao presidente russo graças também a um relacionamento pessoal: os dois são compadres.

Putin apadrinhou a caçula de Medvedchuk, Darina. Já foi visto na luxuosa mansão do oligarca e vice-versa. O que fez esse milionário ganhar projeção foi sua postura pró-Moscou e anti-Ocidente, cada vez mais rara no país do Leste Europeu, mas central na agenda do líder russo.

O oligarca e deputado ucraniano Viktor Medvedchuk, durante uma audiência judicial na capital Kiev - Serhii Nuzhnenko - 13.mar.21/Reuters

Fosse outra época, Medvedchuk poderia ser apontado como uma das principais apostas do Kremlin para assumir um governo fantoche em Kiev —ou, ao menos, um posto-chave na administração, como já o fez. Em meio à invasão russa da Ucrânia, porém, o amigo de Putin está isolado, na mira da Justiça e vendo seu partido, o Plataforma de Oposição, desidratar a cada sondagem eleitoral.

Medvedchuk entrou na mira do que analistas têm descrito como uma tentativa de desoligarquização ucraniana promovida por Volodimir Zelenski, eleito como outsider e que agora preside um país no centro da mais grave crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra. O movimento estaria mais ligado a acenos diplomáticos ao presidente dos EUA, Joe Biden, do que com uma agenda moral.

O empresário viu uma série de reveses baterem à porta recentemente: em fevereiro de 2021, ele e a esposa, Oksana, tiveram os bens congelados por três anos devido a suspeitas de que teriam se aproveitado do conflito na região do Donbass para lucrar vendendo carvão para Moscou. Também foi estatizado um oleoduto que, segundo Kiev, estaria ligado a ele —Medvedchuk nega.

Três canais de TV da rede do empresário também foram bloqueados para, disse Zelenski, "lutar contra o perigo de uma agressão russa na arena da informação" e "proteger a segurança nacional". Medvedchuk acusa o presidente de asfixiar a liberdade de imprensa.

Por fim, em maio, sob a suspeita de que ele financiou combatentes separatistas e saqueou recursos estatais da península da Crimeia, anexada pela Rússia, veio o decreto de prisão domiciliar. O oligarca foi indiciado sob acusação de traição.

Os EUA responderam às sanções. A embaixada americana em Kiev disse se tratar de um "esforço para proteger a soberania e a integridade territorial". Medvedchuk, aliás, está sob sanções de Washington desde 2014 —americanos são proibidos de realizar negócios com ele e seu dinheiro no país foi congelado. À época, o governo de Barack Obama o acusou de instigar conflitos entre nacionalistas e separatistas na região de Kherson, hoje tomada pelas tropas russas.​

O oligarca, porém, fugiu de sua casa, lugar designado para a prisão domiciliar, assim que a guerra estourou, disse o governo no dia 27. A defesa alega que ele apenas se dirigiu para um local mais seguro, fugindo de possíveis atos violentos perpetrados por nacionalistas que rechaçam sua agenda pró-russa, mas não há notícias sobre seu paradeiro desde então. Suas redes sociais estão em silêncio.

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Viktor Medvedchuk com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no Palácio Tauride, em São Petesburgo - Mikhail Klimentyev - 18.jul.19/Kremlin via TASS

Da internet, aliás, é possível captar os assuntos que Medvedchuk tenta inserir no debate público. No Twitter, plataforma na qual se descreve apenas como "político" —ele é membro do Rada, o Parlamento—, intercalam-se cinco assuntos: pedidos de renúncia de Zelenski, o clamor por uma eleição legislativa antecipada, a defesa de que o país se afaste da Otan, aliança militar ocidental, e se aproxime da Rússia e, por fim, argumentos favoráveis à implementação dos Acordos de Minsk.

Medvedchuk é próximo de Putin desde o início dos anos 2000, quando atuou como chefe de gabinete do presidente Leonid Kuchma, o segundo líder eleito da Ucrânia independente. Putin, àquela altura, já estava no poder na Rússia. Mas o protagonismo do oligarca na política alçou outro patamar mais de uma década depois, em meio à queda do líder pró-Moscou Viktor Iushchenko e à guerra na Crimeia.

Devido aos laços que tem com Putin, ele serviu de elo diplomático entre Kiev e Moscou. Atuou inclusive como enviado especial do serviço de segurança da Ucrânia para questões humanitárias. Desse período, vangloria-se por ter libertado mais de 480 prisioneiros de guerra —a informação não pôde ser confirmada de forma independente.

Daí a defesa enfática que Medvedchuk faz dos Acordos de Minsk, tratados que visavam a um cessar-fogo para a crise de 2014, mas que nunca entraram plenamente em vigor nem colocaram fim às tensões. "A implementação é uma questão urgente, e quero acreditar que a posição pública do Ocidente em defesa deles é real. Há apenas uma pergunta: por que Zelenski não está implementando essa política?", escreveu o oligarca em um post em meados de fevereiro.

Seu partido, o Plataforma de Oposição, repaginado em 2018 para concorrer às eleições, também tem como ponto central da agenda os Acordos de Minsk. Um porém à abordagem está no humor popular: em pesquisa do instituto Rating feita na Ucrânia no início de fevereiro, 75% dos respondentes disseram que é preciso revisar os tratados ou retirar-se de forma definitiva deles. E apenas 11% disseram conhecer bem a essência do texto.

"Os Acordos de Minsk são impopulares na sociedade ucraniana, pelo receio de que poderiam levar ao aumento da influência de Putin na política", diz Vicente Ferraro, mestre em ciência política pela Higher School of Economics de Moscou. "Com a diminuição das forças pró-Rússia no território [devido às autoproclamadas repúblicas do Donbass], a polarização diminuiu, e figuras como Medvedchuk perderam força."

O oligarca acusa Zelenski de inabilidade para enfrentar a crise e falta de traquejo político. O Plataforma de Oposição recebeu 13% dos votos em 2019, conseguindo 43 dos 450 assentos do Rada e se tornando a maior força de oposição. Em primeiro lugar ficou o Servo do Povo, do presidente, com 43% dos votos e 254 cadeiras.

Mas a legenda vem perdendo força. Em agosto, chegou a marcar 17% de apoio, mas sondagens nas semanas pré-guerra, em fevereiro, mostravam-na com 8,5% das intenções de voto, como quarta força política —contra 19% do líder Servo do Povo.

O partido chegou a condenar a invasão russa. Nota publicada no site oficial na quarta (2) diz: "O Plataforma de Oposição compartilha com o povo a terrível tragédia da agressão militar, a pérfida invasão de nosso território soberano por soldados russos, com os quais nossos soldados conquistaram ombro a ombro a maior vitória sobre o fascismo na Grande Guerra Patriótica".

Medvedchuk fala com frequência da história em comum entre russos e ucranianos. Em entrevista ao Financial Times, em 2017, quando questionado se compartilha com Putin a defesa de que ucranianos e russos são "um só povo", disse que já discutiu isso com o líder do Kremlin. "Acho que somos dois povos, mas povos amigos e irmãos."

"É por isso que o nosso partido se baseia em bases firmes e fundamentais de que devemos restabelecer as relações com a Rússia", disse em outra entrevista, esta para a TV UkrLive, canal de um correligionário seu que também foi fechado pelo governo.

O amigo ucraniano de Putin nasceu no distrito de Abanski, que hoje integra o território da Rússia. Ele atuou como advogado de dissidentes da antiga União Soviética —não por iniciativa própria, mas porque foi designado pelo regime. Um desses casos, o de Vasil Stus, poeta ucraniano que chegou a ser indicado ao Nobel de Literatura e morreu em um campo de trabalho forçado, ganhou projeção.

Amigos e biógrafos de Stus dizem que Medvedchuk não atuou para defendê-lo, mas para condená-lo, ficando do lado da acusação. Segundo reportagem do serviço em ucraniano da rede BBC, uma transcrição da audiência em que o escritor foi condenado a dez anos de gulag foi preservada.

Nela, o então advogado diz considerar correta a qualificação das ações do poeta feitas pelo júri. Medvedchuk nega que tenha agido para ajudar na condenação do dissidente ucraniano.

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