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Sara Chodosh, Gus Wezerek e Zach Levitt

Crise dos refugiados da Ucrânia é sem precedentes; resposta também deve ser

Ucranianos sem parentes no exterior devem começar a fugir do país nas próximas semanas

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Gus Wezerek Zach Levitt Sara Chodosh
The New York Times

Quase 3,5 milhões dos 44 milhões de ucranianos já deixaram seu país, desde que a Rússia o invadiu.

A rapidez do êxodo ucraniano não tem precedentes na história recente. A resposta da Europa à crise tem sido igualmente notável, tanto em sua generosidade imediata quanto pelo contraste formado com o tratamento frio dado por muitos países europeus a refugiados vindos da África e do Oriente Médio.

Mas os próximos meses devem colocar à prova o engajamento real do Ocidente com a Ucrânia. Com o aumento dos ataques russos na Ucrânia ocidental, especialistas preveem que o número de refugiados dobre. Líderes da Europa e dos EUA precisarão começar a pensar em esforços de reassentamento de longo prazo das vítimas da guerra.

Famílias que fugiram da Ucrânia devido à invasão russa chegam a campo de refugiados na capital da Moldávia, Chisinau
Famílias que fugiram da Ucrânia devido à invasão russa chegam a campo de refugiados na capital da Moldávia, Chisinau - Nikolay Doychinov - 3.mar.22/AFP

Muitos dos primeiros refugiados a sair da Ucrânia tinham parentes fora do país e possuíam meios para chegar até eles. Dificilmente será o caso das pessoas que decidirem partir nas próximas semanas, disse Steve Gordon, assessor de segurança da organização humanitária Mercy Corps.

"A próxima onda de refugiados vai precisar de muito mais assistência", supõe ele.

A chegada repentina de milhões de pessoas que precisam de habitação, educação e saúde vai criar um desafio para os serviços públicos dos países europeus. Até agora esse desafio tem ficado a cargo principalmente dos países vizinhos ocidentais da Ucrânia –Polônia, Eslováquia, Hungria, Moldova–, que são alguns dos mais pobres da Europa.

Moldova, por exemplo, tem pouco mais de 3 milhões de habitantes e um dos menores PIBs per capita da Europa. A chegada de dezenas de milhares de ucranianos colocou o país em situação "muito, muito complicada", segundo o chanceler moldávio.

Se os países tiverem muita dificuldade em integrar os refugiados ucranianos, a boa vontade pode converter-se em apatia ou até hostilidade. "Sabemos que a hospitalidade pode não durar para sempre", disse Kathryn Mahoney, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

A crise dos refugiados sírios exemplifica a rapidez com que a solidariedade pública pode minguar. Em 2015, jornais publicaram a foto do sírio Alan Kurdi, 2, morto afogado quando sua família tentava atravessar o Mediterrâneo para escapar da guerra civil. Frente à indignação ampla suscitada pela imagem, na semana seguinte as doações ao fundo da Cruz Vermelha para a Síria se multiplicaram por cem.

Grafite dos artistas Justus Becker e Oguz Sen retrata, no porto de Frankfurt, Alan Kurdi, menino refugiado sírio que morreu afogado na costa da Turquia
Grafite dos artistas Justus Becker e Oguz Sen retrata, no porto de Frankfurt, Alan Kurdi, menino refugiado sírio que morreu afogado na costa da Turquia - Daniel Roland - 10.mar.16/AFP

Em dois meses, porém, as doações haviam voltado a cair. Mesmo quando as pessoas se defrontam com imagens fortes e explícitas, sua atenção se dissipa após algumas semanas, disse Paul Slovic, professor de psicologia na Universidade do Oregon que estuda o processo de "entorpecimento psíquico" que pode ocorrer após tragédias. Quando a solidariedade perde força, seu lugar pode ser tomado por rancor.

Por volta de 2015 a Dinamarca recebeu mais de 30 mil refugiados da Síria. Recentemente, porém, as autoridades dinamarquesas revogaram as autorizações de residência de alguns deles, não obstante relatos de refugiados que retornaram à Síria e foram submetidos a tortura e violência sexual.

Privados do direito de viver na Dinamarca, alguns dos refugiados sírios nesse país têm sido detidos por meses em centros de deportação, sem qualquer indicação de quando poderão sair.

Antes que o entorpecimento psíquico se instale e os dias da invasão russa comecem a parecer todos uma coisa só para quem está de fora, os líderes mundiais precisam criar proteções amplas e duráveis para os refugiados ucranianos. A União Europeia (UE) começou bem. O bloco concordou por voto unânime em autorizar a maioria dos ucranianos a viver, trabalhar e estudar em todo o bloco por até três anos.

É preciso que agora comece a ser traçado um plano para o reassentamento equitativo de refugiados em todos os países membros da UE. A Polônia já absorveu um número incrível de pessoas; países como Alemanha, França e Espanha devem se preparar para ajudar milhões de outras a encontrar moradias, escolas e assistência de saúde. Todos os países precisam abrir os braços para ucranianos e pessoas de outras nacionalidades que viviam no país, algumas das quais vêm enfrentando discriminação na fronteira.

"Acolher refugiados é um ato que beneficia o público global", disse David Miliband, diretor da ONG Comitê Internacional de Resgate. "Precisamos compartilhar a responsabilidade." Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden já concedeu aos ucranianos o direito de permanecer e trabalhar no país por 18 meses. Mas essas proteções só se aplicam a ucranianos que já se encontravam nos EUA.

Se a administração Biden está disposta a armar combatentes ucranianos –cujas vitórias beneficiam os EUA, pelo fato de reduzir o poder real da Rússia e a percepção de seu poder–, também precisa compartilhar a responsabilidade pelos ucranianos cujas casas estão sendo bombardeadas. Será difícil, mas não impossível. A administração Trump reduziu ano após ano o número de refugiados autorizados a entrar nos EUA, obrigando as agências de reassentamento a demitir funcionários e fechar escritórios.

Para recuperar os funcionários que trabalhavam nesses programas, o Congresso precisa aprovar o projeto de lei Grace, que determina um número mínimo de refugiados que os EUA recebem a cada ano. Isso ajudaria a garantir a potenciais profissionais contratados que seus empregos não vão desaparecer após a próxima eleição presidencial. Além de reforçar os programas americanos para refugiados, Biden deveria permitir que pessoas que estão fugindo da Ucrânia vivam nos EUA sem visto. Uma medida semelhante deveria ser adotada pelo Reino Unido, que até o dia 14 havia emitido apenas 4.000 vistos para ucranianos.

Os ucranianos provavelmente vão necessitar de ajuda por muitos anos pela frente. A história já nos mostrou que as situações com refugiados quase inevitavelmente se prolongam por mais tempo que o previsto. Se a guerra russa se converter numa ocupação que dure anos, milhões de ucranianos podem acabar como os refugiados da Síria, vivendo num limbo legal, econômico e emocional. Pessoas que já perderam suas casas e seus meios de subsistência também terão seu futuro roubado.

Não é obrigatório que seja assim. Quase todos os países já expressaram solidariedade à Ucrânia. Essa compaixão é uma forma de redefinir o tratamento a refugiados da Ucrânia e de todo o mundo.

Tradução de Clara Allain

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