Descrição de chapéu África Rússia

E a Síria, hein? E o Iêmen? Como estão outros conflitos em meio à guerra na Ucrânia

Situação no Leste Europeu tomou o noticiário e eclipsou outros países que passam por graves crises

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São Paulo

A guerra entre Rússia e Ucrânia já vinha monopolizando as atenções mesmo antes de Vladimir Putin invadir o território do país vizinho. Diante do maior conflito em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial, Redações de jornais do mundo inteiro, a da Folha inclusive, mobilizaram todos os esforços para a cobertura do conflito, que se estende desde a madrugada do dia 24 de fevereiro.

Com bombardeios a áreas civis, milhares de mortos e mais de 2 milhões de refugiados, a guerra eclipsou outras graves crises que seguem se desenrolando. Áureo Toledo, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, afirma que, desta vez, "o tamanho e o tipo de engajamento das potências são diferentes", o que explicaria o destaque maior ao conflito no Leste Europeu.

Soldado do Talibã em frente a fila de pessoas que tentam passar por guarita em Cabul
Soldado do Talibã em frente a fila de pessoas que tentam passar por guarita em Cabul - Mohd Rasfan - 18.dez.21/AFP

"Agora há um engajamento militar direto da Rússia, possibilidade maior de um conflito de larga escala e potências nucleares dos dois lados", diz. "E esses conflitos hoje eclipsados acontecem no sul global, em regiões comumente esquecidas, como África, Ásia. O conflito na Ucrânia expõe isso."

Por isso, a Folha faz um resumo da situação em outros países que passam por graves crises militares.

Afeganistão

A retirada de tropas americanas do país, seguida da rápida retomada do poder pelo Talibã após 20 anos, em agosto do ano passado, empurrou o país para um novo momento de crise econômica e social.

Relatório do Acnur, agência da ONU para refugiados, divulgado em fevereiro aponta que metade dos cerca de 40 milhões de afegãos precisa de ajuda para necessidades básicas, como moradia, comida e aquecimento durante o forte inverno local. Estima-se em 2,6 milhões o número de refugiados do país.

Toledo aponta a presença do Talibã na crise afegã como um exemplo do que chamou de economia da guerra —elemento comum em outras disputas, sustenta o cenário bélico prolongado em várias escalas.

"Há indicativos de que o Talibã tinha orçamento na casa de bilhões de dólares. O grupo cumpria um papel na economia das drogas, ajudava a escoar a produção. Era um grupo terrorista, perigoso, mas cumpria funções na região", afirma. "O Talibã chegou a controlar, no período de insurgência, cerca de 80 unidades de saúde, de postinhos a hospitais, que empregavam pessoas, atendiam a população. Isso é parte da economia da guerra, que nos ajuda a entender a longevidade da crise", diz.

Toledo relembra choques recentes entre soldados talibã e forças paquistanesas na fronteira, uma situação potencialmente perigosa e ofuscada pelo conflito ucraniano e que ainda conta com a presença do Estado Islâmico Khorasan. Espécie de filial afegã e paquistanesa do grupo extremista, a facção reivindicou o ataque a uma mesquita xiita em Peshawar que deixou mais de 60 mortos em 4 de março.

Síria

Depois de 11 anos de confronto, o país segue dividido entre áreas ocupadas pelo governo de Bashar Al-Assad, por forças de oposição ao ditador e pelas Forças Democráticas Sírias (FSD), majoritariamente compostas por curdos e apoiadas pelos Estados Unidos até 2019, quando o então presidente Donald Trump retirou as tropas americanas do norte da Síria. A Turquia também integra o conflito, justamente para combater as FSD, que demandam partes dos territórios turco e sírio.

O Estado Islâmico chegou a dominar grande faixa das terras sírias, mas, hoje, não controla áreas povoadas. Seus militantes, no entanto, continuam lembrando os envolvidos na contenda que ainda podem causar danos, com ataques em áreas dominadas por outras forças. No fim de janeiro, o grupo jihadista atacou uma prisão sob controle das FSD e deixou dezenas de mortos.

De acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, o ano de 2021 registrou 3.882 pessoas mortas pelas disputas no país, das quais 1.558 eram civis, 383 crianças entre eles. A enorme cifra, no entanto, é a mais baixa desde o início da guerra, de acordo com a organização.

Comparado a anos anteriores, o embate hoje está de fato mais estabilizado do ponto de vista territorial, com mais da metade do país sob controle do regime de Assad, apoiado pelo líder russo, Vladimir Putin.

Iêmen

Palco da crise humanitária mais grave do mundo, de acordo com a ONU, o Iêmen também vive uma guerra cujos interesses envolvidos superam suas fronteiras. A renúncia de Abd Rabbu Mansour Hadi forçada por rebeldes houthis, em janeiro de 2015, foi respondida por ataques de uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, com apoio dos Estados Unidos. Os houthis têm o apoio de Irã e Iraque.

Segundo relatório de 2022 do Acnur, 8 em cada 10 iemenitas estão abaixo da linha da pobreza.

A guerra se intensificou nos últimos meses, e janeiro foi um dos piores em número de mortes de civis. Em 17 de janeiro, os rebeldes houthis mostraram que o conflito pode transbordar para países da região e atacaram com um drone Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos, matando três trabalhadores estrangeiros em uma instalação industrial de petróleo. A coalizão respondeu com bombardeios nos dias seguintes, deixando ao menos 70 mortos em um único ataque.

A cidade de Marib vem sendo o palco dos principais duelos atualmente. O último grande centro controlado pelo governo iemenita possui os maiores campos de petróleo do país.

Palestina

Em relação aos 11 dias de ataques entre Israel e Hamas em 2021, a situação nos territórios palestinos é menos grave. No entanto, o coordenador da ONU para o processo de paz no Oriente Médio, Tor Wennesland, ressaltou no último dia 23 que o cenário na Faixa de Gaza é de uma "calma frágil".

Wennesland afirma que o domínio do Hamas, aliado a restrições de circulação impostas por Israel à área, está "criando uma geração que vivenciou múltiplas guerras e crises humanitárias e tem poucas perspectivas para melhorar de vida".

Entre janeiro e fevereiro, 205 palestinos ficaram feridos e seis morreram, incluindo duas crianças, na área ocupada por Israel na Cisjordânia, durante protestos, operações policiais e outras ocorrências. Do lado israelense, 9 civis, 2 crianças entre eles, foram feridos por palestinos em episódios isolados de violência.

Etiópia

O conflito etíope opõe a Frente de Libertação do Povo do Tigré (TLPF), no norte do país, ao premiê Abiy Ahmed Ali, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz antes de o país degringolar para disputas armadas.

Embora o governo tenha liberado presos políticos e afirmado que iria iniciar diálogos pela paz, a guerra civil continua e se expande para as regiões de Afar e Amhara, vizinhas do Tigré, no norte do país.

Entre novembro e fevereiro, a ONU registrou 304 mortes e 373 feridos em razão de bombardeios do governo na região. A TLPF revidou e atingiu áreas civis. Segundo o Ministério da Saúde, ao menos 2.000 instalações de saúde, sendo 36 hospitais, foram parcial ou completamente destruídas pelos rebeldes.

Mianmar

A junta militar que derrubou o governo de Aung San Suu Kyi completou um ano no poder no primeiro dia de fevereiro e viu uma explosão deixar 2 mortos e mais de 30 feridos numa manifestação a favor do Exército. Assim, o regime estendeu por mais seis meses o estado de emergência sob o qual o país já vivia.

Estimativas do Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados (Acled, na sigla em inglês) apontam que confrontos e a repressão da junta deixaram cerca de 12,5 mil mortos até janeiro. Grupos opositores mantêm a resistência em um cenário que agora toma contornos de conflito armado.

Haiti

O ano de 2021 foi mais um de aprofundamento da crise social haitiana, que dura décadas e se mistura com a própria história do país como nação independente —a mais pobre da América Latina. Em julho, o então presidente, Jovenel Moïse, foi assassinado a tiros em sua casa, poucos dias depois de ter nomeado o sétimo premiê em quatro anos de governo.

Além da instabilidade política, o Haiti convive com crescente violência policial e de gangues. "Grupos criminosos armados controlam a economia e as vidas de milhões de crianças, mulheres e homens", disse Helen La Lime, representante especial da ONU no país. "O uso indiscriminado de sequestros, assassinatos e violência sexual para aterrorizar a população para estender o controle territorial é repugnante."

Atualmente, segundo disse La Lime ao Conselho de Segurança da ONU em fevereiro, 4,9 milhões de pessoas (43% da população) precisam de assistência.

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