Descrição de chapéu The New York Times

Espiões dos EUA tentaram vender segredos de submarino nuclear ao Brasil

Casal foi preso no ano passado, mas país com quem queriam negociar ainda era segredo de Justiça

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Washington | The New York Times

Em 2020, um engenheiro naval americano e sua mulher tomaram a decisão fatídica de tentar vender alguns dos segredos militares mais protegidos dos Estados Unidos: a tecnologia por trás dos reatores nucleares que movimentam a frota de submarinos do país.

Então o casal enfrentou outra escolha importante: para que governo estrangeiro eles deveriam oferecer os segredos roubados? O engenheiro parecia acreditar que fornecê-los para adversários dos EUA como Rússia ou China era moralmente errado, de acordo com mensagens de texto divulgadas no julgamento.

Em vez disso, Jonathan e Diana Toebbe pensaram em um país que fosse rico o suficiente para comprar os segredos, não hostil aos EUA e, mais importante, cada vez mais ansioso para adquirir a tecnologia que eles queriam vender: o Brasil.

In undated booking photos provided by West Virginia Regional Jail and Correctional Facility Authority, Jonathan Toebbe, right, and his wife, Diana Toebbe. Jonathan and Diana Toebbe, who pleaded guilty last month in an espionage case, tried to sell nuclear secrets to Brazil. (West Virginia Regional Jail and Correctional Facility Authority via The New York Times) Ñ FOR EDITORIAL USE ONLY. Ñ
Diana e Jonathan Toebbe em retratos feitos pelo sistema penitenciário da Virgínia Ocidental, nos EUA - Autoridade Regional Penitenciária e Correcional da Virgínia Ocidental/ The New York Times

A identidade do país abordado pelos Toebbes permaneceu até agora protegida pela Justiça dos EUA e outras autoridades. Mas, segundo um membro do governo brasileiro e pessoas informadas sobre a investigação, Jonathan Toebbe abordou o Brasil há quase dois anos, oferecendo milhares de páginas de documentos confidenciais sobre reatores nucleares que ele havia roubado do centro da Marinha dos EUA em Washington ao longo de vários anos.

O plano deu errado quase desde o início. Após Toebbe enviar uma carta oferecendo os segredos à agência de inteligência militar do Brasil, em abril de 2020, as autoridades do país entregaram a carta ao adido legal do FBI no país. Então, a partir de dezembro daquele ano, um agente disfarçado da polícia americana se fez passar por uma autoridade brasileira para conquistar a confiança de Toebbe e convencê-lo a depositar os documentos num local escolhido pelos investigadores.

Ele afinal concordou em fornecer o material e ofereceu assistência técnica ao programa de submarinos nucleares do Brasil, usando informações confidenciais que havia obtido durante anos de trabalho para a Marinha. Jonathan e Diana Toebbe, que moravam em Annapolis (Maryland), foram presos em outubro de 2021 e se declararam culpados das acusações de espionagem no mês passado. Ele pode pegar até 17 anos e meio de prisão, e ela, até 3.

O Brasil continua lutando com seu programa de reator nuclear para submarino e se aproximou da Rússia para buscar uma parceria no projeto, disse um oficial militar russo que, como todos os entrevistados, falou sob condição de anonimato em razão do material sigiloso e da delicada situação diplomática. No mês passado, uma semana antes de a Rússia invadir a Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a mencionar a tecnologia durante uma viagem a Moscou.

O brasileiro tenta manter um relacionamento positivo com Vladimir Putin mesmo em meio às suas agressões à Ucrânia. Analistas afirmam acreditar que Bolsonaro, um ex-capitão do Exército, espera manter a porta aberta para uma parceria na tecnologia do reator nuclear.

Sua viagem à Rússia provocou críticas do governo Joe Biden. Questionado sobre os esforços do Brasil para adquirir tecnologia russa de reator nuclear, uma autoridade do governo disse na terça-feira (15) que tentar obter tecnologia militar russa "é uma aposta ruim para qualquer país".

Em alguns aspectos, o Brasil foi uma opção estranha para os Toebbes. Embora Brasil e EUA tenham um relacionamento militar limitado, a oferta ocorreu num período de boas relações entre os países nas últimas décadas, quando Bolsonaro e o então presidente Donald Trump fortaleceram sua aliança.

Embora o governo americano inicialmente quisesse divulgar o nome do país para o qual Toebbe tentou vender os segredos, as autoridades brasileiras insistiram que sua cooperação não fosse revelada publicamente, segundo uma pessoa informada sobre a investigação.

A Casa Branca, o Departamento de Justiça e o FBI se recusaram a comentar. Autoridades dos EUA disseram repetidamente que o casal não tentou vender os segredos para os principais adversários dos EUA nem para seus aliados mais próximos na Otan, como a França.

O defensor público de Jonathan Toebbe disse que as regras do governo o impedem de responder a perguntas. Um advogado de Diana Toebbe não quis falar sobre o caso antes de sua sentença ser anunciada, em agosto. Ela disse repetidamente no tribunal que o governo apresentou mensagens selecionadas e fora de contexto.

Eram poucos os países não abertamente hostis aos EUA e que poderiam usar a tecnologia e os projetos que Toebbe tinha para vender. O Brasil começou a trabalhar no desenvolvimento de submarinos nucleares em 1978, originalmente motivado por sua rivalidade com a Argentina.

Em 2008, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil reinvestiu no esforço para criar um submarino nuclear, para melhor patrulhar e proteger sua zona econômica exclusiva no Atlântico, fonte de combustíveis fósseis e outros recursos.

O país pretende lançar seu primeiro submarino movido a energia nuclear em 2029, como parte de um programa de US$ 7,2 bilhões. O Brasil está construindo mais quatro submarinos tradicionais com a ajuda da França, mas vem tentando desenvolver por conta própria um quinto submarino movido a reator nuclear, projeto em que enfrenta dificuldades.

Por isso, a experiência de Jonathan Toebbe em tornar os reatores nucleares mais silenciosos e difíceis de detectar, bem como outros elementos de projeto da classe Virgínia, teriam um valor enorme. A embaixada do Brasil nos EUA se recusou a comentar, mas uma autoridade disse que o país cooperou com os investigadores dos EUA em razão da parceria bilateral e das relações amistosas entre o serviço de inteligência brasileiro e a CIA.

Se o Brasil tivesse sido pego tentando comprar segredos dos EUA, as relações entre os dois países, incluindo o compartilhamento de inteligência, teriam sido ameaçadas.

Em vez disso, as autoridades brasileiras trabalharam com o FBI depois que Jonathan Toebbe inicialmente hesitou em depositar as informações classificadas num local preestabelecido, sem contato pessoal.

"Estou preocupado que usar um local escolhido por seu amigo me torne muito vulnerável", ele escreveu, de acordo com registros do tribunal. "Por enquanto, devo considerar a possibilidade de que você não seja a pessoa que eu espero que seja."

Para enganar Toebbe e fazê-lo acreditar que estava falando com uma autoridade brasileira, o agente disfarçado lhe disse para procurar um sinal colocado numa janela em um prédio do governo brasileiro em Washington no fim de semana do Memorial Day [feriado em homenagem a militares mortos] em 2021. Tal operação só poderia ser realizada com a cooperação de autoridades brasileiras em Washington.

Depois de ver o sinal, Jonathan Toebbe concordou em deixar uma amostra dos segredos nucleares que roubou da Marinha escondidos num sanduíche de manteiga de amendoim na Virgínia Ocidental, desencadeando uma série de acontecimentos que culminaram com a prisão do casal, em outubro.

Julian E. Barnes , André Spigariol , Jack Nicas e Adam Goldman

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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