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Guerra entre Rússia e Ucrânia divide famílias com raízes nos dois países

Ucranianos e russos têm parentes em ambos os lados da fronteira que agora estão em lados opostos do conflito

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Emma Bubola
The New York Times

Em sua infância na cidade russa de Volgogrado, Nina Riakhovskaia cresceu com sua prima menor. Brincando de patinadoras, as duas deslizavam de meias sobre o piso de madeira da casa da avó delas. Confiavam seus segredos e amores uma à outra.

Hoje Riakhovskaia tem 40 anos e vive em Kiev com seu marido, ucraniano. Recentemente ela telefonou à sua prima em Volgogrado para lhe dizer que os russos estavam invadindo a Ucrânia. Sua prima não acreditou que havia uma invasão. Disse a ela que a Rússia estava apenas conduzindo uma operação contra nazistas no país vizinho.

Soldado ucraniano abraça mulher em Lviv, na Ucrânia, nesta quarta-feira (2) - Daniel Leal/AFP

Falando por chamada de vídeo de uma casa no campo perto de Kiev para onde fugiu com o marido e o filho de 7 anos quando a invasão russa começou, Riakhovskaia disse: "Isso me faz sentir que estamos distantes para sempre. Não consigo perdoá-los. Não posso perdoar o fato de fazerem parte disso."

Devido à história complexa e interligada de seus países, muitos ucranianos e russos têm familiares de ambos os lados da fronteira e que agora se veem em lados opostos da guerra.

O conflito desencadeado pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, ultrapassou as linhas de frente e invadiu as famílias de muitos ucranianos e russos, tanto em seus dois países como nas comunidades ucranianas e russas pelo mundo afora.

A guerra já criou rixas familiares e levou algumas pessoas a temerem que seus parentes possam ferir uns aos outros na batalha.

"Tenho primos dos dois lados", disse Dan Hubbard, professor da Universidade de Mary Washington, na Virgínia. "Tenho muito medo de eles matarem uns aos outros."

Hubbard, 64, foi criado nos Estados Unidos por sua mãe, que era russa, e por sua bisavó, ucraniana. Ele recorda com saudades de como as duas costumavam dividir uma torta de repolho, jogar baralho e zombar do sotaque uma da outra.

Hoje alguns membros de sua família vivem perto de Moscou, e outros nos arredores de Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, que está sendo assediada pelas forças russas. Seus primos russos e ucranianos têm idade suficiente para se alistarem no Exército. Hubbard disse que está evitando assistir aos telejornais porque isso lhe causa sofrimento.

"Sinto pelos dois lados, porque os rapazes russos nem sequer sabem por que estão lá", ele disse. "Meus primos estão se matando por causa da fantasia de um louco."

Zoia, 25, trabalha numa empresa de cosméticos em São Petersburgo. Sua mãe é russa e seu pai, ucraniano. Ela cresceu perto de Moscou, mas sua avó paterna falava com ela em ucraniano, lia para ela poemas ucranianos e cantava canções ucranianas.

"Esse conflito é como quando nossos pais brigam", disse Zoia, que, como várias outras pessoas entrevistadas para esta reportagem, pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome por temer repercussões na Rússia. "Você não pode optar entre sua mãe e seu pai, porque você ama os dois."

Numa sondagem de 2011, 49% dos ucranianos disseram ter parentes na Rússia. E um estudo de 2015 apontou que havia 2,6 milhões de cidadãos ucranianos vivendo na Rússia.

Com mãe russa e pai ucraniano, Alona Cherkasski cresceu em Moscou, mas passava os verões em Odessa, na Ucrânia, onde moravam seus avós. Adulta, ela se orgulha de sua ascendência dupla. Mas, com a invasão russa, isso virou fonte de sofrimento para ela.

"Sinto como se fosse um ataque muito pessoal", disse Cherkasski, 45, que hoje vive em Londres.

Seu primo Georgi, 44, é russo, profissional de animação e mora em Moscou com a mulher, que vem de Odessa, a cidade litorânea onde a Marinha russa aportou durante a invasão. Ele disse que até recentemente sua esposa não diferenciava sua identidade ucraniana de sua identidade adotiva russa.

"É claro que, desde que começaram a jogar bombas sobre seu país, ela está se vendo mais como ucraniana", disse Georgi.

O vínculo de parentesco entre russos e ucranianos descritos por tantas pessoas de origem mista também é enfatizado por Putin, que já observou várias vezes que os dois países compartilham um passado comum. Mas, enquanto para muitos essa proximidade torna a invasão ainda mais devastadora, para Putin ela justificou as hostilidades.

"Por um lado, nosso presidente nos diz que somos um só povo", disse Georgi, "mas, por outro, ele os está bombardeando".

​Olena, filha de mãe russa e pai ucraniano, disse que seus pais estão num subsolo, escondendo-se das bombas russas na região ucraniana oriental de Sumi, perto da fronteira russa.

Ela contou que cresceu nos dois países, falando um misto das duas línguas, lendo literatura de ambos os países e ouvindo um misto de música pop de ambos.

Hoje ela vive na França, lê contos de fadas russos e ucranianos para seus filhos e canta canções de ninar dos dois países. Mas desde a invasão russa, seus filhos começaram a perguntar qual é o país deles.

"Como posso dizer a eles que sou mais russa ou mais ucraniana?" ela perguntou. "Nunca precisei fazer isso."

Na casa onde está abrigada, na zona rural ucraniana, Riakhovskaia disse que está passando muito frio porque, quando saiu de Kiev, estava em choque e só levou roupas de verão. Agora ela passou a ter medo do escuro. À noite, ela e sua família só usam faroletes. Evitam acender as luzes da casa, para não chamar a atenção de tropas russas.

O desentendimento com sua família na Rússia apenas intensificou sua aflição. "É ainda mais difícil, porque você perde seus parentes", disse. "Eles não acreditam em uma pessoa que conhecem desde que éramos crianças. Acreditam na televisão."

Tradução de Clara Allain

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