Macron pavimenta caminho à reeleição como negociador do Ocidente na guerra

Presidente francês sobe nas pesquisas após assumir protagonismo na diplomacia com Putin

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Milão

Presidente do Conselho da União Europeia, interlocutor com outros países, presidente da República e candidato à reeleição. As agendas de Emmanuel Macron se misturaram como nunca nos últimos dias, com a intensificação do conflito na Ucrânia e o começo formal de sua campanha pelo segundo mandato.

Se na diplomacia os resultados ainda parecem distantes, na corrida eleitoral francesa o papel de mediador vem impulsionando suas chances de permanecer mais cinco anos no cargo.

Desde domingo (6), Macron falou pelo telefone com o russo Vladimir Putin —pela 12ª vez neste ano— e reuniu o americano Joe Biden com os primeiros-ministros Boris Johnson, do Reino Unido, e Olaf Scholz, da Alemanha. Na terça (8), conversou por vídeo com Scholz e o chinês Xi Jinping. Mais tarde, encontrou, em Paris, o secretário de Estado americano, Antony Blinken.

O presidente da França, Emmanuel Macron, durante conferência em Paris
O presidente da França, Emmanuel Macron, durante conferência em Paris - Sarah Meyssonnier - 16.fev.22/AFP

Entre um compromisso e outro, participou, como candidato, de um programa de TV e realizou seu primeiro ato público pela reeleição, na cidade de Poissy. A guerra na Ucrânia entrou com tudo na campanha presidencial da França, cujo primeiro turno de votação acontece daqui a quase um mês, no dia 10 de abril.

Segundo pesquisa Ipsos divulgada no fim de semana, 90% dos franceses estão preocupados ou muito preocupados com a situação na Ucrânia. Não só pelas consequências econômicas da guerra (90%), mas também pela possibilidade de extensão do conflito (84%) e de ataque nuclear (76%).

Para os eleitores, a guerra se tornou o segundo assunto mais importante na hora de decidir o voto, atrás apenas de questões relacionadas ao poder de compra —o que também tem a ver com o conflito, uma vez que os primeiros efeitos devem ser sentidos nos preços do gás e da energia elétrica.

Nas últimas semanas, enquanto liderava as tratativas com aliados e, principalmente, com a Rússia, Macron deixou, ao menos publicamente, a campanha em segundo plano e só confirmou que concorreria à reeleição no último dia 3, na véspera do prazo final. "Sou candidato para defender os nossos valores, que estão ameaçados pelas convulsões mundiais", afirmou, em uma carta publicada em jornais franceses.

Um dia antes, como chefe de Estado, fez um discurso de 14 minutos na TV, em que classificou a guerra como um desafio sem precedentes. "O aumento no preço do petróleo e do gás terá consequências no poder de compra. Diante desses efeitos sociais e econômicos, tenho apenas um objetivo: proteger vocês."

Segundo o levantamento da Ipsos, o centrista Macron subiu 6,5 pontos percentuais desde o começo de fevereiro, sendo quatro pontos percentuais apenas entre o fim de fevereiro e o começo de março. Com 30,5% das intenções de voto, ele está isolado em primeiro lugar.

"Uma ameaça externa tende a beneficiar quem está no cargo. Macron agora goza da estatura de estadista, que negocia com os maiores líderes mundiais, diferentemente de seus concorrentes, sem experiência nesse tipo de situação", disse à Folha Fédérico Vacas, diretor-adjunto de Política e Opinião da Ipsos.

Segundo Georgina Wright, diretora do programa Europa do Instituto Montaigne, em Paris, embora a atuação na esfera internacional possa estar credenciando Macron para a reeleição, são os efeitos domésticos que os eleitores levam em conta. "Quando as pessoas votam na urna, elas não pensam em política externa. O que existe agora é uma preocupação legítima do impacto do conflito nas contas de gás e de energia e, consequentemente, em suas vidas cotidianas", afirma.

Na mesma pesquisa da Ipsos, os principais adversários, Marine Le Pen e Eric Zemmour, ambos da ultradireita, oscilaram negativamente e têm, respectivamente, 14,5% e 13%. Jean-Luc Mélenchon (esquerda) subiu três pontos, atingindo 12%, e Valérie Pécresse (centro-direita) aparece com 11,5%.

Nas últimas semanas, enquanto Macron falava com outros líderes, os rivais tentavam explicar aos eleitores situações antigas de proximidade com a Rússia. A campanha de Le Pen chegou a lançar um panfleto sobre a trajetória dela, em que, entre as fotos, havia um aperto de mãos, de 2017, com Putin. Três anos antes, seu partido havia obtido um empréstimo de cerca de 9 milhões de euros de um banco do país.

Zemmour foi ainda mais explícito, tendo dito, antes da escalada do conflito, que a Rússia era um aliado mais confiável do que Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. Em 2018, afirmou sonhar com um "Putin francês". Nos últimos dias, disse que a França não deveria acolher refugiados da Ucrânia.

"A política francesa tem certa proximidade com a Rússia, tanto à esquerda quanto à direita. Agora, esses políticos se encontram em uma posição complicada porque estão precisando fazer uma completa manobra", diz Tara Varma, diretora da seção parisiense do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

Nos últimos dias, Le Pen e Zemmour condenaram a invasão da Rússia à Ucrânia, ilustrando, segundo Varma, como a campanha mudou após o início da guerra. "O que parece haver é que os franceses querem alguém na Presidência que possa lidar com a crise, o que dá enorme vantagem a Macron", avalia.

O presidente também colhe frutos de uma visão que, ao longo de seu mandato, tornou-se uma espécie de mantra —a necessidade de uma Europa soberana, tanto em termos defensivos quanto econômicos.

O tema está no centro do programa da presidência temporária que a França ocupa no Conselho da União Europeia, entre janeiro e junho, e do encontro de líderes que acontece nesta quinta e sexta, em Versalhes.

"Nos últimos cinco anos ele vem falando que uma Europa mais forte faz uma França mais forte e de como precisamos rever nossa dependência e nossa cadeia de suprimentos. De certa forma, o conflito ecoa essa mensagem", comenta Wright, do Instituto Montaigne.

Ela observa que Macron buscou uma movimentação diplomática arriscada, antes da invasão na Ucrânia, o que poderia ter reflexos diferentes para a campanha. "Embora a invasão fosse uma possibilidade, a grande maioria acreditava ser improvável. Quando Macron foi a Moscou falar com Putin [no começo de fevereiro], ele assumiu riscos. Se a Rússia não tivesse invadido o país, mas somente anexado as regiões separatistas, provavelmente o resultado teria sido considerado um fracasso da diplomacia francesa."

Diante da escalada surpreendente, o que sai reforçada, avalia, é a imagem de Macron como o líder que ainda está falando diretamente com Putin.

Varma concorda que o que era considerada uma vulnerabilidade do líder europeu –sua mão estendida a Putin, mais claramente desde 2019, quando os dois se encontraram na França para discutir crises na Síria e na própria Ucrânia– passou a ser uma força, no contexto da invasão, colocando o presidente francês na posição de principal mediador do Ocidente.

"É o próprio Putin quem procurou Macron nas últimas vezes. De algum modo, Macron é um canal de comunicação entre Rússia e União Europeia e entre Rússia e Ocidente", afirma, lembrando que isso também acontece devido ao vazio deixado por Angela Merkel, que manteve, em seus 16 anos como primeira-ministra da Alemanha, bom relacionamento pessoal com Putin.

Um papel de liderança do qual, segundo a especialista, Macron pode se afastar gradualmente nas próximas semanas, conforme a campanha eleitoral o atrair com mais intensidade para o debate doméstico. Nesse cenário, naturalmente o papel de mediador principal com a Rússia caberá a Scholz.

Se a presença de Macron no segundo turno, em 24 de abril, é vista como certa, a definição do seu rival ainda parece nebulosa, com quatro nomes na disputa pela outra vaga. Segundo a Ipsos, Macron bateria todos na votação final, com percentuais entre 59% (contra Le Pen) e 67% (contra Mélenchon).

"No atual contexto, Macron é mais do que nunca um grande favorito. A questão é saber qual candidato enfrentará e como será o impacto na recomposição política na França", afirma Vacas, da Ipsos.

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