Apesar da guerra na Ucrânia, angolanos no país decidem não voltar para casa

Voo de repatriação enviado para 277 cidadãos de Angola teve apenas 30 passageiros

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gilberto Neto
The New York Times

Teófilo Muanda enfrentou explosões e tiros, sofreu temperaturas gélidas, suportou um trem lotado e uma caminhada de 73 quilômetros antes de conseguir sair da Ucrânia e entrar na Polônia, na semana passada.

Após finalmente cruzar a fronteira em 28 de fevereiro, ele foi recebido por autoridades de Angola, que lhe disseram que um Boeing 777 estava a caminho para levar os que fugiam da guerra a seu país de origem.

Refugiados de diferentes países da África e do Oriente Médio, a maioria de universidades ucranianas, na fronteira com a Polônia
Refugiados de diferentes países da África e do Oriente Médio, a maioria de universidades ucranianas, na fronteira com a Polônia - Wojtek Radwanski - 27.fev.22/AFP

Não demorou muito para Muanda, um estudante de pós-graduação de 31 anos em Kiev, na Ucrânia, decidir o que faria quando o avião pousasse em Varsóvia, na Polônia: ele não iria embarcar.

Da última vez que viveu em Angola, mal conseguia sobreviver. "Angola é a minha casa, mas prefiro ficar aqui do que passar pelo mesmo sofrimento", disse ele em Paris, onde está hospedado.

O governo angolano enviou um avião a Varsóvia para recolher cerca de 277 cidadãos e suas famílias que tinham escapado da Ucrânia após a invasão militar russa. Apenas 30 deles embarcaram no avião, que chegou à capital, Luanda, na segunda-feira (7), segundo o site de notícias estatal Angop.

Entrevistas com quatro dos que ficaram para trás revelaram sua preocupação em retornar ao país natal: a falta de oportunidades numa economia paralisada. Disseram que preferiam arriscar-se para encontrar uma vida melhor na Europa, ou esperar a guerra acabar, do que regressar a um futuro incerto em Angola.

Angola é um país rico em petróleo, com cerca de 35 milhões de habitantes, no sul da África, mas sua economia enfrenta dificuldades após os preços do petróleo caírem em 2014. A pandemia de coronavírus acrescentou uma camada de devastação a um país afogado em dívidas, na maior parte para a China.

Mesmo com a recuperação dos preços do petróleo nos últimos dois anos, cerca de um terço do país está desempregado, segundo estatísticas do governo. Em 2018, quase 48% da população viviam com menos de US$ 1,90 por dia, segundo o Banco Mundial.

Natural da província costeira de Cabinda, um posto avançado de Angola ao norte do rio Congo, Muanda disse que enfrentou desafios significativos quando regressou a seu país em 2018, depois de se formar no Instituto Politécnico de Kharkiv, na Ucrânia.

Em três anos, o melhor emprego que conseguiu encontrar foi num cibercafé em Cabinda, onde ganhava o equivalente a US$ 65 por mês. Frustrado com a vida miserável, ele voltou para a Ucrânia no ano passado.

Pouco depois de recusar a carona de seu governo para voltar a Angola, ele fugiu para Paris. "Por que eu voltaria?", disse ele, em lágrimas. Para outros angolanos, as raízes que já plantaram na Ucrânia são muito difíceis de abandonar. Felix Bote, 30, está se formando em engenharia de petróleo e gás e mecânica agrícola e é casado com uma ucraniana que ainda está no país.

Funcionários da embaixada de Angola na Polônia disseram que ele poderia ser preso se ficasse lá.

Mas se voltasse para Angola certamente teria que depender de parentes para sobreviver, disse Bote. Então ele e outros afirmaram que tentariam obter novos vistos de estudante ou se candidatar como refugiados para permanecer na Europa. "Não se engane", disse Bote, "a maioria do nosso grupo que ficou na Europa tem a sensação de que enfrentaria uma dura realidade em casa".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.