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Portugal amplia nacionalidade para bebês de imigrantes em situação irregular

Direito a cidadania vem sendo progressivamente ampliado em meio a queda nas taxas de natalidade

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Lisboa

Portugal vai garantir o acesso à nacionalidade portuguesa também para filhos de estrangeiros em situação irregular no país.

O direito automático à cidadania foi estendido a todas as crianças que nasçam em território português filhas de estrangeiros residentes há no mínimo um ano no país —o benefício independerá do status migratório dos pais.

Até agora, para que os bebês tivessem direito à nacionalidade, era exigido no mínimo um ano de residência legal de um dos progenitores. A mudança foi instituída em um novo decreto, publicado na sexta-feira (18), e passa a valer em 15 de abril.

Movimento em frente à torre de Belém, em Lisboa - Pedro Fiuza - 14.jan.22/Xinhua

"É uma mudança enorme, algo que vai beneficiar muito as famílias que vivem aqui e as gerações que vão nascer", avalia a advogada Raphaela Souza, especialista em nacionalidade portuguesa e sócia da consultoria Portugal para Todos. "A mudança também é até uma forma de o próprio governo reconhecer que alguns processos de regularização demoram muito mais tempo do que era suposto."

Embora Portugal permita a regularização de estrangeiros que entraram no país como turistas e permaneceram sem a autorização adequada para viver e trabalhar, o processo é considerado burocrático e cada vez mais lento.

Superlotado e à beira da extinção para dar lugar a uma nova agência, o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteira) tem levado pelo menos dois anos para concluir os processos de regularização pela via de trabalho.

Ainda assim, essa é tradicionalmente a principal forma de imigração da comunidade brasileira no país, que em 2021 chegou ao número recorde de 209.072 pessoas.

Portugal, que tem uma das menores taxas de natalidade da Europa, vem promovendo a imigração e ampliando o acesso à sua cidadania nos últimos anos. Há quase uma década, já há mais "novos portugueses" por meio de concessões de nacionalidade do que pela via de nascimento.

O direito à nacionalidade lusa para crianças nascidas no país vem sendo progressivamente ampliado.

Em 2015, eram exigidos pelo menos cinco anos de residência legal de um dos pais. Em 2018, o prazo mínimo caiu para dois anos e, em 2020, para um ano.

"Esse novo regulamento vem cimentar as alterações que já se verificavam na lei da nacionalidade. Os critérios simplificaram-se, agora o local onde a pessoa nasce importa mais do que os laços sanguíneos que a pessoa tem", avalia Raquel Brito, da Abreu Advogados.

A nova regulamentação facilita ainda o acesso à nacionalidade lusa para os pais dos bebês nascidos em Portugal. Os estrangeiros que tiverem filhos com cidadania portuguesa originária poderão entrar com um pedido de naturalização após cinco anos de residência, regulares ou não, em território português.

O país já permitia a naturalização por tempo de residência, mas com uma diferença fundamental: apenas o período com autorização legal para residir no país podia ser considerado na contagem do pedido de nacionalidade.

Crianças nascidas antes dessa nova mudança também serão beneficiadas.

Para a advogada Raquel Brito, a regulamentação aumenta a segurança jurídica para pontos que não estavam claros na lei da nacionalidade. "Deixou tudo mais claro. Antes nós interpretávamos à nossa maneira o que estava na lei, não tínhamos muita segurança naquilo que as conservatórias [cartórios que cuidam das nacionalidades] fariam."

Apesar de ampliar o direito à nacionalidade para as crianças nascidas em Portugal, o novo regulamento introduz exigências que vão dificultar a concessão de nacionalidade portuguesa para descendentes de judeus sefarditas expulsos durante a Inquisição.

Além da certificação oficial de ascendência sefardita, o governo passará a exigir, a partir de setembro, provas de ligação efetiva ao país, como viagens frequentes a Portugal e imóveis herdados em território luso.

"São exigências que desvirtuam o espírito da lei, que foi criada como uma forma de reparação histórica. Como se pode exigir que descendentes de uma comunidade expulsa de Portugal há mais de cinco séculos tenham, hoje, ligação efetiva ao país?", questiona Raphaela Souza.

"Eles introduziram requisitos objetivos com critérios absolutamente subjetivos. O regulamento fala em ‘viagens regulares a Portugal’, mas não estabelece quantas."

Para Raquel Brito, as mudanças vão reduzir drasticamente as naturalizações pela via sefardita. "Há alguns clientes que vêm questionar se nós podemos construir a partir de agora essa ligação com Portugal, mas a resposta é não. Tem de ser uma ligação que já existe", diz.

A proposta de introdução de critérios mais rígidos já era discutida no país, mas ganhou força nos últimos meses, quando foi revelado que o oligarca russo Roman Abramovich, dono do Chelsea, obteve o passaporte português por meio do mecanismo sob suspeita de irregularidades.

Desde 2015, Portugal já concedeu a cidadania a 56.685 descendentes de judeus sefarditas. Embora o órgão do governo responsável pelo tema ainda não tenha divulgado a divisão por nacionalidades, há milhares de brasileiros entre os beneficiados.

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