Descrição de chapéu África

Presidente da Tunísia anuncia dissolução do Parlamento após sessão online

Reunião de parlamentares tentava anular decretos do governo; oposição acusa Kais Saied de golpe de Estado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Túnis (Tunísia) | Reuters

O presidente da Tunísia, Kais Saied, anunciou nesta quarta-feira (30) a dissolução do Parlamento. A decisão foi divulgada em um vídeo e se torna o novo capítulo de uma série de atos antidemocráticos que vêm colocando em xeque avanços importantes na democracia do país desde a Primavera Árabe.

Em julho passado, Saied já havia suspendido o Parlamento e, em dezembro, a Constituição nacional. Atualmente, ele governa por meio de decretos.

O presidente da Tunísia, Kais Saied, em encontro com autoridades da União Europeia em Túnis - Divulgação Presidência - 29.mar.22/Reuters

Mais cedo nesta quarta, parlamentares se reuniram de forma online e votaram contra uma série de decisões autocráticas do presidente, na primeira grande ação de resistência a ele desde a anulação dos poderes do Legislativo.

Dos 217 membros do Parlamento, 124 estiveram presentes no encontro e 116 deles desaprovaram as "medidas excepcionais" decretadas por Saied nos últimos meses.

Foi então que o presidente, após a sessão, anunciou a dissolução do Legislativo e abriu uma investigação contra os políticos presentes.

"Precisamos proteger o Estado de uma divisão. Não vamos permitir aos abusadores que continuem a agredir o Estado", disse no vídeo.

Quando suspendeu o Parlamento, ele destituiu também o premiê Hichem Mechichi e assumiu plenos poderes no país —o regime local é um sistema parlamentar misto, em que cabem ao presidente funções diplomáticas e militares, e a chefia de governo fica a cargo do primeiro-ministro.

A oposição desde então acusa Saied de um golpe de Estado.

O titular do Parlamento tunisiano, Rached Ghannouchi, rejeitou nesta quinta-feira (31) a dissolução. "Consideramos que o Parlamento segue em atividade", declarou Ghannouchi em entrevista à AFP. "Constitucionalmente, o presidente não tem o direito de dissolvê-lo", acrescentou.

"Esta decisão é nula e não pertinente, contrária à Constituição", acrescentou Ghannouchi, que lidera o partido de inspiração islamista Ennahdha, a principal força parlamentar do país.

A suspensão da Constituição, aprovada em 2014, se deu na sequência, sob a justificativa de que era o documento que causava a longa crise política que o país enfrenta —e que nesta quarta se aprofunda ainda mais.

Saied, Ghannouchi e Mechichi há meses estão em constante conflito, o que também paralisou o governo em meio à pandemia.

Para reprimir atos contra o governo, o presidente, inclusive, já chegou a acionar os militares. Exasperados com a classe política, muitos tunisianos, por outro lado, acolheram com entusiasmo as determinações de Saied na esperança de que ele tomasse medidas firmes contra a corrupção e a impunidade.

O presidente foi eleito em 2019 como um outsider do sistema político, com um discurso anticorrupção. Embora goze de certa popularidade interna, suas medidas preocupam a comunidade internacional, sob o temor de uma volta ao autoritarismo de uma década atrás —questionado pela Primavera Árabe, série de protestos que sacudiu o norte da África e o Oriente Médio a partir do fim de 2010.

O chamado "expurgo anticorrupção" lançado por Saied após as medidas de julho aumentou o temor de um declínio das liberdades na Tunísia. Políticos, empresários, juízes e deputados foram alvo de detenções, proibições de viagens e prisões domiciliares sem justificativa por decisão do Ministério do Interior, denunciaram defensores dos direitos humanos.

Os partidos políticos estiveram entre os mais afetados, principalmente o Ennahda, que já estava enfraquecido. O líder Ghannouchi decidiu encerrar as funções de todos os membros e formar uma nova diretoria "para responder às demandas do período atual com a eficiência necessária", informou a legenda num comunicado de agosto.

Em meio à mais grave crise política da última década, o país também precisa lidar com os problemas econômicos constantes —no ano passado, a economia sofreu uma retração de 8%. Berço da Primavera Árabe, a Tunísia era considerada o exemplo mais bem-sucedido daquelas revoluções.

Na ocasião, os manifestantes conseguiram tirar do poder o então ditador Zine el-Abidine Ben Ali e mudar o sistema político do país, com uma nova Constituição que estabeleceu a divisão de Poderes entre o presidente, o primeiro-ministro e o Parlamento.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.