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Thomas L. Friedman

Putin coloca em marcha seu plano B na guerra para inundar Europa de refugiados

Conflito opõe alternativa do russo ao plano A de Biden e Zelenski; crise humanitária visaria a impor fardo a países da Otan

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Thomas L. Friedman
The New York Times

Depois de um mês confuso, está claro agora quais estratégias estão sendo executadas na Ucrânia: estamos assistindo ao plano B de Vladimir Putin versus o plano A de Joe Biden e Volodimir Zelenski. Esperemos que Biden e Zelenski sejam vitoriosos, porque o possível plano C de Putin é realmente assustador –e não quero sequer colocar no papel o que temo que possa ser seu plano D.

Não tenho nenhuma fonte secreta no Kremlin que me informe sobre isso; apenas a experiência de ter observado Putin operando no Oriente Médio ao longo de muitos anos.

Como tal, me parece evidente que Putin, tendo percebido que seu plano A fracassou —sua expectativa de que o Exército russo entraria na Ucrânia, decapitaria sua liderança supostamente nazista e então ficaria apenas esperando enquanto o país inteiro caísse pacificamente nos braços da Rússia—, passou a implementar seu plano B.

Presidente russo, Vladimir Putin, se prepara para reunião com Aleksandr Lukachenko, no Kremlin, em Moscou
Presidente russo, Vladimir Putin, se prepara para reunião com belarusso Aleksandr Lukachenko no Kremlin, em Moscou - Mikhail Klimentiev - 11.mar.22 / AFP

O plano B prevê que o Exército russo dispare intencionalmente contra civis ucranianos, prédios residenciais, hospitais, estabelecimentos comerciais e até abrigos antibomba —todas coisas que aconteceram nas últimas semanas—, com o objetivo de encorajar os ucranianos a abandonar suas casas, criando uma crise enorme de refugiados dentro da Ucrânia, e, o que é ainda mais importante, uma crise maciça de refugiados nos países vizinhos que integram a Otan.

Desconfio que Putin esteja pensando que, se não consegue ocupar e controlar toda a Ucrânia com meios militares e simplesmente impor seus termos de paz, a segunda melhor opção seria impelir 5 milhões ou 10 milhões de refugiados ucranianos, especialmente mulheres, crianças e idosos, para Polônia, Hungria e Europa Ocidental.

Isso com a finalidade de criar fardos sociais e econômicos tão pesados a ponto de esses países da Otan acabarem, eventualmente, pressionando Zelenski a concordar com quaisquer exigências de Putin para encerrar a guerra.

O presidente russo provavelmente espera que, embora esse plano tenha grande possibilidade de envolver crimes de guerra que poderão converter a ele e ao Estado em párias permanentes, a necessidade de petróleo, gás e trigo russos —além da ajuda para enfrentar problemas regionais como o iminente acordo nuclear com o Irã— não demore a obrigar o mundo a voltar a negociar com o "bad boy Putin", como sempre fez no passado.

Seu plano B parece estar se desenrolando conforme o previsto. A agência de notícias francesa AFP noticiou no domingo (20), de Kiev: "Mais de 3,3 milhões de refugiados abandonaram a Ucrânia desde que a guerra começou –a crise de refugiados que mais cresce na Europa desde a Segunda Guerra Mundial–, a vasta maioria dos quais formada por mulheres e crianças, segundo a ONU. Outros 6,5 milhões de pessoas estariam deslocadas dentro do país".

A reportagem prosseguiu: "Numa atualização de informações de inteligência no sábado passado, o Ministério da Defesa britânico disse que a Ucrânia continua a defender seu espaço aéreo com eficácia, forçando a Rússia a usar armas lançadas de seu espaço aéreo. A pasta disse que a Rússia foi forçada a ‘mudar sua abordagem operacional e agora está implementando uma estratégia de atrito. Esta provavelmente envolverá o uso indiscriminado de poder de fogo, resultando no aumento das baixas de civis, destruição da infraestrutura ucraniana e intensificação da crise humanitária’".

Mas o plano B de Putin está colidindo frontalmente com Biden e Zelenski. O plano A do ucraniano, que eu suspeito que esteja tendo resultados ainda melhores do que ele esperava, consiste em combater o Exército russo em terra até criar um impasse, destruir sua moral e forçar Moscou a aceitar seus termos para um acordo de paz. Isso tudo com apenas um mínimo de esforço para poupar o líder do Kremlin de humilhação.

Não obstante todo o derramamento de sangue e os bombardeios das forças russas, Zelenski, agindo com prudência, ainda está de olho na possibilidade de uma solução diplomática, sempre pedindo negociações com Putin, ao mesmo tempo que mobiliza suas forças e seu povo.

O jornal The New York Times noticiou no domingo que "a guerra na Ucrânia chegou a um impasse após mais de três semanas de combates, com a Rússia conquistando avanços apenas marginais e visando civis cada vez mais, segundo analistas e autoridades americanas. ‘As forças ucranianas derrotaram a campanha russa inicial desta guerra’, disse em análise o Instituto para o Estudo da Guerra, sediado em Washington. O estudo concluiu que os russos não possuem as tropas ou os equipamentos necessários para tomar a capital, Kiev, ou outras grandes cidades como Kharkiv e Odessa, concluiu",

O plano A de Biden, para o qual ele alertou Putin explicitamente antes de a guerra começar, num esforço para fazê-lo mudar de ideia, consistia em impor à Rússia sanções econômicas como o Ocidente nunca antes impôs, com a finalidade de paralisar a economia russa.

A estratégia envolveu enviar armas aos ucranianos para pressionar a Rússia militarmente. Está tendo êxito que provavelmente supera as expectativas de Biden, isso porque foi amplificada pelo fato de centenas de empresas estrangeiras que atuam na Rússia terem suspendido suas operações no país, voluntariamente ou sob pressão de seus funcionários.

Fábricas russas estão tendo que fechar as portas porque não conseguem os microchips e outras matérias-primas do Ocidente que necessitam. Além disso, as viagens aéreas para a Rússia e em volta dela diminuíram porque muitos dos aviões comerciais russos na realidade pertenciam a empresas de leasing irlandesas e porque a Airbus e a Boeing se recusam a fazer a manutenção dos aviões que pertencem à Rússia.

Enquanto isso, milhares de jovens profissionais de tecnologia russos estão demonstrando ser contra o conflito "com seus pés", simplesmente abandonando o país –e tudo isso em questão de um mês de Putin ter iniciado a guerra.

Assim, a pergunta que se coloca é: a pressão imposta aos países da Otan por todos os refugiados que a máquina de guerra de Putin está criando –um número que aumenta a cada dia– vai pesar mais do que a pressão sendo imposta a seu exército atolado em campo na Ucrânia e a sua economia na Rússia, que também aumenta a cada dia?

A resposta a essa pergunta deve determinar quando e como a guerra vai terminar. Se ela acabará com um vencedor e um perdedor claros ou, o que talvez seja mais provável, com algum tipo de acordo escuso enviesado a favor de Putin ou contra ele.

Digo "talvez" porque é possível que Putin considere intolerável qualquer espécie de empate ou acordo escuso. Ele talvez sinta que qualquer coisa que não seja uma vitória total será uma humilhação que enfraquecerá seu domínio autoritário do poder. Nesse caso, pode optar por um plano C —que, eu imagino, envolveria ataques aéreos ou de foguetes contra as linhas de suprimento militares ucranianas na Polônia.

A Polônia é membro da Otan, e qualquer ataque a seu território obrigaria todos os outros membros da Otan a virem em sua defesa. Putin talvez pense que, se conseguir forçar essa questão e alguns membros da Otan hesitarem em defender a Polônia, a Otan possa se fraturar.

Esse cenário certamente provocaria discussões acaloradas em todos os países da aliança, especialmente nos Estados Unidos, sobre o envolvimento direto em uma potencial Terceira Guerra Mundial contra a Rússia.

Não importa o que acontecesse na Ucrânia, se Putin conseguisse rachar a Otan seria uma conquista que poderia mascarar todas suas outras derrotas.

Se os planos A, B e C de Putin fracassarem, temo que ele fique como um animal encurralado e então opte pelo plano D –lançar armas químicas ou a primeira bomba nuclear desde Nagasaki. Essa é uma sentença difícil de escrever e ainda mais difícil de contemplar. Mas ignorar que é uma possibilidade seria ingenuidade extrema.

Tradução de Clara Allain

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