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Questões sobre pedofilia e aborto marcam 2º dia de sabatina de indicada à Suprema Corte dos EUA

Primeira mulher negra nomeada para o cargo sofre pressão de congressistas republicanos

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Washington

O segundo dia da sabatina de Ketanji Brown Jackson no Congresso dos EUA foi marcado por questões duras feitas por senadores republicanos, que buscaram retratá-la como autora de sentenças brandas a criminosos. Em resposta, a indicada à Suprema Corte procurou demonstrar que sempre agiu de modo independente e de acordo com a Constituição.

Jackson, 51, é a primeira mulher negra a ser nomeada para a mais alta instância da Justiça dos EUA. Indicada pelo presidente Joe Biden, ela precisa ter seu nome confirmado pelo Senado, o que deve ocorrer, já que os democratas possuem condições de aprová-la na Casa mesmo sem apoio da oposição republicana.

A juíza Ketanji Brown Jackson, durante o segundo dia de sabatina no Senado dos EUA - Jonathan Ernst - 22.mar.22/Reuters

Em suas falas na sabatina, que começou às 9h e se estendeu pela tarde, os republicanos insistiram no ponto de que ela, em sua carreira como juíza, foi branda com criminosos ao aplicar penas menores do que o recomendado, especialmente em casos de pornografia infantil. O tema foi citado em ao menos três momentos. Em um deles, o senador Ted Cruz mostrou um cartaz com sentenças dadas por ela ao lado das penas indicadas como padrão, para ressaltar que a magistrada poderia ter sido mais dura.

"O Congresso já disse que os juízes não estão em um jogo de números. Um juiz toma uma decisão baseado numa série de considerações. E, em cada caso, cumpri meu dever de responsabilizar os réus à luz das evidências e das informações apresentadas a mim", respondeu a indicada. "As evidências nesses casos [de pornografia infantil] eram terríveis, estão entre as piores que já vi."

Em resposta a acusações de que não se importaria com as vítimas de abusos, ela disse que sempre leva em conta que crianças alvo de pedófilos têm grandes chances de ter problemas com drogas e prostituição no futuro, além de terem dificuldade em estabelecer relações saudáveis.

Questionada pelo democrata Patrick Leahy sobre o que diria a quem afirma que ela pega leve com o crime, Jackson citou que seu irmão e dois tios trabalharam como policiais.

"Sei o que é ter pessoas amadas que saem para proteger e servir e o medo de não saber se voltarão para casa devido ao crime. O crime, seus efeitos na comunidade e a necessidade de impor a lei não são conceitos abstratos para mim", respondeu. "Precisamos ter pessoas sendo responsabilizadas [...], mas temos que fazer isso de modo justo, sob a Constituição."

Em relação à defesa que fez de acusados de terrorismo em Guantánamo, no período em que atuou como defensora pública, Jackson disse que os profissionais da área não escolhem seus clientes e que dar aos suspeitos um processo judicial adequado. "As pessoas acusadas por nosso governo tinham direito a representação [de defesa], sob nossa Constituição. [Agir assim] é o que torna nosso sistema o melhor do mundo."

Os republicanos insistiram em temas que costumam mobilizar o eleitorado conservador. Sobre o aborto, Jackson defendeu a manutenção de decisões anteriores que autorizam a prática, citando as decisões Roe vs. Wade (1973) e Planned Parenthood vs. Casey (1992) —a primeira liberou o aborto no país e a segunda confirmou a posição, com algumas mudanças.

Nos últimos anos, vários estados americanos aprovaram leis para restringir o aborto. A Suprema Corte analisa uma dessas proibições e, a partir desse caso, poderá mudar o entendimento sobre a questão.

A fala de Jackson foi similar a uma declaração de Brett Kavanaugh, que também disse considerar o aborto como lei assentada, em sua sabatina, em 2018. No fim de 2021, já como membro da Suprema Corte, porém, afirmou que a Constituição não trata do aborto, num sinal de que o entendimento pode ser revisto.

Outro senador republicano, Lindsey Graham, insistiu em perguntas sobre religião. "Sou protestante, sem denominação. Minha fé é muito importante, mas, como você sabe, não há teste religioso na Constituição", respondeu Jackson. "É muito importante deixar de lado as visões pessoais ao realizar o trabalho."

Graham disse que só insistiu nas questões religiosas para lembrar que Amy Coney Barrett, nomeada para a Suprema Corte pelo então presidente Donald Trump, em 2020, foi criticada por ser católica.

Em outra intervenção, Ted Cruz tentou ligar a juíza à teoria crítica da raça, linha acadêmica que trata da perpetuação do racismo na sociedade e que virou alvo de republicanos. Ela respondeu que essa teoria é ensinada só no nível universitário e que sua posição é a de defender que as escolas do ensino básico tratem da história da integração e da igualdade.

Cruz questionou o que ela achava do uso de livros como "Bebê Antirracista", de Ibram X. Kendi, em salas de aula. "Você concorda com esse livro que está sendo ensinado às crianças, de que bebês são racistas?", perguntou. "Eu não creio que nenhuma criança deve ser convencida a sentir que é racista, mas também não devem sentir que não são valorizadas", respondeu Jackson.

A juíza também evitou opinar sobre a possibilidade de ampliar o número de integrantes da Suprema Corte, por considerar que se trata de um tema político. Disse, ainda, que o direito à liberdade de expressão deve ser garantido a todos igualmente, conservadores ou progressistas, e que o direito de portar armas é considerado fundamental pela Constituição, como a corte já reafirmou.

A sabatina de Jackson deve durar até quinta (24). Em seguida, os senadores terão de votar para confirmar a indicação —os democratas querem que o processo seja concluído até o começo de abril. Se a aprovação for efetivada, a posse deve ocorrer no segundo semestre.

O cargo de juiz da Suprema Corte é vitalício, sem aposentadoria compulsória. Assim, se confirmada, Jackson poderá participar de decisões importantes para definir os rumos dos EUA por várias décadas. Atualmente, o colegiado é formado por seis juízes de perfil conservador e três de perfil liberal. Mesmo que confirmada, Jackson não mudará este cenário, pois entrará na vaga de Stephen Breyer, que se aposentou.


QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE

Ala conservadora

Jonh Roberts, 67
Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada

Clarence Thomas, 73
Indicado por George Bush em 1991

Samuel Alito, 71
Indicado por George W. Bush em 2006

Neil Gorsuch, 54
Indicado por Donald Trump em 2017

Brett Kavanaugh, 57
Indicado por Trump em 2018

Amy Coney Barrett, 50
Indicada por Trump em 2020

Ala progressista

Stephen Breyer, 83 (se aposenta neste ano)
Indicado por Bill Clinton em 1994

Sonia Sotomayor, 67
Indicada por Barack Obama em 2009

Elena Kagan, 61
Indicada por Obama em 2010​

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