Rabino que certificou cidadania portuguesa de Roman Abramovich é alvo de operação

Religioso é acusado de falsificação de documentos e lavagem de dinheiro; oligarca russo é ligado a Putin

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Paulo Curado
Lisboa | Público

O responsável por conceder cidadania portuguesa a descendentes sefarditas Daniel Litvak, rabino da Comunidade Israelita do Porto (CIP), foi detido pela Polícia Judiciária de Portugal na última quinta-feira (10), quando se preparava para viajar para Israel. Foi o religioso que permitiu ao oligarca russo Roman Abramovich obter a nacionalidade portuguesa, em abril do ano passado.

As autoridades policiais estiveram nesta sexta nas instalações da CIP para interrogar outros membros da direção do órgão. À CIP foram atribuídas, em 2015, competências para certificar descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal no final do século 15, como a Comunidade Israelita de Lisboa.

A operação decorre de um inquérito aberto em 19 de janeiro pela Procuradoria-Geral da República portuguesa, que atualmente está nas mãos do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). A apuração começou na sequência de uma investigação divulgada em dezembro pelo Público, nas quais foram revelados alguns dos contornos do processo da atribuição de nacionalidade ao empresário pela CIP, da qual tem sido um dos principais benfeitores.

Proprietário do Chelsea, Roman Abramovich, caminha em frente à Suprema Corte inglesa, em Londres
Proprietário do Chelsea, Roman Abramovich, caminha em frente à Suprema Corte inglesa, em Londres - Suzanne Plunkett - 16.nov.11/Reuters

Em comunicado, a PJ confirmou a operação, referindo que foram realizadas buscas "domiciliares e não domiciliares", nomeadamente ao escritório de um advogado, conduzidas pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção. Em causa estão "crimes de tráfico de influência, corrupção ativa, falsificação de documentos, lavagem de dinheiro, fraude fiscal qualificada e associação criminosa".

Na sequência dessas buscas, "foi apreendida vasta documentação e outros elementos de prova", que serão agora analisados pelas autoridades. A PJ adiantou ainda que o rabino Daniel Litvak comparecerá a um interrogatório judicial para aplicação de medidas de coação. Também em comunicado, a CIP reiterou a legalidade nos processos de certificação de descendentes de judeus sefarditas.

Lei de 2013

Em 2013, o Parlamento aprovou por unanimidade uma revisão da Lei da Nacionalidade que estabelecia a possibilidade de atribuição de nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal. A possibilidade ficou consagrada em 2 de março de 2015.

Para obter a nacionalidade por via da naturalização, Abramovich viu suas ascendências sefarditas serem comprovadas pela Comissão de Certificação do Sefardismo da CIP. O processo deu entrada na Conservatória dos Registros Centrais, em Lisboa, e no Ministério da Justiça —que é quem tem o poder de conceder a nacionalidade— em outubro de 2020 e foi concluído em 30 de abril de 2021, num tempo recorde de seis meses e meio, de acordo com dados recolhidos na investigação do Público.

Desde 2015, data da entrada em vigor das alterações da Lei da Nacionalidade, até ao final do ano passado, a CIP e a CIL certificaram 86,5 mil pedidos de nacionalidade —tendo mais de 32 mil sido já concedidos pelo Ministério da Justiça e estando ainda por analisar algumas dezenas de milhares. Do total de pedidos, perto de 90% foram instruídos pela comunidade judaica do Porto (76,5 mil).

Governo mais exigente

Ao contrário da lei espanhola —destinada também à reparação histórica da expulsão dos judeus sefarditas, igualmente no final do século 15—, que entrou em vigor em outubro de 2015 e terminou em outubro de 2019, a legislação portuguesa prolonga-se indefinidamente no tempo. Bem distintas foram ainda as exigências apresentadas pelos dois países aos candidatos à nacionalidade por essa via.

As autoridades de Madri exigiam, entre outras condições, a comprovação da condição de judeu sefardita e uma vinculação ao país, prova para obtenção do diploma espanhol como língua estrangeira, nível A2, e outra de conhecimentos constitucionais e socioculturais, realizadas por meio do Instituto Cervantes.

Eram também exigidos um certificado expedido pelo presidente da Comissão Permanente da Federação das Comunidades Judaicas de Espanha, um certificado emitido pelo representante da comunidade judaica da zona de residência do interessado e o certificado da autoridade rabínica competente, reconhecida legalmente no país de origem ou de residência habitual do requerente.

Nada disso é necessário na legislação portuguesa, pela qual o candidato pode nunca ter estado em território nacional, nem mesmo para concluir o processo de naturalização. Mas o governo quer agora reforçar os requisitos pedidos, em particular no que diz respeito a uma ligação efetiva a Portugal.

Já as exigências de residência (como foi proposto em 2020 pela vice-presidente da bancada socialista Constança Urbano de Sousa) ou o conhecimento da língua violam o artigo 7º da Lei da Nacionalidade. O texto foi proposto em 2013 por Maria de Belém Roseira, tia de Francisco de Almeida Garrett, advogado e membro da direção da CIP, e aprovado por unanimidade no Parlamento.

Para tal, aprovou em dezembro um decreto-lei no Conselho de Ministros, que continua na Presidência da República a aguardar promulgação ou veto. O Público questionou Belém sobre os motivos para a demora, mas, até a publicação deste texto, não obteve resposta.

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