Termômetro do Leste Europeu, Moldova teme ser invadida pela Rússia

Pequeno e empobrecido, país já fez parte do Império Otomano, do Império Russo, do Reino da Romênia e da União Soviética

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Patrick Kingsley
The New York Times

A apenas 13 quilômetros da fronteira com a Ucrânia, o prefeito de um vilarejo na Moldova assistia pela televisão à cobertura da invasão russa no país vizinho. Ele brincava com uma caneta, tirando e pondo a tampa, enquanto olhava na tela o avanço russo em direção a Odessa, a cidade mais próxima da sua, na Ucrânia.

"Não consigo parar de assistir", disse o prefeito Alexander Nikitenko. "Se eles tomarem Odessa, está claro que virão para cá em seguida."

E se os russos chegarem tão longe, Nikitenko se perguntou, eles vão parar?

A bandeira da Moldávia voa sobre um acampamento temporário para refugiados ucranianos em Palanca, Moldávia, em 1º de março de 2022.
Acampamento para refugiados ucranianos em Palanca, em Moldova, com a bandeira do país - Laetitia Vancon - 1.mar.2022/The New York Times

Essas perguntas estão sendo feitas em toda a Europa Oriental em antigas repúblicas do bloco comunista como Moldova. A invasão russa da Ucrânia derrubou suposições sobre a ordem política após a Guerra Fria, fornecendo evidências claras de que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, vê as fronteiras europeias como algo a ser redesenhado pela força.

Um país pobre, com 2,6 milhões de habitantes, espremido entre a Ucrânia e a Romênia, Moldova talvez seja o mais vulnerável. Ao contrário da Polônia e dos países bálticos, ela não é membro da Otan [aliança militar ocidental]. Também não é membro da União Europeia, mas apresentou um pedido apressado e de longo prazo na semana passada, algo semelhante a um sinalizador.

Mapa
Fronteiras da Ucrânia -

O mais problemático é que, duas décadas antes de os separatistas de língua russa escavarem um pedaço da Ucrânia, eles fizeram a mesma coisa na Moldova.

Em 1992, separatistas apoiados por Moscou assumiram o controle de uma estreita faixa de terra de 400 km, conhecida como Transnístria, que percorre grande parte da margem leste do rio Dniester, bem como partes da margem oeste.

Eles também reivindicam bolsões de terra ainda controlados pela Moldova, incluindo a aldeia de Nikitenko, chamada Varnita.

A Transnístria nunca foi reconhecida internacionalmente —nem mesmo pela Rússia. Mas o país de Putin conserva 1.500 soldados lá, nominalmente para manter a paz e proteger um enorme estoque de munições da era soviética.

Se as forças russas avançarem para a fronteira da Moldova, alguns moldovos temem que a Rússia em breve reconheça a Transnístria, como fez com as autodeclaradas repúblicas separatistas da Ucrânia —dando a Moscou um pretexto semelhante para ocupá-la oficialmente—, ou talvez mais tarde a absorva em uma Ucrânia pró-Rússia ou na própria Rússia.

Setas num mapa da Ucrânia apresentado em um pronunciamento na TV sobre a invasão russa do líder de Belarus Alexandr Lukachenko na terça-feira (1º) sugeriram que as tropas russas na Ucrânia planejavam entrar na Transnístria depois de capturar Odessa. O embaixador de Belarus na Moldova mais tarde pediu desculpas pelo mapa de Lukachenko, alegando que foi um erro.

Dentro do governo da Moldova, altos funcionários discutiram discretamente as preocupações de que a Rússia possa ocupar totalmente a Moldova, disseram dois funcionários moldovos sob a condição do anonimato.

"As pessoas estão com medo, literalmente com medo", disse Alexandru Flenchea, analista e ex-vice-primeiro-ministro da Moldova, que supervisionou os esforços para reintegrar a Transnístria. "Muitos estão considerando a emigração, antes que possam se tornar refugiados."

Nenhum europeu pode se sentir seguro hoje, principalmente depois que Putin instruiu seu exército a preparar o arsenal nuclear da Rússia, disse Flenchea.

"Mas de todos os países, exceto os próprios agressores, a Moldova é o que está mais próximo da ação militar", acrescentou Flenchea.

Embora pequena e empobrecida, a Moldova tem sido historicamente um indicador da dinâmica de poder na Europa Oriental. Em pouco mais de dois séculos, o país fez parte do Império Otomano, do Império Russo, do Reino da Romênia e da União Soviética.

Ao longo do rio Dniester, essa história complexa, juntamente com a natureza explosiva do momento atual, gerou expectativas de uma mudança de poder.

O Dniester pode agora se tornar a fronteira entre a Rússia e o Ocidente, disse o analista político Serguei Chirokov, uma ex-autoridade da Transnístria. "Essa fronteira será uma cortina de ferro?", perguntou Chirokov. "Ou uma fronteira flexível?"

Josep Borrell Fontelles, principal diplomata da União Europeia, visitou a Moldova na quarta-feira (2) numa demonstração de apoio, enquanto Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, visitou-a no domingo (6).

"Apoiamos fortemente a integridade territorial da Moldova", disse Blinken em uma coletiva de imprensa conjunta com a presidente moldova, Maia Sandu.

No curto prazo, alguns especularam que tanto as forças da Transnístria quanto as tropas russas na região possam ser sugadas para a luta, para ajudar na campanha russa no sudoeste da Ucrânia. Na noite de sexta (4), uma agência de notícias administrada por autoridades da Transnístria disse que um míssil atingiu uma ferrovia ucraniana perto da Transnístria, destacando o risco de repercussões militares.

No domingo (6), um canal de televisão dirigido pelo Ministério da Defesa ucraniano afirmou que os recentes ataques russos a um aeroporto ucraniano foram disparados da Transnístria. Tanto o governo da Moldova quanto as autoridades da Transnístria desmentiram a reportagem.

Ainda na manhã de domingo, autoridades moldovas e diplomatas estrangeiros disseram que não havia evidências de que a liderança da Transnístria estivesse tentando se envolver nos combates.

Sandu, a presidente da Moldova, disse no domingo que a invasão russa deixou o país inseguro. Mas ela e outras autoridades tentaram evitar tensões inflamadas. Nas eleições parlamentares do ano passado, cerca de um terço dos moldovos votaram em partidos que apoiam a Rússia.

Em entrevista, a primeira-ministra moldova, Natalia Gavrilita, disse que seu governo enfrenta desafios mais urgentes, como o afluxo repentino de mais de 230 mil refugiados. Quase não há camas de hotel gratuitas em Chisinau, a capital da Moldova, e muitos refugiados estão hospedados em campos improvisados e nas casas da população.

"Somos um país neutro, sempre agimos sob o prisma da neutralidade e esperamos plenamente que outros o façam", disse Gavrilita. "Não vemos um perigo iminente" de a Transnístria entrar na guerra, acrescentou. "Esta é, por enquanto, uma questão hipotética."

O líder da Transnístria, Vadim Krasnoselski, recusou um pedido de entrevista; o chefe do departamento de assuntos externos da Transnístria, Vitali Ignatiev, se recusou a comentar quando contatado por telefone; e as autoridades da Transnístria também negaram permissão de entrada ao jornal americano The New York Times.

Em declarações públicas recentes, no entanto, a liderança da Transnístria procurou minimizar tensões.
Quaisquer relatos de agressão da Transnístria foram uma "mentira descarada", disse Krasnoselsi em comunicado na tarde de domingo. A Transnístria "não representa uma ameaça militar, não elabora planos de natureza agressiva", acrescentou. "Estamos focados em garantir a paz."

Exercícios militares recentes das forças de segurança da Transnístria têm sido defensivos, sugerindo também que eles não estão treinando para uma campanha na Ucrânia, disse Flenchea, citando declarações recentes de autoridades da Transnístria.

Enquanto a Transnístria busca se tornar independente da Moldova, as duas estabeleceram um relacionamento funcional, embora desconfortável.

A Transnístria tem sua própria bandeira, com uma foice e um martelo em estilo soviético, e sua própria moeda improvisada, que consiste em parte de moedas plásticas que lembram um jogo de tabuleiro. Em nível local, as comunidades da Moldova e da Transnístria são muitas vezes interdependentes, e os transnístricos costumam usar bancos e centros médicos em cidades controladas pela Moldova.

Na escola da aldeia de Nikitenko, cerca de um terço dos alunos são de um município vizinho, na Transnístria. Durante uma recente nevasca, Nikitenko compartilhou limpa-neves com o município vizinho e os bombeiros das duas cidades uniram forças para apagar um incêndio num depósito de lixo, disse Nikitenko.

Qualquer disrupção na situação vigente arriscaria perturbar o comércio e o fornecimento de alimentos da Transnístria, que depende em grande parte da Moldova, da Ucrânia e da União Europeia. Também poderia colocar em risco um dos principais fluxos de receita da Transnístria —as taxas que cobra da Moldova pela eletricidade que fornece à capital, Chisinau.

Moradores da Transnístria que faziam fila para sacar dinheiro em Varnita expressaram pouco entusiasmo por um novo conflito armado.

"Quero que a Transnístria seja independente", disse Anastasia Secretariova, dona de casa de 31 anos. "Mas o que Putin fez piorou tudo."

Secretariova se entristeceu ao pensar em seus gêmeos de três anos crescendo para lutar em "uma guerra sem qualquer propósito", disse ela. Seus amigos alistados nas forças locais lideradas pela Rússia também têm pouco apetite por mais combates, acrescentou Secretariova. "Eles só querem viver em paz."

Em última análise, porém, os moradores da Transnístria terão pouco a dizer sobre o que acontece aqui, disse Shirokov, analista e ex-funcionário da Transnístria.

"O continente eurasiano está sendo remodelado", disse Shirokov. "Se é apenas a Rússia que remodela nosso futuro, ou tanto a Rússia quanto a América, não sabemos. Mas o que está claro é que não serão nossas próprias mãos que influenciarão as coisas."

Independentemente do que acontecer na Ucrânia, a Rússia ainda pode tentar preservar a situação na Transnístria, disse um funcionário da Moldova. Uma Transnístria que permaneça parte da Moldova pode ser mais útil para a Rússia, pois continuaria a complicar quaisquer aspirações moldovas de integração com o Ocidente, acrescentou o funcionário.

Aconteça o que acontecer com a Transnístria, a guerra na Ucrânia desencadeará uma série de desafios para a Moldova, disse Nicu Popescu, ministro das Relações Exteriores da Moldova.

"A guerra causará pelo menos uma década perdida", disse Popescu. "Não só na Moldova, mas em toda a região."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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